segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mulheres de ditadores: os monstros da sedução

Fidel Castro, o terror das mulheres, conduzia de maneira desenfreada a revolução e os amores (Foto: Hulton Archive / Getty Images)
Fidel Castro conduzia de maneira desenfreada a revolução e os amores

No livro Mulheres de Ditadores, a belga Diane Ducret mostra que, por trás de um tirano, existe sempre um bando de moças embevecidas. Hitler arquivava as cartas de admiradoras, Mussolini recebia bombons, Fidel Castro colecionava conquistas de sua revolução sensual. E há os que arregimentavam suas companhias com políticas de Estado
Adolf Hitler recebeu mais cartas do que os Beatles e Mick Jagger juntos. Não as lia, mas lhes dava valor. O Führer estava convencido, como muitos outros ditadores, de que seu poder repousava em sua sedução, e as mulheres eram um bom indicativo.

Ele mandava classificar essa frenética correspondência no Arquivo A, sob a desprezível etiqueta “Rabiscadas por mulheres”, que ficava sob o controle de altos dignatários do Reich, como Rudolf Hess. As cartas são um delírio. “Meu Führer querido, penso em você todos os dias, todas as horas, todos os minutos”, diz uma delas.
Uma senhora chamada Von Heyden anuncia o envio de um pote de mel. Em 23 de abril de 1935, Friedel S. diz: “Uma mulher de Saxe gostaria muito de ter um filho seu”. A baronesa Elsa Hagen exagera: “Eu não escrevo ao Senhor chanceler de um grande Reich, e sim ao homem que eu amo e que seguiria até o fim de sua vida”. Infelizmente, para essa baronesa, havia muita concorrência.

Outra mulher, no fim dos anos 1930, escreve: “A eterna fêmea o atraiu. Então, exulte, ó, meu coração, e se deixe abraçar pelas estrelas”.

Na Itália, Benito Mussolini era adorado. Chegavam-lhe de 30 mil a 40 mil cartas por mês. Em 13 de janeiro de 1940, R. Severina, “jovem fascista”, um pouco tímida sem dúvida, envia ao Duce uma caixa de bombons. Uma fascista mais decidida, M. Ilenia, comunica: “Eu não tive nem coragem nem tempo para me jogar sob as rodas de seu carro, nesta manhã, na Piazza Venezia”. Não conhecemos a resposta de Mussolini. Talvez ele a tenha aconselhado a “pensar mais um pouco” antes de fazer uma nova tentativa.

Esse mergulho nas estranhas correspondências dos tiranos forma a abertura grotesca e assustadora de dois volumes escritos pela historiadora belga Diane Ducret, sob o título Mulheres de Ditadores. A obra acompanha os amores de 14 deles e, ao mesmo tempo, as provas heroicas, patéticas, ternas ou atrozes suportadas pelas mulheres que amaram até o grotesco ou até o sublime esses “senhores do mundo”.

O primeiro volume é consagrado às mulheres de Vladimir Lênin (Rússia), Joseph Stálin (Rússia), António Salazar (Portugal), Jean-Bédel Bokassa (República Centro-Africana), Mao Tsé-tung (China), Nicolae Ceausescu (Romênia), Slobodan Milosevic( ex-Iugoslávia), Mussolini e Hitler. O segundo, que acaba de ser publicado, examina tiranos mais recentes: Fidel Castro, Saddam Hussein, Khomeini, Kim Jong-il e Bin Laden.

Poderíamos temer uma monotonia. Afinal, os heróis do livro são sempre os mesmos: de um lado, um “supermacho” cuja inteligência, o acaso ou a crueldade levaram ao topo do mundo, ao alcance dos deuses; e, de outro, mulheres esgotadas jogadas às feras. Na realidade, nenhuma história repete a outra: que semelhança pode haver entre um aiatolá Khomeini, que gostava de uma mulher apenas, Khadije (“comparável à flor da amendoeira”), devota e respeitosamente até sua morte, e um Fidel Castro, que devora com avidez as mulheres?

