Dos reservatórios prometidos em abril, só 59 mil foram entregues no prazo
ONGs levantam dúvidas sobre a durabilidade de cisternas de polietileno, que
são mais caras que as feitas de cimento
(AGUIRRE TALENTO) ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DO CEARÁ
O governo Dilma Rousseff não cumpriu nem metade da meta de entregar 130 mil
cisternas até julho aos atingidos pela seca no Nordeste.
Dos reservatórios de água prometidos pela presidente no dia 2 de abril, em
evento com sete governadores em Fortaleza (Ceará), 59 mil foram entregues no
prazo.
A ideia de acelerar a entrega de cisternas até meados do ano tem um motivo
climático. É nesse período que se encerra a época de chuvas --ainda que
escassas-- na região do semiárido.
Os moradores que receberam as cisternas no prazo e tiveram a sorte de contar
com alguma chuva conseguiram armazenar essa água para enfrentar mais um período
de meses de estiagem.
CARROS-PIPA
Fora do período de chuvas, o sertanejo depende apenas dos carros-pipa para
abastecer seus reservatórios.
Uma opção são os veículos contratados pelo Exército, nem sempre com equipes e
água suficientes.
Outra é pagar pelo abastecimento a carros-pipa de particulares (cerca de R$
100 para encher o reservatório) ou de veículos da prefeitura, que muitas vezes
abastecem apenas as cisternas de seus aliados políticos no município.
Considerada a pior dos últimos 50 anos, a seca já deixou cerca de 1.500
municípios do Nordeste e Minas Gerais em estado de emergência, afetando dez
milhões de pessoas. Também arrasou a agropecuária, com perdas de cultivos e de
animais.
METAS
O Ministério da Integração Nacional coordena o programa. As cisternas são
compradas e levadas aos municípios, onde empresas locais cuidam da instalação.
Além da meta de 130 mil até julho, Dilma falava em 240 mil até dezembro e um
total de 750 mil até o final do de 2014, ano eleitoral.
De abril até agora, segundo o governo federal, 125 mil reservatórios foram
entregues e o governo federal gastou R$ 437 milhões na aquisição das cisternas.
Em municípios do interior do Ceará, como Acopiara (a 355 km de Fortaleza) e
Canindé (a 118 km da capital), as cisternas de polietileno já se integraram à
paisagem local: elas se acumulam em depósitos a céu aberto à espera de
instalação.
Moradores da região se cadastraram desde o início do ano para recebê-las. Sem
os reservatórios, eles não podem nem armazenar água dos carros-pipa. A única
alternativa é, diariamente, encher baldes nos poucos açudes que ainda não
secaram.
AÇUDES
É o que faz a dona de casa Maria Luciana da Silva, 30, da zona rural de
Acopiara. Ela leva uma hora na caminhada para buscar água.
"Não vem aqui o carro-pipa", diz a moradora, que reclama por ainda não ter
recebido os reservatórios --que já chegaram a algumas das casas vizinhas.
Mas quem já recebeu as cisternas também enfrenta problemas. A Folha
encontrou residências com equipamentos entregues há meses, mas que ainda não
foram instalados.
A agricultora Silvana de Araújo, 38, de Acopiara, afirma que o reservatório
foi deixado em seu quintal há quatro meses, sob a promessa de uma instalação
rápida.
Até agora está parado. Ela, o marido e os cinco filhos bebem a água de açude.
Em Canindé, o aposentado Mozar Cruz, 65, recebeu só no início deste mês a sua
cisterna. Mas ele diz ter pago um carro-pipa particular para enchê-la porque a
água dos carros do Exército é pouca. "Não dá pra todo mundo", diz.
LENTIDÃO
A promessa das cisternas faz parte de um pacote de medidas contra a seca
anunciadas em abril pela presidente.
O governo resolveu priorizar as cisternas de polietileno sob o argumento da
rapidez na instalação, em vez de reservatórios com placas de cimento, que
continuam a ser feitos em menor escala.
Isso apesar de serem mais caras --custam R$ 5.000 a unidade, enquanto as de
placa saem por cerca de R$ 2.200.
As organizações não governamentais que participavam da produção das cisternas
de placa, porém, passaram a levantar dúvidas sobre a durabilidade do novo tipo.
O governo federal argumenta que o polietileno é resistente ao calor e que o
reservatório tem vida útil média de 35 anos.
A lentidão não afeta somente a instalação das cisternas: em junho, reportagem
da Folha mostrou que as ações estão demorando a chegar a moradores
afetados. Houve atraso, por exemplo, na entrega de milho subsidiado e na
liberação de verbas para perfuração de poços.