Batalha nos tribunais superiores decidirá destino da operação que assusta Brasília e coloca o poder em xeque
Em uma ação jurídica articulada, os advogados que defendem os acusados pelos desvios na Petrobras vão tentar anular a Operação Lava Jato nos
tribunais superiores questionando pontos que consideram frágeis na
investigação. No foco central está uma decisão do procurador Manoel
Peçanha, que defendeu, em parecer, a prisão preventiva do empreiteiro
Ricardo Pessoa, dono da UCT e apontado como o número 1 do cartel que
dominou os contratos bilionários com a Petrobras, como estratégia para
forçar novos acordos de delação premiada.
Em investigações anteriores, cumprido o prazo da
prisão temporária, corruptos e corruptores de colarinho branco eram
colocados na rua, jogando a possibilidade de prisão para o final do
processo, o que tornava a medida improvável em decorrência da prescrição
facilitada pela lentidão da Justiça.
"Coação. Essa será a palavra
de ordem da defesa, um forte argumento jurídico e a grande polêmica que
decidirá o destino da operação", avalia o ex-juiz e jurista Luiz Flávio
Gomes. Ele prevê uma batalha sem precedente nas duas últimas instâncias
do judiciário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal
Federal (STF).
A
disputa, segundo ele, decidirá se a Lava Jato será mesmo um divisor de
águas na política e no combate à corrupção ou se cairá – como as últimas
duas grandes ofensivas contra os desvios de dinheiro público, a
Satiagraha e a Castelo de Areia, que ruíram por erros na investigação. A
primeira foi anulada pelo uso indevido da Abin para prender o banqueiro
Daniel Dantas e a segunda por amparar os grampos contra empreiteiros em
denúncias anônimas.
No parecer em que defende a
prisão de Pessoa, Peçanha escreve com todas as letras que a preventiva,
remédio amargo e excepcional – que pode se estender por tempo
indeterminado enquanto as investigações estiverem em andamento – se
justifica não apenas para garantir a instrução do processo, “mas também
na possibilidade de a segregação influenciá-lo na vontade de colaborar
na apuração de responsabilidades, o que tem se mostrado bastante fértil
nos últimos tempos”.
Não há sinais de que Pessoa esteja disposto a se render ao
assédio. Ao contrário, tem demonstrado que sabe bem mais do que se disse
até agora sobre a Petrobras e, como suposto coordenador do cartel, tem
os detalhes que podem ligar o esquema de propina aos partidos e
autoridades. O empreiteiro baiano é uma das apostas de revelação da
oposição na provável CPI que deve ser ressuscitada em fevereiro. O longo
tempo na cadeia pode tornar o depoimento explosivo.
Polêmico, o
argumento de força-lo a abrir o jogo com a manutenção da prisão
preventiva não é comum nos embates jurídicos e, por essa razão, será
usado pela defesa para acusar o Ministério Público Federal de coação. “É
um absurdo que se aproxima da tortura psicológica. Prender para fazer
falar é ilegal”, afirma o advogado Alberto Zacharias Toron, que defende
Ricardo Pessoa. Segundo ele, as demais alegações utilizadas para
converter a prisão temporária em preventiva não se sustentam porque seu
cliente não pressionou autoridades, tem endereço fixo, não deixaria de
atender a Justiça e nem fugiria do país.
Para o juiz Luiz Flávio
Gomes, a prisão de Pessoa e de outros dez executivos se estendeu além do
usual em casos do gênero. “Fora a coação, não há argumento jurídico
para mantê-los presos. Existem alternativas, como arbitrar uma fiança
alta ou a prisão domiciliar. Creio que o juiz (Sérgio Moro) age dentro
de um risco calculado, testando os limites do sistema”, observa.
A
defesa dos empreiteiros é formada pelos advogados mais requisitados do
Brasil para casos envolvendo corrupção e política. Com a morte do
ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, a coordenação foi assumida
pelo também ex-ministro (da Justiça e do STF) Nelson Jobim, que defende
os executivos da OAS, mas tem também os ouvidos voltados para a
repercussão do caso na política. Na avaliação de especialistas, a Lava
Jato tem potencial para abalar o sistema, o que explicaria a organização
do mutirão jurídico para tentar matá-la no judiciário.
Independente
do fim do recesso e da possibilidade de instalação de uma nova CPI
sobre os desvios na Petrobras, a batalha jurídica antecederá os
possíveis reflexos na política. Governo e partidos torcem por uma virada
de jogo nos tribunais favorecendo a defesa: uma eventual anulação da
operação pouparia a deflagração de uma crise de consequências
imprevisíveis.
