Segundo Defensoria, faltam itens básicos de higiene em todo o estado.
Detentas usam miolo de pão como absorvente, diz órgão; delegado nega.
Sacoleira diz que 'falta tudo' na Cadeia de Pirajuí, onde o irmão cumpre pena por tráfico (Foto: Eduardo Guidini/G1)
Sabonetes, pasta de dente, papel higiênico e xampu compõem a cesta que
todas as semanas uma sacoleira de 23 anos, moradora de Ribeirão Preto
(SP), leva para o irmão de 29 anos, preso na Penitenciária de Pirajuí
(SP) por tráfico de drogas. Segundo a jovem, os itens de higiene se
fazem necessários por causa da precariedade na unidade prisional onde o
rapaz cumpre pena. “Não há condição de um detento sobreviver na cadeia
apenas com o que recebe do governo. É praticamente nada”, resume.
O problema descrito pela sacoleira ao G1 sobre a
escassez de produtos básicos de higiene nas cadeias não é isolado. Tanto
que a Defensoria Pública de São Paulo entrou com uma ação civil pública
contra o Estado para garantir o fornecimento destes itens e de
vestuário aos presos.
Na ação civil, a Defensoria destaca a situação encontrada na Cadeia
Feminina de Colina (SP), onde as detentas chegaram a improvisar miolo de
pão para ser usado como absorvente.
A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) diz que está editando
uma resolução para "padronizar a compra e a entrega de itens básicos de
higiene nas unidades prisionais do estado".
Ajuda da família
Há dois anos, a sacoleira cumpre o ritual semanal de visitar o irmão na Penitenciária de Pirajuí, a 227 quilômetros de Ribeirão. Ela conta que o rapaz, que vivia com a família em Ribeirão Preto, começou a trabalhar aos 12 anos, mas acabou se envolvendo com o tráfico, e atualmente cumpre sua segunda pena.
Há dois anos, a sacoleira cumpre o ritual semanal de visitar o irmão na Penitenciária de Pirajuí, a 227 quilômetros de Ribeirão. Ela conta que o rapaz, que vivia com a família em Ribeirão Preto, começou a trabalhar aos 12 anos, mas acabou se envolvendo com o tráfico, e atualmente cumpre sua segunda pena.
A detenção fez com que a jovem se deparasse com a rotina de uma prisão
e, principalmente, com a precária situação dos internos. “Eu fico
espantada com os problemas dentro da unidade. O Estado não fornece
absolutamente nada. Sempre falta papel higiênico, escova de dente,
absorvente, sabonete. Enfim, falta tudo”, diz.
A despesa com os produtos de higiene enviados ao irmão entra no
orçamento da família da sacoleira. "Isso prejudica bastante o orçamento,
que já é apertado, mas eu faço com o coração. Eu estou aqui fora e
posso trabalhar para conseguir o que eu quero. Meu irmão está lá dentro e
não pode ter nem o mínimo porque o governo não dá", diz a jovem, que
chega a gastar R$ 700 por mês com os itens.
Da experiência do drama vivido pelo irmão, a sacoleira começou a ajudar
ainda uma amiga e um ex-colega de escola, presos em Pradópolis (SP) e
Avanhandava (SP). “Eu faço uma cesta com os produtos para cada um deles e
envio pelo correio. Eles recebem e me escrevem cartas agradecendo”,
conta.
Ação civil
Na ação civil movida pela Defensoria, há detalhes sobre os gastos do Estado de São Paulo com os presos nos anos de 2011 e 2012. De acordo com o documento, com a Cadeia Feminina de Colina, por exemplo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) gastou R$ 3,84 por detenta em todo o ano passado. Segundo o defensor Bruno Shimizu, nenhum absorvente íntimo foi entregue às presas em 2012.
Na ação civil movida pela Defensoria, há detalhes sobre os gastos do Estado de São Paulo com os presos nos anos de 2011 e 2012. De acordo com o documento, com a Cadeia Feminina de Colina, por exemplo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) gastou R$ 3,84 por detenta em todo o ano passado. Segundo o defensor Bruno Shimizu, nenhum absorvente íntimo foi entregue às presas em 2012.
Ainda de acordo com Shimizu, o investimento na Penitenciária de
Ribeirão Preto também é um dos mais baixos do Estado. Durante todo o ano
de 2011, segundo ele, a SAP gastou R$ 21,87 com cada presidiário, o
equivalente à compra de uma escova de dente, um sabonete e uma camiseta.
