Há alguns dias se ventila no noticiário a
informação de que o relator do orçamento, um deputado do Partido
Progressista (PP) do Paraná, quer cortar em R$ 10 bilhões a verba do
Bolsa Família para o ano que vem. Se vingar – o que ainda depende de um
longo trajeto para acontecer – significará cortar em um terço o
orçamento total do programa, de R$ 28,5 bilhões.
10 bilhões
do Bolsa Família, 6 milhões de conta na Suíça, 1 milhão de desvio. No
noticiário os “bi” se juntam aos “mi” e aos centenas de milhares de
reais, de forma que nós, simples viventes, achamos tudo muito.
Ora, os R$ 10 bilhões a menos do Bolsa Família vão melhorar as contas
públicas? Se pensarmos que o Governo vem pagando este ano R$ 1 bilhão ao
dia de juros, estamos falando aqui de sacrificar um programa social que
atinge 50 milhões de brasileiros em troca de pouco mais de uma semana
do que se paga aos bancos e instituições financeiras.
Em outras palavras: manter a assistência a 50 milhões de pessoas durante um ano ou pagar 10 dias de juros?
A
pergunta não é tanto um programa político, apenas um contraste para que
pensemos um pouco – para que nos dê algum tipo de régua para podermos
dimensionar a dinheirama que salta do noticiário da TV. Para quem vive
de salário, que está batalhando a conta do mês, é difícil, de fato,
imaginar cifras econômicas que vão na casa dos quatro dígitos e além.
Mas é preciso ficar atento: nem tudo o que reluz é (tão) ouro assim.
Não
é dito diretamente, mas por trás da proposta de cortar o Bolsa Família
está uma outra ideia, que resiste ao tempo e encontra eco em certo
segmento (possivelmente minoritário) da opinião pública, de que o
programa social é para sustentar “vagabundo”. É uma generalização que
não se sustenta nos fatos.
Em 2008 participei, como assessor de
imprensa, da análise e divulgação dos dados de uma pesquisa nacional que
ouviu 5 mil titulares do cartão Bolsa Família, a maioria (93%)
mulheres. Feita pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase), 87% dos beneficiários entrevistados afirmaram que
gastavam o dinheiro principalmente para comprar comida. A quase
totalidade (99,5%) afirmou que não deixara de trabalhar (muitos no
mercado informal) por conta do Bolsa Família. Três em cada quatro
beneficiários encaravam a ajuda como temporária. De modo geral, o que o
programa vinha fazendo era melhorar a alimentação das pessoas, com mais
consumo de açucares, cereais, arroz e feijão. E ninguém tinha deixado de
brigar por uma vida melhor.
Ou seja: pesquisas já mostraram que o
Bolsa Família não afasta ninguém do trabalho, mas suplementa a renda de
forma a melhorar principalmente a alimentação. Não é um programa
revolucionário, pelo contrário, foi concebido, suas premissas, pelo
Banco Mundial, tendo atravessado, em seus fundamentos, administrações
tucanas e petistas. É antes de tudo um programa de mitigação da pobreza,
nada mais, nada menos.
Cortar isto em nome de um suposto
equilíbrio de contas públicas, não faz parte da lógica econômica, mas
está no campo da crueldade. Digo suposto equilíbrio das contas públicas
pois do ponto de vista fiscal – ou seja da relação entre a dívida
pública e o PIB (tudo aquilo que o país produz) – a situação atual do
Brasil não é dramática. Não reside aí o nó, de forma a que, daqui para
frente, em nome do “equilíbrio” toda e qualquer iniciativa para se
cortar direitos sociais venha a ser bradada ao vento como solução ideal.
O telespectador precisa ficar atento aos jogos de interesse: ao que é
fogo e o que é fumaça.
Ainda sobre o Bolsa Família, me lembro,
alguns anos atrás, de fazer um trabalho de comunicação em uma pequena
cidade no interior de Minas Gerais, divisa com a Bahia. O trabalho era
sobre transparência de informações públicas. Falei com a população local
nos postos de saúde, nas escolas. E também com o prefeito. Conversa
vai, conversa vem, o prefeito diz, à boca miúda (pois se falasse em
público talvez não se elegesse) que “esse Bolsa Família era um
problema”. Eu perguntei por que.
O prefeito se ajeitou na cadeira e
respondeu: antes por qualquer 100 reais você encontrava quem capinasse o
terreno, hoje, por causa do Bolsa Família, ninguém mais aceita esse
valor, ninguém quer trabalhar. Pensei na hora: será que o prefeito
aceitaria passar quatro dias capinando o terreno para ganhar 100 reais?
Naquela cidade o efeito do Bolsa Família não parecia ser sobre a
vadiagem, mas sobre a remuneração do trabalho, agora (ou naquela época)
reajustada para cima. Havia algo de crueldade na fala do prefeito que
pensava com a cabeça do fazendeiro, e não apenas razão econômica.
Por
trás do debate do Bolsa Família há todo um Brasil que, em crise, vai
empurrando o pêndulo social ora para um lado ora para o outro. Para onde
apontará? Quem vai pagar pelo ajuste?
https://br.noticias.yahoo.com/blogs/rogerio-jordao/cortar-verba-do-bolsa-fam%C3%ADlia-n%C3%A3o-%C3%A9-economia-%C3%A9-174128555.html