A estratégia dos advogados é identificar os pontos
frágeis da investigação da Lava Jato para leva-los aos tribunais
superiores. Os advogados farão um pente fino nas decisões do juiz
Sérgio Moro. Uma das estratégias é demonstrar que elas extrapolaram a
jurisdição do Paraná, o que, se emplacada, poderia estabelecer um
conflito de competência. Outro questionamento será feito em torno do
fatiamento das investigações, que separou suspeitos comuns e políticos
com foro privilegiado, para evitar que o caso saísse do Paraná.
Uma
terceira estratégia da defesa é uma suspeita que pode dar o combustível
mais inflamável para a batalha: os advogados acham que num sistema
jurídico em que a lei determina que polícia, procurador e juiz exerçam
papéis distintos, Sérgio Moro coordenou, na prática, uma espécie de
juizado de instrução, comum em sistemas como os da Itália e da França,
mas sem precedência no Brasil – o que tornaria questionável o
comportamento do juiz.
Toron reconhece que Moro, um dos maiores
especialistas em combate a corrupção, é sério e inteligente, mas afirma
que ele conduziu como bem entendeu todas as etapas da investigação,
conectando ações da polícia e do MP às suas decisões num suposto acordo
informal.
“O procedimento dele foge da moldura do juiz imparcial”,
cutuca Toron. Segundo o advogado, Moro agiu com rispidez para evitar
que políticos fossem citados em depoimentos fora das delações mantidas
em sigilo – o que levaria a operação toda para o STF –, tem adotado
procedimentos parciais, ignorando os argumentos da defesa e tornando a
disputa um jogo de cartas marcadas. “É um déspota esclarecido”, acusa o
advogado do dono da UTC, reclamando que as instâncias superiores da
justiça, que respaldaram a operação, têm feito ouvidos de mercador aos
argumentos da defesa.
‘ESQUEMA CRIMINOSO ESTÁ CERCADO’
“O
STF e o STJ estão pasmos com o volume desviado”, diz o presidente da
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos
Leôncio Ribeiro. O esquema operado na Petrobras é responsável pelo
desvio de R$ 10 bilhões, montante que levou o ministro Gilmar Mendes –
numa declaração incorporada no parecer de Peçanha como argumento para
negar um habeas corpus pela libertação de Ricardo Pessoa – a afirmar que
diante da Lava Jato, o mensalão deveria ser tratado pelo juizado de
pequenas causas.
Ribeiro afirma que a defesa está atarantada
também porque as instituições de combate aos crimes econômicos e
financeiros amadureceram. “Nós aprendemos com as outras operações e
agora tem um juiz que conhece profundamente como funciona a corrupção.
Sergio Moro dá segurança à operação”, afirma o delegado.
O
representante dos federais diz que a defesa tem tentado adotar a mesma
estratégia aplicada para matar a Castelo de Areia, operação que envolvia
empreiteiras que aparecem agora também, mas não tem conseguido porque a
força tarefa da Lava Jato age com cautela e técnica para robustecer as
provas. “É um jogo que não tem mais surpresas. A gente aprendeu. Não
somos ingênuos e a população está acompanhando”, afirma.
Na mesma
linha, o procurador Alexandre Camanho de Assis, presidente da Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR) sustenta que as provas
indicam que não há chances de anulação. Lembra que todos os atos foram
autorizados pelo judiciário dentro da legalidade. “As alegações da
defesa fazem parte do jogo. São artifícios estratégicos. As provas são
robustas e a investigação está impecável. O esquema criminoso está
cercado”, diz ele.
Entre os especialistas, o dado novo, com o qual
defesa e acusados não contavam e nem estavam preparados para enfrentar,
é o efeito devastador da delação premiada no caso Petrobras e sua
perspectiva para um ajuste de contas com a corrupção sistêmica no
aparelho estatal.
“A delação é o paradigma de uma nova cultura
jurídica. Substituirá um sistema de conflito pelo de consenso, de
negociação entre advocacia e a justiça. A decisão de Paulo Roberto Costa
deve se tornar viral e, assim, pode ajudar o estado a recuperar os
recursos públicos desviados”, avalia Luiz Flávio Gomes.
Estimativas
modestas, segundo ele, apontam que anualmente escorre pelos ralos da
corrupção o equivalente a 1,5% do PIB brasileiro, uma montanha de
recursos ilícitos que tanto alimenta a corrupção no varejo da política
quanto o fragilizado modelo republicano brasileiro.
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-01-12/defesa-arma-estrategia-juridica-para-tentar-anular-operacao-lava-jato.html