Hitler manteve-se fiel a Eva Braun, embora só tenha casado com ela (literalmente) no último momento, pouco antes da morte (Foto: Hulton Archive / Getty Images)

Hitler manteve-se fiel a Eva Braun, embora só tenha casado com ela (literalmente) no último momento, pouco antes da morte (Foto: Hulton Archive / Getty Images)


Em relação a elas, as mesmas incertezas: nenhuma relação entre, de um lado, a terrível Mirjana Markovic, que impõe a seu marido, o frágil e tímido chefe dos sérvios, Slobodan Milosevic, todas as infâmias que ele comete na Bósnia, na Sérvia ou no Kosovo; e, por outro lado, Najwa, a esposa de Bin Laden, o terrorista do 11 de setembro, que canta assim seu amor louco: “Eu amava tudo nele, desde sua aparência até a suavidade de suas maneiras e sua força de caráter”.

É verdade que, alguns anos mais tarde, Najwa tocará outra canção: “Eu tinha a impressão de estar sozinha no mundo, uma mulher de burca, esquecida de todos. Poucas pessoas na terra conheciam a existência de Najwa Ghanem Bin Laden. E, no entanto, quem poderia negar que eu tinha vivido?”.

Fidel, um veludo
O jovem Fidel Castro é maravilhoso. Na universidade, as garotas disputam esse estudante brilhante, erudito e provocador. Ele é alto e atlético, o rosto viril e a voz grave, um veludo. Uma de suas companheiras, Haydée Santamaría, presa com ele na Ilha dos Pinos, explica: “Eu não me lembro de nada. Mas, a partir daquele momento, eu nunca pensei em mais ninguém. O resto era nuvem de sangue ou de fumaça”. O ataque ao quartel de la Moncada em 1953 foi um sangrento fracasso, mas foi a partir daí que Fidel vestiu os trajes de heroi.

Ele é infatigável. Conduz de maneira desenfreada sua revolução e seus amores. Ele pode falar durante toda a noite em uma cervejaria e de manhã sair com uma mulher extasiada. Elas se sucedem em seus braços, em suas camas, como as figuras de um balé fantástico. Nesse emaranhado de mulheres, nós nos perdemos. Fidel também. Ele embaralha os fios de seu bordado. Às vezes, acaba se enganando de endereço e envia a uma os cumprimentos reservados à outra. Dramas e lágrimas. Para ser perdoado, ele propõe casamento. Aliás, de tempos em tempos, ele se casa.

A última mulher de Mao, Jiang Qing, foi a cabeça da infame Revolução Cultural chinesa

A última mulher de Mao, Jiang Qing, foi a cabeça da infame Revolução Cultural chinesa

Como não confundir todas essas belas pesoas? Haydée Santamaría, a esposa Mirta, a rica estudante de medicina Marta Feyde, Natalia Revuelta, Teresa Casuso e seu perfume de violeta, Lilia Amor e outras mais, até o dia em que ele retorna de Sierra Maestra ao lado de uma verdadeira guerrilheira, Celia Sánchez, que vai pôr ordem nessa ciranda de desejos insensatos.
A movimentação de mulheres na suíte 2406 do ex-Hotel Habana Hilton

Depois da vitória e da entrada em Havana, em 7 de janeiro de 1959, Fidel instala seu QG na suíte 2406 do Hotel Habana Hilton, que seria mais tarde rebatizado como Habana Libre. Celia é a dona. Mesmo que seu olhar mostre irritação e que ela identifique suas rivais, algumas se esgueiram como enguias. Na loja onde Teresa Casuso compra seus vestidos, as empregadas se encostam: “Deixe-me tocá-la, você está tão perto dele!”. Uma certa Juanita desejava ter um filho dele.


