Paulo Abi-Ackel herdou o sobrenome e a vida pública do pai, Ibrahim Abi-Ackel, ministro durante a ditadura, e é um dos principais interlocutores de Congresso de Aécio Neves, senador tucano investigado pela Lava Jato; é dele o parecer favorável ao presidente, que deve ser analisado pelo plenário nesta semana.
Falar sobre Paulo Abi-Ackel é falar sobre suas relações. Quando discute-se a trajetória do deputado, autor do parecer que pode salvar o mandato do presidente Michel Temer, dois nomes sempre aparecem: Ibrahim Abi-Ackel, seu pai, e Aécio Neves (PSDB-MG), colega de partido. Do primeiro, ministro durante a ditadura, herdou o sobrenome e a vida pública; do último, senador investigado pela operação Lava Jato, é um dos principais interlocutores no Congresso.
Ambos são peças importantes para entender a história do parlamentar,
escolhido em meados de julho como relator da denúncia da
Procuradoria-Geral da República contra o presidente após o parecer
anterior, de Sergio Zveiter (PMDB-RJ), ser rejeitado pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) - seu relatório, pedindo o arquivamento do
processo, foi aprovado em votação-relâmpago logo em seguida.
O homem que pode poupar Temer de ser julgado pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), caso seu parecer passe pelo plenário nesta semana, faz
parte de um grupo tradicional de políticos mineiros, do qual também vem
Aécio. Mas diferentemente do conterrâneo, Paulo não é lembrado apenas
pelo primeiro nome.
Abi-Ackel elegeu-se para a Câmara pela primeira vez em 2006, aos 43
anos. Antes de ser parlamentar, advogou por duas décadas no escritório
fundado pelo pai e foi juiz substituto no Tribunal Regional Eleitoral de
Minas.
Apesar da chegada tardia a Brasília, sua ligação com a política começou
na adolescência, quando fez parte da Juventude do PDS, partido de
sustentação do governo militar. Na época, seu pai era ministro da
Justiça do presidente João Figueiredo, que o hoje deputado chegou a
conhecer pessoalmente.
Segundo a biografia disponível em seu site, o parlamentar e outros
filhos de políticos foram recebidos por Figueiredo para pedir a
realização das Eleições Diretas, em 1985. Um dos participantes do
encontro, Murilo Prado Badaró, filho do então ministro da Indústria e
Comércio, ofereceu à BBC Brasil uma versão um pouco diferente sobre o
que aconteceu na reunião.
"Nós fomos chamados porque estávamos numa linha renovadora demais para o
momento. A Juventude do PDS falava em eleição direta, e o partido
lutava contra isso. O Palácio do Planalto nos chamou lá e falou que a
gente tinha que maneirar."
Ele diz que o aviso não fez o grupo parar com a militância.
Amigo do deputado desde os 15 anos, por causa da proximidade das
famílias, Badaró conta que sempre conversavam sobre quando entrariam na
política, seguindo o exemplo dos pais.
"Nós tivemos uma formação política e familiar dos políticos
tradicionais de Minas Gerais, muito baseada no espírito público, na
ética, diferentemente da classe que tomou conta de Brasília."
Badaró tornou-se economista e Abi-Ackel demorou a ingressar na vida
pública, concorrendo a uma vaga quando o pai já deixava a Câmara, após
sete mandatos. Para o amigo, a sucessão seguiu um "processo natural" e
não foi pensada para que o filho arrecadasse os votos.
"O pai era o protagonista da história, sempre foi, e no momento certo ele (Paulo) entrou e teve mais votos do que Ibrahim."
Laços de família
As comparações entre pai e filho são constantes quando se fala dos Abi-Ackel.
Com longo e prestigiado currículo - ex-ministro, ex-deputado, exímio
orador, advogado brilhante, Ibrahim é citado como referência no direito e
na política. As diferenças entre os dois são mencionadas em tom mais ou
menos elogioso, a depender de quem fala. O consenso é que "Paulinho',
como muitos o chamam em BH, não teria a mesma grandeza do antecessor.
"Ibrahim é um dos maiores oradores da história desse país. É um cara
inteligentíssimo, cultíssimo. Até brinco com o Paulo que ele não tem
essa verve toda do pai, mas Paulinho é um cara muito preparado", diz
Badaró.
Entre a esquerda mineira, os comentários são mais ácidos. Um deputado
estadual do PT diz que o parlamentar é uma "figura apagadíssima".
"Se quiser saber dele, só perguntando pelo pai. É totalmente
inexpressivo, foi uma surpresa (a escolha dele como relator). Como
advogado não é brilhante, não teve grande carteira", afirma.
