Filhas de mulher que foi vítima de trabalhos forçados em uma das Lavanderias de Madalena na Irlanda começam uma campanha por indenização do Estado.
Samantha Long e sua irmã gêmea Etta Thornton-Verma nasceram em 1972 e
foram adotadas com 9 meses de idade. Elas nunca chegaram a conhecer sua
mãe biológica e decidiram tentar localizá-la em meados da década de
1990. "Nada poderia ter nos preparado para o que descobrimos", disse
Thornton-Verma, que vive em Nova York.
"Estávamos preparadas para situações comuns, como uma
adolescente que ficou grávida e não tinha condições para cuidar de nós",
afirmou. "Mas não achávamos de forma alguma que ela havia sido presa
por freiras."
Em 1995, elas encontraram sua mãe Margaret
Bullen em Dublin, na lavanderia da rua Sean MacDermott, uma casa de
trabalho para meninas, onde trabalhava desde 1967, seis dias por semana,
sem remuneração. Elas ficaram chocadas com sua aparência. "Ela estava
muito desarrumada e aparentava ser muito mais velha do que sua idade",
disse Samantha. "Ela tinha 42 anos, mas nós víamos em seu rosto o
resultado de muito trabalho duro e má nutrição."
Samantha estava entre os presentes no Parlamento Irlandês
no ínicio do mês, quando o governo tornou público um relatório de 1 mil
páginas que concluiu que houve "envolvimento significativo do Estado"
no encarceramento de milhares de mulheres e meninas em um sistema de
trabalho escravo, que permaneceu ativo até 1996. E ela e sua irmã
estavam entre os vários desapontados quando o primeiro-ministro irlandês
Enda Kenny deixou de emitir um pedido oficial de desculpas em nome do
governo.
As gêmeas descobriram que sua mãe havia passado sua
infância aos cuidados do Estado e que foi transferida para uma
lavanderia quando ainda era adolescente. Ela engravidou duas vezes,
enquanto estava subordinada a uma ordem religiosa que administrava a
lavanderia. Conversas com sua mãe levaram suas filhas a concluir que
foram concebidas por abuso sexual. As gêmeas e uma outra menina que
nasceram quatro anos depois foram tiradas de Margaret e adotados.
Ela nunca sequer recebeu qualquer remuneração
por décadas de trabalho e tampouco a ordem religiosa pagou as
contribuições devidas para uma pensão. Ela parou de trabalhar em 1996,
quando a última das lavanderias fechou, e viveu em um convento anexo à
lavanderia pelo resto de sua vida. Morreu em 2003 com síndrome de
Goodpasture, uma doença associada à exposição a produtos químicos
tóxicos usados na lavagem de roupas. Ela foi enterrada em uma cova comum
para mulheres de Madalena no cemitério Glasnevin, em Dublin.
A maioria das mulheres de Madalena, como são
conhecidas, já morreram ou estão idosas. Estima-se que apenas 1 mil das
10.012 mulheres ainda estejam vivas. Nas semanas que antecederam a
publicação do relatório, algumas decidiram relatar suas experiências. Há
amplo apoio público para suas demandas por um pedido de desculpas
oficial da Igreja e do Estado, e para a compensação por seus anos de
trabalho não remunerado.
A declaração de Kenny deixou claro que elas
teriam que esperar pelo menos mais duas semanas para que o Parlamento
debatesse o relatório, e mesmo assim elas poderão se decepcionar.
"Quando ouvi dizer que o relatório confirmou o envolvimento do Estado
fiquei satisfeita, mas eu realmente esperava por um pedido de
desculpas", disse Samantha. "Eu só espero que em duas semanas o Estado
diga: 'Vocês pertencem a nós, e nós sentimos muito por termos abandonado
vocês e lhes tratado assim'. Isso é muito importante."
Embora a declaração de Kenny não tenha agradado as
sobreviventes e seus descendentes, o relatório de fato representou algum
progresso.
O documento descobriu que um quarto das mulheres que
passaram pelas instituições foram enviadas pelo Estado. As lavanderias
operavam como um sistema paralelo à prisão para onde os tribunais
irlandeses rotineiramente encaminhavam mulheres que eram sentenciadas
por crimes menores. As mulheres eram encaminhadas para orfanatos
estatais e as meninas eram muitas vezes transferidas para as Lavanderias
de Madalena quando atingiam a puberdade.
Oficiais do Estado, como a polícia, regularmente
capturavam as que escapavam. Vários departamentos governamentais, e até
mesmo a casa oficial do presidente irlandês, apareciam na carteira de
clientes das lavanderias como "clientes que enviavam roupas para serem
lavadas.”
Martin McAleese, o presidente da comissão que realizou o
relatório, disse que esperava que as descobertas trouxessem "cura e paz
de espírito a todos os interessados, mas especialmente às mulheres, cuja
experiência nas Lavanderias de Madalena teve um efeito negativo
profundo e duradouro em suas vidas".
Também sabe-se que as lavanderias não eram rentáveis, ao
contrário do que se pensava (apesar de grupos de sobreviventes
desafiarem essa questão). O relatório também não encontrou indícios de
abuso sexual.
Mari Steed, diretora de Justiça para Madalenas, que tem
feito lobby para um pedido oficial de desculpas e compensações para as
mulheres, chamou a resposta do governo ao relatório de "muito
decepcionante". Sua mãe passou 10 anos em uma lavanderia. "Vai ser
difícil dizer para as mulheres que elas precisam esperar novamente",
disse.