Herwin de Barros com José Dirceu em foto de arquivo pessoalCorria
julho de 1998. O mais antigo amigo deste blogueiro, Marcelo Rubens
Paiva, havia obtido documento inédito, com a brasilianista Martha
Huggins. Atestava a participação dos serviços de inteligência dos EUA no
movimento de 1964, ora cinquentão.
Mas, para a confecção da capa
daquela caderno Mais!, publicado a 23 de agosto de 1998, era necessário
algo praticamente sobrenatural: encontrar no Brasil algum agente do que
viria a ser a CIA, central de inteligência do Uncle Sam (e que falasse
com o gravador ligado). Precisávamos de alguém que tivesse ajudado a dar
o chamado Golpe de 1964, e com a chancela lustrosa dos EUA na
carteirinha. Parecia impossível.
Foi o finado advogado
criminalista Cezar Rodrigues quem deu a dica: um dos tiras mais
experientes da Polícia Civil de São Paulo, Herwin de Barros, havia sido
contratado pela futura CIA para ajudar a dar o “golpe”. O agente gringo
e agenciador de Barros tinha um nome bem literário: Peter Costello.
Logo
depois de termos colocado Herwin de Barros na capa daquela reportagem
longuíssima, intitulada “A Companhia Secreta", Herwin virou capa da
revista Isto É. Afinal, nos havia revelado que fora pautado para
assassinar ninguém menos que José Dirceu, no congresso da UNE em Ibiúna,
em 1968.
“Eu tinha ordens emanadas da CIA, a central de
inteligência dos EUA, para assassinar Zé Dirceu. Não cumpri isso. E fui
execrado. Em abril de 1984 mudaram até o regimento interno da polícia de
São Paulo para que eu pudesse ser afastado. Tudo porque me neguei a
assassinar friamente Zé Dirceu”.
Em vez de matar Dirceu, resolveu detê-lo usando apenas um ancinho enferrujado e um pedaço de pau de 70 centímetros.
Uma
piada, uma boutade, que corre por aí, diz que Fernando Gabeira é o
responsável pelo Mensalão: afinal foi Gabeira que determinou que, em
1969, José Dirceu seria era um dos 15 presos políticos que foram
retirados da cadeia e trocados pelo embaixador sequestrado americano
Charles Burke Elbrick.
Bem, a culpa não é de Gabeira: quem salvou Dirceu foi Herwin de Barros...
Herwin de Barros escreveu uma carta ao José Dirceu que ele salvou. Você verá ao final deste post.
“Minha
vida toda fui perseguido por agentes de segurança, que queriam saber de
que lado eu afinal estava. Ninguém acreditava que eu não estava de lado
nenhum. Em 1975 o SNI plantou duas mulheres lindíssimas em cima de mim,
uma negra e uma loira. Deram em cima de mim para simplesmente saber
qual era a minha ligação com as esquerdas”, revela Erwin.
Ele lembra de algo que lhe custou caro.
Corria
o ano de 1985. Um vetusto e poderoso delegado de polícia civil de São
Paulo impede a entrada do advogado de Herwin na sala, para defender seu
cliente. O advogado retira-se e bate a porta. Lá dentro, o delegado
dispara a Herwin, varado de ódio: “Agora você vai ver o que é bom,
ninguém mandou ter ficado ao lado dos terroristas”.
“Paguei muito
caro o preço por não ter torturado, espancado, ou levado armas
automáticas para prender Zé Dirceu no Congresso da UNE de outubro de
1968”, diz o hoje advogado Herwin de Barros.
Consultor de estrelas
Herwin
é hoje consultor de estrelas do direito paulista como Paulo Sérgio
Leite Fernandes, Ivo Galli, Orlando Maluf Haddad e Otávio Augusto Rossi
Vieira. Tem duas filhas devotadas ao marketing. Herwin foi pai de santo
por 30 anos. Agora é devoto da Igreja Renascer. Chamam-no, ainda, pelos
nomes dos tempos jubilosos de 40 anos atrás, Brucutu ou Peito de Aço.
Seu
pai, o pernambucano Eufrásio Barros de Oliveira, estrela da polícia
paulista, mas que foi amigo do cangaceiro Lampião em pessoa, fez de
Herwin um atleta. Nadava, boxeava, fazia halterofilismo, jogava volley
profissionalmente.
