segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Mulheres de ditadores: os monstros da sedução
No livro Mulheres de Ditadores, a belga Diane Ducret mostra que, por trás de um tirano, existe sempre um bando de moças embevecidas. Hitler arquivava as cartas de admiradoras, Mussolini recebia bombons, Fidel Castro colecionava conquistas de sua revolução sensual. E há os que arregimentavam suas companhias com políticas de Estado
Como não confundir todas essas belas pesoas? Haydée Santamaría, a esposa Mirta, a rica estudante de medicina Marta Feyde, Natalia Revuelta, Teresa Casuso e seu perfume de violeta, Lilia Amor e outras mais, até o dia em que ele retorna de Sierra Maestra ao lado de uma verdadeira guerrilheira, Celia Sánchez, que vai pôr ordem nessa ciranda de desejos insensatos.
No poder, Jong-il cria “grupos de prazer” que contam com 2 mil garotas recrutadas na saída do colégio e que devem obedecer a certos critérios: ter 18 anos, ser virgens e sem doenças. Três equipes são formadas: a equipe do canto e da dança, a da felicidade, encarregada de massagear os convidados, e a de satisfação, que distribui serviços sexuais.
25 de novembro: Dia da Não Violência contra a Mulher
No momento em que se celebra o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher, vivemos uma contradição. O Brasil elegeu a primeira mulher presidenta da República, Dilma Rousseff, mas mantém altos índices de violência contra a mulher. Esse fenômeno encontra explicação na nossa história e remete a soluções de curto, médio e longo prazos, do ponto de vista das políticas públicas.
País de tradição patriarcal e patrimonialista, não diferente da absoluta maioria dos países do mundo, o Brasil tem como uma das marcas de sua história a vulnerabilização de segmentos. A escravidão institucionalizada nunca libertou totalmente o povo negro do racismo. Idosos, pobres, índios, homossexuais e mulheres historicamente foram e ainda hoje são vítimas de preconceito.
Na luta de gênero, no campo pessoal, mesmo com avanços consideráveis dos últimos anos, persistem a baixa autoestima das mulheres, a submissão, a vitimização, a naturalização do trabalho doméstico como atributo especificamente feminino e a quase sempre aceitação de um status de inferioridade. Nos diversos espaços públicos (mercado de trabalho, educação, saúde, meios de comunicação social, instâncias de poder e religiões, dentre outros), as mulheres ainda são tratadas de forma discriminada e estereotipada. As violências doméstica, sexual ou de gênero ainda são legitimadas como ‘normais’ por considerável parcela da sociedade.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam a violência doméstica como principal causa de lesões em mulheres de 15 a 44 anos no mundo, sendo que 68,8% dos homicídios ocorrem dentro de casa e são praticados pelos cônjuges. O quadro, no Brasil, também é alarmante. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope, solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2006, para 55% da população a violência é um dos três principais problemas que atingem as mulheres e 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que já foi agredida pelo seu companheiro. Pesquisa da fundação Perseu Abramo, de 2001, revela que 43% das mulheres já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica e que a cada 25 segundos uma mulher é espancada no Brasil. A condição das mulheres goianas não é diferente da realidade nacional. Segundo dados de 2010 do Instituto Sangari, Goiás tem a 12ª posição nas estatísticas de violência contra a mulher.
A violência contra as mulheres, portanto, “é um drama complexo e muito mais frequente no Brasil do que se imagina”, como expressa a ministra Eleonora Menicucci.
É nesse contexto que refletimos sobre a passagem de mais um Dia da Não Violência Contra a Mulher. A data, instituída em 1999 pela ONU, é celebrada em todo o mundo no dia 25 de novembro. O dia foi escolhido para homenagear as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), assassinadas pela ditadura Trujillo na República Dominicana. Desde então, inúmeros países realizam eventos para lembrar que, diariamente, meninas, jovens e adultas são vítimas de toda sorte de violência.
Ciente desse cenário, o governo brasileiro, em parceria com Estados, municípios, Poder Judiciário, Poder Legislativo e organizações da sociedade civil, trabalha para reparar essa dívida histórica e atua para prevenir e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. Uma ação do Executivo Federal é o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, lançado em 2007 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pacto visa a reduzir os índices de violência contra as mulheres, promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero e de valorização da paz, e garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência, considerando as questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional.
Na prática, o Pacto estabeleceu investimentos para desenvolver políticas públicas amplas e articuladas, direcionadas, prioritariamente, às mulheres rurais, negras e indígenas em situação de violência, em função da dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas e em virtude de sua maior vulnerabilidade social. Os recursos têm sido investidos na implantação dos Sistemas Estaduais de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, na instalação de Centros de Referência, com atendimento jurídico e psicossocial às mulheres vítimas de violência e discriminação, e de Núcleos Especializados de Atendimento às Mulheres, além da construção de Casas de Abrigamento e realização de campanhas socioeducativas e de apoio na estruturação das novas Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAMs). O Pacto prevê ainda ações em diferentes esferas da vida social: educação, trabalho, saúde, segurança pública, assistência social, entre outras.