Ele é chamado de “o coelho”. Sua agenda é tão cheia que ele não tem nem tempo de tirar suas botas, e, diante da suíte 2406, as pessoas de sua escolta batem na porta para lhe dizer que apresse o movimento. O primeiro ano de poder é descrito como “um ano de urgência sexual”.
Os jornalistas estrangeiros falam da “revolução sensual”.
Quando quer seduzir, ele emprega os grandes meios. “Eu sou Cuba”, diz a uma jovem americana de origem alemã, Marita Lorenz. A esplêndida atriz americana Ava Gardner não poderia faltar a esse festim, mas Marita Lorenz contra-ataca. Ela agride Ava Gardner: “É você a cadela de Castro?”. Mais tarde, a CIA pensa em utilizar a bela Marita Lorenz para assassinar Fidel. Ela receberia 2 milhões de dólares. A grande noite chega. Ela olha Fidel. Não. Ela treme, e joga as pílulas de veneno no bidê. “Eu o amava.”

As orgias de Kim Jong-il na Coreia do Norte
Kim Jong-il morreu em 17 de dezembro de 2011. Ele reinava com mão de ferro, às vezes de sangue, na Coreia do Norte, esta ditadura comunista assustadora, miserável, fechada e que, há mais de meio século, vive fora do mundo. Baixinho, sem brilho, vagamente obeso, penteado de maneira absurda, seu poder não tinha limites.

E o poder enlouquece. Lá, em Pyongyang, capital da pobreza e do medo, ele desenvolveu para si mesmo e para alguns notáveis e generais uma dolce vita obscena. Tinha uma fixação: sua primeira paixão, muito jovem, foi uma dançarina com longas pernas. Depois disso, para se tornar uma presa de Kim Jong-il, basta ser bonita e dotada de um “belo par de pernas”.

Rachele Mussolini foi modelo de boa esposa e mãe da propaganda fascista na Itália, mas sobreviveu à guerra; quem pagou o pato foi a amante do Duci, Claretta, linchada junto com o ditador no fim do conflito (Foto: Three Lions / Getty Images)

Rachele Mussolini foi modelo de boa esposa e mãe da propaganda fascista na Itália, mas sobreviveu à guerra; quem pagou o pato foi a amante do Duce, Claretta, linchada junto com o ditador no fim do conflito (Foto: Three Lions / Getty Images)

 

No poder, Jong-il cria “grupos de prazer” que contam com 2 mil garotas recrutadas na saída do colégio e que devem obedecer a certos critérios: ter 18 anos, ser virgens e sem doenças. Três equipes são formadas: a equipe do canto e da dança, a da felicidade, encarregada de massagear os convidados, e a de satisfação, que distribui serviços sexuais.
São festas alucinantes. Os convidados chegam às 19h30. Bebidas são servidas. Eles devem se embriagar bem depressa. Às 22 horas, todos estão bêbados. São apresentadas comidas afrodisíacas – pênis de leão-marinho. Essas festas podiam durar uma semana.

Numa ocasião, um grupo de garotas sobe no palco: “Seus seios”, conta uma das raras testemunhas intrépida o suficiente para fazer uma narrativa, “estavam pouco cobertos pelo sutiã. Na parte de baixo, usavam um simples tecido vermelho bastante opaco. Sem calcinha, elas levantam suas pernas e repetiam gestos estranhos torcendo a cintura”.

Os executivos bêbados sobem então no palco e “tocam as partes discretas”. Jong-il levanta seu copo e pede às garotas que cantem uma canção sul-coreana célebre, Eu Sou Feio.
E então depois…

Bin Laden, o “delicado”
Assim como Fidel Castro, Osama bin Laden seduzia de acordo com sua vontade. Todos aqueles que dele se aproximavam em sua juventude dourada (sua família iemenita e saudita é riquíssima) ficam encantados. Homens, mulheres, ninguém lhe resistia. São sempre as mesmas palavras: nobreza dos traços, calma, suavidade, gentileza, silêncio.

Ele adorava a natureza, gostava de nadar, caçar, montar a cavalo. Em relação à moral, era intransigente. Um dia, com seus jovens primos, na Síria, passou perto de uma macieira carregada de frutos. Todo o grupo subiu nos galhos e se deliciou com as maçãs. Osama, com sua voz suave, lhes deu uma bronca: “Não se deve colher frutas de uma árvore que não nos pertence”.