Herwin de Barros tem a voz rouquenha, de
trovão. Ama as vulgatas de psiquiatria. Já foi um apaixonado pelas armas
brancas, facas, navalhas, adagas, paus. Gosta de indicar como
imobilizava bandidos empregando apenas uma navalha. “Ela vai na sua
jugular, não dá tempo de você reagir”, demonstra.
“Eu tinha
ordens expressas de interrogar radicalmente, interrogar fisicamente, Zé
Dirceu e os líderes do Congresso, o Ribas e o Travassos. Era uma ordem
manifestamente ilegal: eu deveria cumpri-la para robustecer o flagrante,
arrancar na porrada confissões do Zé Dirceu para poder enquadrar eles
na Lei de Segurança Nacional. Mas não fiz isso. E por isso fui
perseguido, muito, dentro da polícia. Se fizesse o que eles mandavam, as
sequelas que deixaria neles não os fariam sobreviver por muito tempo”.
Herwin
relata um diálogo que teve com Zé Dirceu já preso em Ibiúna. “Ele deu
aquele riso que chamo de um meio esgar irônico. Ele me perguntou se,
como condutor do flagrante, eu não iria usar arma contra eles. Eu disse
que não. Ele me respondeu que não acreditava em mim. Então eu disse “Zé
Dirceu, a primeira coisa que vem na certidão de uma pessoa é se é homem,
não se é macho. Eu sou homem, e de palavra”.
Chegados em São
Paulo, numa perua Willis, no Departamento de Ordem Política e Social, no
largo General Osório, centro de São Paulo, Herwin de Barros entregou
José Dirceu às autoridades. Manhosamente, inventou que ia se lavar da
lama. Pulou a janela do Dops e foi para casa, fazendo atalho pela
ferrovia. Só voltou ao trabalho três dias depois. “Só eu sei como fui
repreendido por ter sumido. Mas não tinha como usar armas contra
estudantes. Eles não eram terroristas que assaltavam bancos. Eram
baderneiros”, explica Herwin.
Diploma de Uncle Sam
Ele
guarda daquela época um tributo impresso do qual se orgulha: o diploma
de segurança de dignitários, assinado pelo general Adélio Barbosa de
Lemos, então secretário da segurança pública de São Paulo. A data da
chancela lustrosa do general é evocativa dos anos de chumbo. “Ele
assinou o diploma em 14 de março de 1964, pouco antes da Revolução de
64, a qual já sabíamos que ia acontecer”. Em verdade os vocábulos
“segurança de dignitários” eram eufemismos: o diploma era a notificação
notarial de que Herwin de Barros tinha feito, com 40 homens escolhidos a
dedo, um curso ministrado em São Paulo pela CIA, a Central de
Inteligência dos EUA. “Quem deu o curso foi um septuagenário, de cabelos
brancos, norte-americano, chamado Peter Costello. Era da CIA e formado
na Escola das Américas”, explica.
“Eu havia prendido Zé Dirceu.
Comecei a ser seguido. Um dia entro no meu carro e vejo um envelope
branco no banco. Abro. E leio “se você estiver do nosso lado, queime
este envelope agora. Se não, apenas o guarde e depois se livre dele”.
Era sinal inequívoco que Herwin estava sendo observado. Mas por quem?
Bandidos ou mocinhos de então? “Até hoje eu não sei”, gargalha Herwin de
Barros. Com toda essa vida incandescente, com tantos episódios
abismais, Herwin confessa jamais ter temido a morte. “Quem não morre não
vê Deus".
A carta a José Dirceu
Herwin de Barros entregou a este blog, com exclusividade, uma carta que escreveu a José Dirceu. Confira:
Caro José Dirceu:
Eu,
refletindo nestes últimos anos, observo o nosso querido país viver
entre intestinos ranços, uma das mais delicadas situações
generalizadamente promovida por egos exacerbados emanados pelo poder
aliado à grande cupidez.
É com pesar que vejo a olhos claros tais
desmandos. Outrora eram mais sofisticados de difícil transparência,
porém com o mesmo fim, aliás de uma forma ou outra é no mundo, isto
porque: o amor ao dinheiro em primeiro plano é a raiz de todos os males.
Há
minoria proba que não se vende, respeitam valores e princípios. Por
falar em princípios, reporto-me a 1968 quando em Ibiúna foi desfeito o
congresso nacional da UNE onde então te conheci, caro José Dirceu, você
que foi um dos maiores lideres estudantis da história do Brasil.
