A jovem travesti Laura de Vermont, 18 anos, cujo nome de registro é
David Laurentino de Araújo, morreu em consequência de traumatismo
cranioencefálico e insuficiência respiratória, segundo o laudo
necroscópico do IML (Instituto Médico Legal), obtido pelo R7. Laura morreu no fim da madrugada de sábado (20), na zona leste de São Paulo.
Assinado pelo médico legista Daniel Lopes Marques Júnior, o laudo sobre
a morte de Laura também aponta que ela tinha uma marca de tiro no braço
esquerdo. O tiro foi disparado por um policial militar que tinha ido
prestar socorro à jovem, mas também se envolveu em uma briga com ela
após Laura tentar fugir no carro da polícia e batê-lo contra um muro.
Um detalhe chamou a atenção do legista e dos investigadores da Polícia
Civil e da Corregedoria da PM que investigam a morte de Laura: a
trajetória do tiro no braço esquerdo da jovem foi de baixo para cima, da
direita (parte interna) para a esquerda e da frente pra trás. Isso
indica a possibilidade de Laura estar rendida, já com as mãos
levantadas, quando foi baleada.
Os investigadores também trabalham para tentar determinar quando Laura
sofreu as lesões na cabeça que causaram a sua morte. Por volta das 4h,
Laura foi espancada por desconhecidos, até agora não identificados.
Enquanto escapava a pé pela avenida Nordestina, ela foi filmada. Estava
ensanguentada e repetia palavras desconexas.
Chamada para prestar socorro à jovem, a Polícia Militar encontrou Laura
caminhando pela mesma avenida. Enquanto os dois PMs desceram do carro
da PM para tentar parar Laura, ela assumiu o controle do carro e dirigiu
por alguns metros, parando somente quando bateu contra o muro de um
condomínio residencial. A família de Laura diz que ela não sabia
dirigir.
Nesse momento, os PMs agrediram Laura e um deles, Ailton de Jesus, 43
anos, atirou contra a jovem. Mais tarde as agressões e o tiro levaram os
dois policias para a prisão, pois ambos tentaram enganar a Polícia
Civil e falaram que não haviam batido ou atirado contra Laura.
Presos no sábado, os PMs foram soltos quarta-feira (24), por ordem do
juiz Antonio Maria Patiño Zorz. Ailton e Diego Clemente Mendes, 22, do
39º Batalhão, foram libertados após o pagamento de um salário mínimo
cada um e com o compromisso de não chegar perto das testemunhas da morte
de Laura.
O ataque contra Laura
Há uma semana, no dia 19, Laura saiu de casa, no bairro da Vila Nova
Curuça, onde a jovem vivia com pai, mãe e irmã, para participar de uma
festa com amigos na avenida Nordestina, uma das mais movimentadas da
periferia da zona leste de São Paulo.
Por volta das 4h do sábado (20/06), Laura foi vista caminhando
desesperada pela avenida Nordestina, ensanguentada e desorientada.
Avisada sobre a situação da jovem por uma ligação para 190, a Polícia
Militar mandou um carro para socorrê-la. Um homem chegou a gravar
imagens de Laura no momento de pânico.
Na versão dos PMs, quando eles chegaram à avenida, Laura estava
extremamente agitada e, sem que os dois militares percebessem,a jovem
travesti assumiu o volante do carro da PM e partiu em alta velocidade,
vindo a perder o controle e bater contra o muro de um condomínio poucos
metros depois.
Inicialmente, o PM Mendes afirmou que chegou a se pendurar no carro da
polícia para tentar impedir que Laura fugisse com o carro, foi arrastado
e sofreu alguns ferimentos.
Mendes e Ailton disseram também que Laura, após bater o carro da PM
contra o muro de um condomínio residencial, desceu do veículo e
continuou a correr pela avenida Nordestina, sendo atingida na cabeça por
um ônibus, que não parou. Ainda desnorteada, a travesti seguiu sua
tentativa de fuga e bateu novamente a cabeça, dessa vez contra um poste.
Foi quando ela caiu e ficou à espera de socorro.
Os PMs disseram ter socorrido Laura e a levado para o pronto-socorro do
Hospital Municipal Professor Waldomiro de Paula, mas a família da jovem
os desmente. “Fomos nós, a família, que levamos minha irmã para o
hospital”, disse Rejane Laurentino de Araújo Neves, 32 anos, irmã de
Laura.