Tais descrições parecem irreais, aplicadas a um homem que destruiu o World Trade Center em 11 de setembro de 2001, no maior ataque terrorista de todos os tempos; o ser monstruoso que assassinou em massa, aqui e ali, ao acaso, e que empilha homens e mulheres em uma mesma vala comum.

A poderosa Mirjana Markovic, foi a vozinha que dizia para "Slobo" Milosevic levar adiante a limpeza étnica na Iuguslávia
A poderosa Mirjana Markovic, foi a vozinha que dizia para "Slobo" Milosevic levar adiante a limpeza étnica na Iuguslávia


No entanto, as testemunhas são unânimes e não se pode duvidar delas. O assassino é um homem piedoso e virtuoso, de uma moralidade escrupulosa. Todos falam de sua “delicadeza”. Nós atingimos aqui um assustador paradoxo do fanatismo. Bin Laden é simplesmente generosidade, sabedoria, devoção e sacrifício de si. Para purgar o planeta de seus modos impuros, das infâmias do cristianismo, da impiedade dos ocidentais, das vergonhas da democracia, o delicado Bin Laden desencadeia o inferno. Esse coração terno é inacessível à piedade.

Ele conheceu muito jovem sua primeira esposa. Ela é bela, graciosa, alegre e até mesmo frívola. Com 17 anos, ela já está casada. Cerimônia austera. Na casa dos Bin Laden, as festas eram divertidas como as trevas. E, no dia seguinte, Najwa, que gosta tanto de colares, de maquiagens e de bugigangas, é envolvida no niqab (burca) e condenada a viver em purdah (reclusa). Ela não se lamenta: “Eu estava casada com o homem que amava”.

Mais tarde, haverá o engajamento de Bin Laden entre os voluntários que lutam no Afeganistão contra os invasores soviéticos, e depois na criação da Al-Qaeda, a matança de 11 de setembro, a caça ao proscrito. Najwa, as outras mulheres de Bin Laden e seus inúmeros filhos são condenados a uma vida à beira da morte, em condições materiais lamentáveis.

Depois do 11 de setembro, os bombardeios americanos ressoam nas montanhas onde a imensa família do terrorista se esconde. “Ó esposas”, tinha escrito Bin Laden outrora… “Vocês renunciaram aos prazeres do mundo comigo. Renunciem mais uma vez quando eu não estiver mais aqui. Não pensem em se casar, pois vocês precisarão cuidar de seus filhos, fazer sacrifícios e orar por eles.”

Tanta torpeza, derrisões, infantilidades, ultrapassam a compreensão. Como justificar e como admitir que tais homens possam despertar em determinadas mulheres esses sentimentos desumanos, esses sacrifícios e essa coragem infinita? É que o poder fascina as mulheres, como geralmente dizem? Parece simplista. Essa explicação procede de uma filosofia “machista” segundo a qual mulheres se submetem naturalmente ao poder do “macho dominante”. Eu não acredito nisso.
Então? Há outra explicação? Não. É um terrível mistério.

 

25 de novembro: Dia da Não Violência contra a Mulher

 
Presidente do CEDIM, Isis Tavares, durante lançamento da campanha em Manaus. (Foto: César Nogueira/Divulgação)
 
No momento em que se celebra o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher, vivemos uma contradição. O Brasil elegeu a primeira mulher presidenta da República, Dilma Rousseff, mas mantém altos índices de violência contra a mulher. Esse fenômeno encontra explicação na nossa história e remete a soluções de curto, médio e longo prazos, do ponto de vista das políticas públicas.
 
País de tradição patriarcal e patrimonialista, não diferente da absoluta maioria dos países do mundo, o Brasil tem como uma das marcas de sua história a vulnerabilização de segmentos. A escravidão institucionalizada nunca libertou totalmente o povo negro do racismo. Idosos, pobres, índios, homossexuais e mulheres historicamente foram e ainda hoje são vítimas de preconceito.
 