Jovem
procurado por articular grandes passeatas, comícios relâmpago, e ações
outras não-radicais e sem armas, vocês se defrontavam em pelo com
policiais, no mano a mano.
Entre outros procurados, era você o grande líder.
Reiterando
a profícua palavra “princípio”, quando de você me recordei, tinha eu
ordens para radicalizar teu interrogatório no próprio local, longe dos
demais, pois era área de quase mata, e se assim o fizesse para tirar-te
informações preciosas, poderia você ter sofrido algum mal maior ou
definitivo....
Não atendi a esta ordem manifestamente legal,
porque não era você o roubador de banco, guerrilheiro urbano, terrorista
com bombas e atentados, que feriram e mataram muitos inocentes além de
membros da segurança interna –como foi o oficial da forca pública
Alberto Mendes Junior, morto a pauladas, Mario Kozel Filho, a bomba,
etc. Se elencarmos a proporção, dos dois lados, eles quase se equivalem.
Mas a maioria incute aos menos avisados que existe um lado só, como se fosse possível guerra sem inimigos.
Se
fosse você um destes, como eu te disse naqueles dias, você veria de
verdade quem era quem era eu, Brucutu, do saudoso Setor Contra de
Assaltos de Bancos, , hoje Deic ...uma época de confronto entre homens,
cada um cumprindo o seu mister.
Após tão histórico fato,
deparei-me com você no aeroporto de Congonhas, num corredor sombrio, só
nos dois, por volta das 22h30, naquele longínquo 1998, quando você
retornava de Brasília, 30 anos após,. Você era deputado federal.
Nos
dias de hoje, o que tenho a te dizer é que sempre há primeira vez em
tudo, e por consequência todos têm o direito à segunda vez. Digo isto
porque você é intrépido, astuto, inteligente e com perfil para ser um
grande estatista.
Mas não sei por quais águas você andou e
provavelmente pecou por erro de avaliação, ao confiar ao longo dos anos
em pessoas que, vendo o seu potencial, provavelmente o envolveram,
sabendo como fazê-lo até galgarem altos postos; e como dizia sir Winston
Churchill, o maior estatista do mundo, “o poder é o maior afrodisíaco
que existe”.
Quanto a Ação Penal 470, não conheço os autos: mas é
obvio que como advogado respeito a decisão do STF. Mas vi também muitos
cerceamentos e diminuições de colegas, por parte de ministros que
comportaram-se com o devido rigor, como o faria nosso grande mestre e
decano Paulo Sergio Leite Fernandes.
Quanto ao teu trabalho fora
da cadeia, este só é possível após dois quintos da pena, quando
passarem para o regime aberto. O semi -aberto é cumprido em instituto
penal agrícola ou industrial, retornando à tranca a noite.
Não
haveria sentido na vida se todos que erros cometessem não pudessem
purgar os mesmos e retomarem seus novos rumos, com nova vida a trilar a
trilhar caminhos outros.
Quem não tem pecados que atire a primeira pedra.
Ninguém
e tão e inteligente quanto parece e ninguém é tão burro quanto parece;
gosto muito de jargões, sejam eles os chulos, das calçadas, ou bíblicos.
Como
diziam os grande e românticos os grandes e românticos malandros de
outrora, da velha Lapa do Rio de Janeiro, “macaco é 17 mas dá com 68”...
Infelizmente
a hipocrisia reina nos dias de hoje de forma avassaladora, com os
valores invertidos, desagregação da família natural, a sociedade
decadente com a mídia televisiva a propagar tudo isso...
Não abro
mãos dos meus princípios familiares. Em sua maioria, a mídia apresenta o
que lhe convém, por motivos outros. A meu ver, no mundo Sodoma, Gomorra
e Torre de Babel já estão instaladas há muito.
Eu, como todo aquele que respeita a vida, fui execrado e até hoje o sou por nao ter executado você, José Dirceu.
Quem tem poder de a vida e morte é Deus, e a ira cabe só ao Senhor.
Encerrando, te desejo sorte. E que deus o abençõe e que a glória da segunda casa seja maior do que a da primeira.
Em terreno árido só há agua cavando: portanto seja como a corsa, caro José Dirceu.
Afetuosamente, de quem te salvou
Herwin de Barros
https://br.noticias.yahoo.com/blogs/claudio-tognolli/agente-que-se-negou-a-matar-jos%C3%A9-dirceu-lhe-envia-carta-%C3%A0-papuda-135921358.html