Essa realidade é conhecida de perto por uma pensionista de 44 anos, que
visita o presídio semanalmente para ver o marido, preso há 12 anos por
roubo a banco. “Já vi dez homens dividindo uma escova de dente. É
impossível imaginar o que eles passam lá dentro. Se não levarmos as
coisas eles ficam sem nada. Já houve vezes em que eu não tinha dinheiro
nenhum, nem para comprar comida para mim e para os nossos filhos, nem
para comprar remédio, mas não deixei de levar as coisas para ele”,
afirma a mulher ao G1.
'Tratam os presos como um lixo', diz advogada que conhece presídios da região de Ribeirão
(Foto: Eduardo Guidini/G1)
(Foto: Eduardo Guidini/G1)
Direitos Humanos
Para a advogada Ana Paula Vargas de Melo, que foi coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Ribeirão por oito anos e hoje defende o marido da pensionista e o irmão da sacoleira, a ação movida pela Defensoria Pública paulista é o primeiro passo para acabar com a falta de estrutura nos presídios brasileiros.
Para a advogada Ana Paula Vargas de Melo, que foi coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Ribeirão por oito anos e hoje defende o marido da pensionista e o irmão da sacoleira, a ação movida pela Defensoria Pública paulista é o primeiro passo para acabar com a falta de estrutura nos presídios brasileiros.
Ana Paula diz que teve a oportunidade de conhecer vários presídios na
região de Ribeirão e constatou as denúncias feitas pelos defensores.
“Todas as penitenciárias, cadeias, centros de detenção provisória são
péssimos. Não fornecem nenhum material devidamente. Mesmo os que são
melhores ainda não fornecem o mínimo do que uma pessoa precisa para
viver com dignidade”, avalia.
A advogada conta também que chegou a presenciar a situação descrita
pelos defensores na Cadeia Feminina de Colina. “As presas não têm
absorvente mesmo. Elas umedecem o miolo do pão, colocam no sol para
secar e depois usam como absorvente durante a menstruação. Isso é tratar
a pessoa como lixo”, critica Ana Paula. “É só ouvir a declaração do
ministro da Justiça, que disse preferir morrer a ter que viver em alguma
penitenciária do Brasil, para entender do que estamos falando”, diz a
advogada, citando frase proferida por José Eduardo Cardozo.
Trabalho remunerado
Para o advogado José Ricardo Guimarães Filho, especialista em assuntos penitenciários, o ideal seria que todas as penitenciárias oferecessem a possibilidade do preso trabalhar em troca de um salário, para que assim ele pudesse arcar com as despesas e as famílias não serem desfalcadas.
Para o advogado José Ricardo Guimarães Filho, especialista em assuntos penitenciários, o ideal seria que todas as penitenciárias oferecessem a possibilidade do preso trabalhar em troca de um salário, para que assim ele pudesse arcar com as despesas e as famílias não serem desfalcadas.
Para Guimarães Filho, entretanto, o fato de os familiares levarem os
produtos aos presos faz com que o Estado se torne mais omisso na
questão. "Criou-se um costume e a família passou a fornecer esses
materiais. Uma vez que a própria família está dando esse material, o
Estado se torna mais ausente ainda. Eles vão segurando o material nas
cadeias e não fornecem aos presos", diz.
Segundo o advogado, no Brasil poucas cadeias oferecem a opção do
condenado trabalhar em troca de um salário. "O mais comum é que aconteça
a remissão de pena, ou seja, o preso trabalha três dias e abate um dia
na pena. Até por isso muitas cadeias não dão a oportunidade de trabalho,
pois todos os presos querem trabalhar e abater a pena", avalia.
Para a sacoleira de Ribeirão Preto, a questão principal a ser discutida
não está na inocência ou na culpa do irmão, mas no tratamento que lhe é
dado na prisão. “Ele tem que pagar pelo crime que fez, mas não nessas
condições.”
Nova resolução
Procurada pelo G1, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) diz que as denúncias feitas pela Defensoria Pública de São Paulo contra a unidade de Pirajuí não procedem. A SAP diz ainda que está editando uma resolução para "padronizar a compra e a entrega de itens básicos de higiene nas unidades prisionais do estado".
Procurada pelo G1, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) diz que as denúncias feitas pela Defensoria Pública de São Paulo contra a unidade de Pirajuí não procedem. A SAP diz ainda que está editando uma resolução para "padronizar a compra e a entrega de itens básicos de higiene nas unidades prisionais do estado".
Sobre a Cadeia Pública de Colina, o delegado titular da Seccional de
Barretos, Edson João Guilhem, que responde pelo local, nega que as
presas estejam com falta de absorvente. Segundo ele, “a Cadeia Pública
assim como a Seccional possuem um estoque de absorventes que são
fornecidos às presas sempre que elas necessitam”.
Gastos com a compra de produtos básicos de higiene afetam orçamentos das famílias (Foto: Eduardo Guidini/G1)
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