Na luta de gênero, no campo pessoal, mesmo com avanços consideráveis dos últimos anos, persistem a baixa autoestima das mulheres, a submissão, a vitimização, a naturalização do trabalho doméstico como atributo especificamente feminino e a quase sempre aceitação de um status de inferioridade. Nos diversos espaços públicos (mercado de trabalho, educação, saúde, meios de comunicação social, instâncias de poder e religiões, dentre outros), as mulheres ainda são tratadas de forma discriminada e estereotipada. As violências doméstica, sexual ou de gênero ainda são legitimadas como ‘normais’ por considerável parcela da sociedade.
 
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam a violência doméstica como principal causa de lesões em mulheres de 15 a 44 anos no mundo, sendo que 68,8% dos homicídios ocorrem dentro de casa e são praticados pelos cônjuges. O quadro, no Brasil, também é alarmante. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope, solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2006, para 55% da população a violência é um dos três principais problemas que atingem as mulheres e 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que já foi agredida pelo seu companheiro. Pesquisa da fundação Perseu Abramo, de 2001, revela que 43% das mulheres já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica e que a cada 25 segundos uma mulher é espancada no Brasil. A condição das mulheres goianas não é diferente da realidade nacional. Segundo dados de 2010 do Instituto Sangari, Goiás tem a 12ª posição nas estatísticas de violência contra a mulher.
 
A violência contra as mulheres, portanto, “é um drama complexo e muito mais frequente no Brasil do que se imagina”, como expressa a ministra Eleonora Menicucci.
 
É nesse contexto que refletimos sobre a passagem de mais um Dia da Não Violência Contra a Mulher. A data, instituída em 1999 pela ONU, é celebrada em todo o mundo no dia 25 de novembro. O dia foi escolhido para homenagear as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), assassinadas pela ditadura Trujillo na República Dominicana. Desde então, inúmeros países realizam eventos para lembrar que, diariamente, meninas, jovens e adultas são vítimas de toda sorte de violência.
 
Ciente desse cenário, o governo brasileiro, em parceria com Estados, municípios, Poder Judiciário, Poder Legislativo e organizações da sociedade civil, trabalha para reparar essa dívida histórica e atua para prevenir e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. Uma ação do Executivo Federal é o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, lançado em 2007 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pacto visa a reduzir os índices de violência contra as mulheres, promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero e de valorização da paz, e garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência, considerando as questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional.
 
Na prática, o Pacto estabeleceu investimentos para desenvolver políticas públicas amplas e articuladas, direcionadas, prioritariamente, às mulheres rurais, negras e indígenas em situação de violência, em função da dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas e em virtude de sua maior vulnerabilidade social. Os recursos têm sido investidos na implantação dos Sistemas Estaduais de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, na instalação de Centros de Referência, com atendimento jurídico e psicossocial às mulheres vítimas de violência e discriminação, e de Núcleos Especializados de Atendimento às Mulheres, além da construção de Casas de Abrigamento e realização de campanhas socioeducativas e de apoio na estruturação das novas Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAMs). O Pacto prevê ainda ações em diferentes esferas da vida social: educação, trabalho, saúde, segurança pública, assistência social, entre outras.
 
No âmbito da segurança pública, em Goiás, três convênios firmados pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) com a Secretaria de Políticas para as Mulheres e Promoção da Igualdade Racial de Goiás (Semira) resultaram, em outubro, na entrega de 35 veículos para a rede de enfrentamento à violência contra a mulher no Estado. Os repasses da SPM, com esses três convênios, totalizam R$ 8,4 milhões, beneficiando 28 municípios goianos. Vinte e nove viaturas foram entregues às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e aos Núcleos Especializados de Atendimento à Mulher (NEAMs). Os recursos financeiros e os veículos têm como objetivo agilizar e qualificar o atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
 