"Só não teve dificuldade de se eleger porque Aécio investiu muito nele, foi um candidato priorizado."
Quanto à atuação de Abi-Ackel no escritório de direito penal e
eleitoral em que foi sócio do pai, advogados e professores de direito de
Belo Horizonte ouvidos pela BBC Brasil dizem que a banca é respeitada
na cidade, mas não lembraram de um caso de repercussão na carreira de
Paulo.
"O escritório é bem-sucedido na área de advocacia de massa. Lida com
empresas de cartão de crédito, telefonia, aviação. Paulo é considerado
um sujeito bem preparado, mas não tem o famoso brilhantismo do pai", diz
um conhecido advogado criminal da capital mineira.
Juiz não praticante
Por ser advogado, Paulo Abi-Ackel pôde ser indicado como juiz do
Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais pela Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB). Ele ocupou o posto de magistrado substituto por pouco mais
de um ano, de 2004 a 2005, período em que deveria substituir dois
advogados nomeados como juízes titulares.
A passagem pela corte é motivo de destaque em seu currículo. Mas,
segundo apurou a BBC Brasil em consulta ao TRE, não há registros de que
Abi-Ackel tenha relatado processos nem participado de sessões de
julgamento. Ele também não é lembrado por funcionários antigos do
tribunal.
Uma das hipóteses que explicariam a ausência é a de que nenhum dos
titulares tenha faltado nesse período e que, por isso, não tenha sido
necessária a presença do substituto - a reportagem não conseguiu falar
com os juízes.
Procurado, o parlamentar disse que não daria entrevistas antes da
votação do relatório no plenário da Câmara. Pessoas próximas afirmam que
Abi-Ackel participou de "várias" sessões do TRE e tem como provar, mas
não deram exemplos de processos que ele ajudou a julgar.
Interlocutor de Aécio
Abi-Ackel deixou o tribunal no mesmo dia em que se filiou ao PSDB: 18
de outubro de 2005. Ele precisava ter um ano de filiação para poder
concorrer às eleições do ano seguinte, segundo as regras da época.
Antes, era filiado ao PTB, onde ficou durante cinco anos.
Entre os tucanos, é tido como um dos principais interlocutores de Aécio Neves, informação que consta até no site do PSDB.
O relacionamento entre os herdeiros políticos começou nas visitas de
Tancredo Neves, avô de Aécio, à família Abi-Ackel e se fortaleceu ao
longo dos anos. Para a esquerda mineira, a ajuda do senador foi
essencial para que Paulo vencesse as eleições de 2014, quando teve sua
pior votação: 104 mil votos, a 32º posição no Estado.
O deputado Luiz Fernando Faria (PP-MG), próximo do congressista, diz
que o colega "vem de uma família competente, e é um jurista renomado".
"É uma referência quando se fala em qualquer matéria de Constituição e
Justiça. Politicamente tem sido motivo de orgulho para bancada de Minas
Gerais. É um dos mais respeitados no PSDB."
Abi-Ackel é considerado peça-chave na articulação interna do PSDB de
Minas Gerais e assumiu alguns postos dentro do partido, como presidente
estadual e líder da Minoria parlamentar. Mesmo assim, é visto por grupos
da oposição como um fiel servo do senador que não ocupou cargos de
projeção nem propôs projetos relevantes.
"Tem alguma importância no PSDB de Minas, mas nunca foi líder do
partido, presidente das principais comissões ou esteve em algum posto de
destaque nacional. Não diria que é o braço direito (de Aécio). Pode ser
a perna direita ou esquerda", disse um deputado do PSB, sigla que foi
para a oposição ao governo Michel Temer em maio.
"Não me lembro, nos três mandatos do Paulo, de ele relatar algum projeto que tenha sido proeminente."
Entre os projetos de lei de autoria de Paulo Abi-Ackel há um que impõe
novos limites de indenização a vítimas de acidentes aéreos e a seus
familiares; outro que permite a estudantes de Direito se inscreverem na
OAB como estagiários a partir do quinto período do curso; e um terceiro
que cria a possibilidade de intimações processuais por email. Nenhuma de
suas propostas virou lei.
Em rankings de desempenho, a ausência de projetos aprovados pesa
negativamente para o mineiro. Na lista da plataforma Atlas Político, ele
fica em 404º lugar na Câmara entre 498 nomes analisados.
Escolha e voto
Mais do que definir a posição de Abi-Ackel no Congresso, a relação com
Aécio é, para alguns deputados, o que explica a escolha do tucano como
relator pelo presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PDMB-MG).