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Pouco tempo depois de chegar ao pronto-socorro, Laura morreu e os PMs
foram para o 63º Distrito Policial (Vila Jacuí) relatar à Polícia Civil a
versão deles para a morte da jovem. Foi quando apresentaram um relato
de 18 linhas sobre o caso.
Cerca de duas horas após o registro do primeiro boletim de ocorrência
sobre a morte de Laura, os PMs retornaram ao 63º DP e, dessa
vez, traziam junto um rapaz de 19 anos, apresentado pelos militares como
“testemunha” do caso.
À delegada Ivna Schelble, do 63º DP, o jovem de 19 anos contou que
bebia com amigos em um posto de gasolina quando Laura chegou
desorientada, ensanguentada e pedindo ajuda. Disse também que, após 20
minutos, um carro da PM chegou à avenida para socorrer Laura e que viu
quando a jovem assumiu o controle do veículo, fugindo, sem ser contida
pelo PM Mendes, que se pendurou na porta.
Dois detalhes sobre a “testemunha” apresentada pelos PMs chamaram a
atenção da delegada e dos investigadores do 63º DP: o jovem fez questão
de enfatizar que não havia ouvido nenhum disparo de arma de fogo quando
os policiais tentavam impedir Laura de assumir o controle do carro da
PM. O rapaz também ficou cerca de meia hora conversando com os dois PMs,
perto do 63º DP, sem que a delegada fosse informada se tratar de uma
testemunha presencial.
Desconfiados da riqueza de detalhes da versão narrada pela “testemunha”
apresentada pelos dois PMs, os policiais civis do 63º DP resolveram ir
aos locais por onde Laura passou e encontraram manchas de sangue em
locais não citados pelos policiais militares.
Imagens de câmeras de segurança também foram apreendidas e, após
analisá-las, os investigadores e a delegada Ivna descobriram que os PMs e
a “testemunha” apresentada por eles haviam mentido ao dizer que nenhum
tiro foi disparado pelos militares contra Laura. Antes de ser baleada,
Laura foi chutada por um dos PMs, logo após descer do carro da polícia
já batido.
Ao analisar o corpo de Laura no IML (Instituto Médico Legal), os
policiais civis descobriram que a jovem tinha lesões no rosto, tronco e
nas pernas. A marca do disparo dos PMs estava em seu braço esquerdo.
Quando voltaram para o 63º DP, os policiais civis pressionaram os PMs e
sua “testemunha” e todos resolveram contar a verdade. O PM Ailton
assumiu ter atirado contra Laura “porque ela havia apresentado
resistência e porque os meios menos letais mostraram-se ineficazes para
vencer a resistência e a iminência de injusta agressão”.
Ao ser questionado sobre a mentira nos dois boletins de ocorrência
registrados antes pela morte de Laura, o PM Ailton disse à Polícia
Civil “ter receio de se prejudicar e sofrer represálias da lei”.
Já o PM Mendes disse à Polícia Civil que “foi instruído por [o PM]
Ailton a não relatar a verdade dos fatos, mas se manter em silêncio e
apenas aquiescer com o que ele fosse narrar”. Mendes disse ter medo de
sofrer represálias por parte de Ailton, com quem trabalhava apenas pela
quinta vez. Mendes afirmou também que procurou seus superiores na PM
para informar sobre a farsa com a qual havia colaborado.
O jovem de 19 anos, a “testemunha” dos PMs, confirmou ter sido
orientado pelo PM Ailton a mentir. O PM chegou a entregar um pedaço de
papel a ele para que a versão fantasiosa sobre a morte de Laura fosse
narrada à Polícia Civil. “Ele pediu para que eu treinasse a fala para
que toda a história fosse coerente”.
Os PMs Ailton e Mendes foram presos em flagrante por falso testemunho e
fraude processual. Ambos também serão investigados por homicídio contra
Laura, de acordo com a Polícia Civil.
Na tarde de sábado (20), a assessoria de imprensa da Polícia Militar de
São Paulo afirmou que não havia nenhuma prisão de militares pela morte
de Laura, o que não era real.
http://noticias.r7.com/sao-paulo/laudo-confirma-tiro-dado-por-pm-em-travesti-e-causa-da-morte-como-traumatismo-craniano-26062015