Outro marco institucional da luta contra a violência à mulher é a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). A lei prevê que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada, aumentou a pena máxima de um para três anos de detenção e acabou com o pagamento de cestas básicas como forma de fiança. Resposta positiva do poder público contra a impunidade é a campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte”, que objetiva dar celeridade aos julgamentos dos casos e mobilizar a sociedade brasileira para o enfrentamento da violência contra as mulheres. A ação é desenvolvida em parceria por vários ministérios, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensorias. Apesar de atitudes alvissareiras como essas citadas, passados seis anos de sua vigência, posso afirmar que a Lei Maria da Penha está longe de ser solução para a violência contra a mulher. Isto porque em parte dos Estados a rede de proteção às mulheres vítimas de violência ainda é frágil. Alguns recebem os recursos, mas não os têm investido conforme pactuado.
 
Em algumas regiões, o sentimento é de “terra sem lei”. Caso do Entorno do Distrito Federal, onde há o total descumprimento da Lei Maria da Penha. Em outubro, em diligências da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, da qual sou membro, constatamos: não há prevenção, falta assistência ou, quando há, é precária. A mulher moradora da região que sofre violência doméstica passa por uma verdadeira via crucis para fazer a denúncia: ir à delegacia, depois ao IML para fazer o exame de corpo delito, voltar à delegacia e, posteriormente, ainda ter que acompanhar o processo no Judiciário. Atualmente, há pouquíssimas delegacias especializadas, redes de apoio e casas de abrigo. Faltam juizados preparados para o integral atendimento à mulher, que fica à mercê da própria sorte e não é respeitada como vítima. Também falta estrutura física e humana para o trabalho dos poderes constituídos. Não há polícia e faltam condições adequadas ao Poder Judiciário para dar andamento nos inquéritos. Essa incapacidade do Estado em cumprir a lei deixa a mulher que sofre violência inerte e com medo. Confia na Lei Maria da Penha, mas sente-se acuada diante da sua ineficácia.
 
A aprovação, no dia 21 de outubro, pela Câmara dos Deputados, com o meu voto favorável, do Projeto de Lei Complementar 114/11, que regulamenta a autonomia financeira e orçamentária das defensorias públicas dos Estados, gera boas perspectivas. As defensorias são importante instrumento de democratização do acesso gratuito à Justiça pela população desprovida de recursos. Do mesmo modo, é extremamente positiva a aprovação em primeiro turno, nessa semana, da Proposta de Emenda Constitucional 478/10, que amplia os direitos trabalhistas de domésticas, babás, cozinheiras e outros trabalhadores em residências. 90% desse universo é composto de mulheres.
Outro importante serviço é a Central de Atendimento às Mulheres (Ligue 180), da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), que já recebeu quase 3 milhões de denúncias desde a promulgação da Lei Maria da Penha. Somente este ano, foram 561.298 atendimentos entre janeiro e setembro. Desse total, 68.396 foram denúncias de violência, majoritariamente física (38.535). É importante salientar que, de acordo com a SPM, 27.638 mulheres relataram sofrê-la diariamente, e 19.723 se perceberam em risco de morte. Em 25.329 casos, os filhos presenciaram ataques à mãe. As agressões às mulheres, quando denunciadas, têm amparo legal para providências. Essas e outras medidas refletem o novo Brasil, que, juntos, estamos construindo.
 
Mudar esse cenário exige políticas públicas específicas e transversais em todos os setores. Há que se modificar as relações sociais, práticas, discursos e a estrutura do Estado. É preciso avançar na redução da desigualdade entre os gêneros, garantindo autonomia cultural, política e econômica à mulher e o pleno cumprimento pelo Estado/Nação das leis que protegem a cidadania. Acima de tudo, é preciso avançar na cultura da paz, da não violência, da tolerância, da convivência.

(Marina Sant’Anna, deputada federal (PT-GO), titular da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher do Congresso Nacional e coordenadora do Grupo de Trabalho de Legislação desta CPMI)