No âmbito da segurança pública, em Goiás, três convênios firmados pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) com a Secretaria de Políticas para as Mulheres e Promoção da Igualdade Racial de Goiás (Semira) resultaram, em outubro, na entrega de 35 veículos para a rede de enfrentamento à violência contra a mulher no Estado. Os repasses da SPM, com esses três convênios, totalizam R$ 8,4 milhões, beneficiando 28 municípios goianos. Vinte e nove viaturas foram entregues às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e aos Núcleos Especializados de Atendimento à Mulher (NEAMs). Os recursos financeiros e os veículos têm como objetivo agilizar e qualificar o atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Outro marco institucional da luta contra a violência à mulher é a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). A lei prevê que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada, aumentou a pena máxima de um para três anos de detenção e acabou com o pagamento de cestas básicas como forma de fiança. Resposta positiva do poder público contra a impunidade é a campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte”, que objetiva dar celeridade aos julgamentos dos casos e mobilizar a sociedade brasileira para o enfrentamento da violência contra as mulheres. A ação é desenvolvida em parceria por vários ministérios, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensorias. Apesar de atitudes alvissareiras como essas citadas, passados seis anos de sua vigência, posso afirmar que a Lei Maria da Penha está longe de ser solução para a violência contra a mulher. Isto porque em parte dos Estados a rede de proteção às mulheres vítimas de violência ainda é frágil. Alguns recebem os recursos, mas não os têm investido conforme pactuado.
Em algumas regiões, o sentimento é de “terra sem lei”. Caso do Entorno do Distrito Federal, onde há o total descumprimento da Lei Maria da Penha. Em outubro, em diligências da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, da qual sou membro, constatamos: não há prevenção, falta assistência ou, quando há, é precária. A mulher moradora da região que sofre violência doméstica passa por uma verdadeira via crucis para fazer a denúncia: ir à delegacia, depois ao IML para fazer o exame de corpo delito, voltar à delegacia e, posteriormente, ainda ter que acompanhar o processo no Judiciário. Atualmente, há pouquíssimas delegacias especializadas, redes de apoio e casas de abrigo. Faltam juizados preparados para o integral atendimento à mulher, que fica à mercê da própria sorte e não é respeitada como vítima. Também falta estrutura física e humana para o trabalho dos poderes constituídos. Não há polícia e faltam condições adequadas ao Poder Judiciário para dar andamento nos inquéritos. Essa incapacidade do Estado em cumprir a lei deixa a mulher que sofre violência inerte e com medo. Confia na Lei Maria da Penha, mas sente-se acuada diante da sua ineficácia.
A aprovação, no dia 21 de outubro, pela Câmara dos Deputados, com o meu voto favorável, do Projeto de Lei Complementar 114/11, que regulamenta a autonomia financeira e orçamentária das defensorias públicas dos Estados, gera boas perspectivas. As defensorias são importante instrumento de democratização do acesso gratuito à Justiça pela população desprovida de recursos. Do mesmo modo, é extremamente positiva a aprovação em primeiro turno, nessa semana, da Proposta de Emenda Constitucional 478/10, que amplia os direitos trabalhistas de domésticas, babás, cozinheiras e outros trabalhadores em residências. 90% desse universo é composto de mulheres.
Outro importante serviço é a Central de Atendimento às Mulheres (Ligue 180), da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), que já recebeu quase 3 milhões de denúncias desde a promulgação da Lei Maria da Penha. Somente este ano, foram 561.298 atendimentos entre janeiro e setembro. Desse total, 68.396 foram denúncias de violência, majoritariamente física (38.535). É importante salientar que, de acordo com a SPM, 27.638 mulheres relataram sofrê-la diariamente, e 19.723 se perceberam em risco de morte. Em 25.329 casos, os filhos presenciaram ataques à mãe. As agressões às mulheres, quando denunciadas, têm amparo legal para providências. Essas e outras medidas refletem o novo Brasil, que, juntos, estamos construindo.
Mudar esse cenário exige políticas públicas específicas e transversais em todos os setores. Há que se modificar as relações sociais, práticas, discursos e a estrutura do Estado. É preciso avançar na redução da desigualdade entre os gêneros, garantindo autonomia cultural, política e econômica à mulher e o pleno cumprimento pelo Estado/Nação das leis que protegem a cidadania. Acima de tudo, é preciso avançar na cultura da paz, da não violência, da tolerância, da convivência.
(Marina Sant’Anna, deputada federal (PT-GO), titular da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher do Congresso Nacional e coordenadora do Grupo de Trabalho de Legislação desta CPMI)
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