Um das teses repetidas pela oposição e por alas oposicionistas do PSDB é
a de que ele teria sido nomeado relator da denúncia contra Temer para
pagar uma dívida de Aécio com o PMDB: o arquivamento, em junho, de um
pedido de cassação de mandato contra o senador, então afastado de suas
funções pelo Supremo.
Mesmo com um pedido de prisão da Procuradoria-Geral da República contra
Aécio à época por causa da delação da JBS, o presidente do Conselho de
Ética do Senado, João Alberto Souza, do PMDB do Maranhão, afirmou que
não haveria elementos "convincentes para que se abrisse um processo" de
quebra de decoro contra o tucano.
Para Abi-Ackel, pagar o favor do senador também seria bom negócio,
argumentam alguns parlamentares, já que ganharia uma posição de destaque
que nunca teve antes, mesmo votando a favor de um presidente tão
impopular.
Procurada, a assessoria de imprensa de Aécio disse que ele não foi
informado de que o colega Abi-Ackel seria designado como relator.
À
BBC Brasil
, Pacheco disse que, após a derrota do relatório de Zveiter, o
regimento da Casa determinava a indicação de um novo relator entre
aqueles que votaram contra o parecer anterior, ou seja, contra a
continuidade da denúncia.
"Dentre os 40 que votaram contra o parecer do deputado Sergio Zveiter,
escolhi Paulo Abi-Ackel, do PSDB de Minas Gerais, que é um advogado que
conheço e sei da competência. E podia ser qualquer um dos outros que
fizeram votos em separado, sem problema nenhum."
Pacheco nega que sua postura tenha intenções políticas: "não foi para agradar ala A, ala B, Planalto ou coisa que o valha".
Apesar do silêncio de Abi-Ackel, seus interlocutores apontam a
fragilidade das provas da Procuradoria como principal motivação para que
redigisse um voto em separado, contrário à admissibilidade da denúncia,
e depois aceitasse a relatoria.
No documento, ele diz que as acusações contra Temer são resultado de
ação "suspeitíssima" de Joesley Batista, empresário da JBS, que fechou
acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Para o
parlamentar, falta o "nexo causal" (ligação) entre o presidente e os
atos de corrupção mencionados.
O advogado de Temer, Antônio Cláudio Mariz, afirma que o parecer aprovado merece "aplausos" da defesa.
"Ele enfrentou questões que não foram enfrentadas pelo relator
anterior. Todos os pontos favoráveis à defesa o outro relator não tocou,
passou ao largo."
Se é aplaudido por Mariz, os argumentos são vistos com desconfiança pelo PSDB.
A escolha de Abi-Ackel pegou de surpresa a legenda que, na Comissão de
Constituição e Justiça, se colocou majoritariamente a favor da
continuidade da denúncia. Quando o parecer do deputado foi aprovado,
Silvio Torres (PSDB-SP) fez questão de afirmar que a posição não era
compartilhada pela maioria da bancada - apesar de os parlamentares
estarem livres para votar como quisessem.
"Quando chegamos à comissão, soubemos que ele seria o responsável pela
leitura do voto. Ficamos surpresos. (Ele) resolveu que era o relator e
disse que era uma posição pessoal", afirmou à BBC Brasil.
Integrantes do PSDB disseram que, inicialmente, as justificativas de
Abi-Ackel e do presidente da CCJ não batiam. Um deles relata que,
enquanto Rodrigo Pacheco afirmava que o tucano pediu a relatoria, o
relator dizia ter sido escolhido. Para os entrevistados, não ficou claro
o critério da decisão do presidente da CCJ.
Outro ponto em aberto são as consequências que o papel de relator terá
no futuro político de Abi-Ackel. Até então sem histórico de altos cargos
na vida parlamentar, o tucano é cotado em Minas para o Senado ou o
governo do Estado. Apesar da impopularidade de Temer e da proximidade
com Aécio, há quem veja vantagens na postura "corajosa" do parlamentar,
que já foi citado em delação da Odebrecht.
"Aécio não foi julgado, ainda é um nome de grande respeito em Minas e
foi o melhor governador dos últimos cinquenta anos. Sai dessa crise
forte. E Abi-Ackel pode ser um dos construtores do caminho de volta e de
fortalecimento do partido no Estado. Acho que isso só traz vantagem. Um
relatório bem feito, aprovado, é mais um upgrade na campanha para
qualquer cargo majoritário que vier a pleitear", diz Danilo de Castro,
que foi secretário de Estado do governo de Minas entre 2003 e 2014.
Mas se os parlamentares alcançam um consenso sobre o passado de Abi-Ackel, o mesmo não se pode dizer sobre seu futuro.
"Acho que Paulo mais perdeu do ganhou com a relatoria. Vamos ver", opina um congressista da bancada mineira.
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