Shi Hui tinha 46 anos quando uma gravidez tardia a pegou de surpresa.
Mas ela já tinha um filho e, se tivesse o segundo, seria forçada a pagar
uma multa pesada por violar a política chinesa de filho único.
Decidiu abortar.
Passados dois anos, seu filho, de 21 anos, contraiu um linfoma que em
poucos meses o matou. A perda devastou os pais e levou ao fim da união.
Um ano depois, o casal decidiu se divorciar.
O drama da secretária aposentada é um dos mais cruéis efeitos colaterais
do sistema chinês de controle de natalidade, implantado em 1979 e em
vigor até hoje.
Conhecidas como "shidu" (filho perdido, em mandarim), as famílias
chinesas que perderam o filho único formam um grupo amargurado de um
milhão de pessoas. Segundo estatísticas oficiais, a cada ano, 76 mil
casais se tornam "shidu".
"O governo se preocupa com o crescimento da população, mas não pensa nas
consequências da política do filho único para as pessoas", lamenta Shi,
50. "A vida era dedicada ao nosso filho. Quando ele morreu, sentimos
que perdemos tudo."
Desamparada, Shi buscou ajuda na internet e achou o grupo "Ninho Vazio",
que dá apoio psicológico e material a casais que viraram órfãos do
filho único. Hoje ela é voluntária do serviço.
A professora de filosofia Xu Kun, fundadora do grupo, diz que desde
2006, quando foi criado, o serviço de apoio telefônico já recebeu mais
de 35 mil ligações de pais.
Ela explica que a carência não é só emocional, mas econômica. Pela tradição, o chinês tem o papel de cuidar dos pais na velhice.
Num país em que quase metade da população não tem plano de aposentadoria, o filho é um investimento.
"Muitos asilos recusam pais que perderam os filhos porque eles não têm ninguém para servir como responsável", diz Xu.
Recentemente, surgiu uma nova onda de especulações de que a política de
planejamento familiar estaria prestes a ser alterada. Na semana passada,
foram negadas pelo governo.
Desde que foi implantada, a política sofreu algumas alterações. Pais que
são filhos únicos podem ter um segundo filho. Nas áreas rurais, a
permissão vale somente para os que têm uma menina primeiro.
MULTA MILIONÁRIA
De forma geral, porém, a proibição é aplicada de forma severa, e quem a
descumpre está sujeito a pagar altas multas, calculadas conforme a renda
do casal.
Mesmo para quem ganha pouco, a multa pode chegar a várias vezes o seu salário.
Um caso recente movimentou as colunas de fofocas chinesas. A imprensa
oficial noticiou que o cineasta mais famoso do país, Zhang Yimou, era
investigado por ter sete filhos. Jornais locais estimaram que a multa
poderia chegar a 160 milhões de yuans (R$ 59,2 milhões).
Uma das críticas à política de filho único é que ela não se aplica aos
abastados. A discriminação gera revolta e é um fator explosivo de
instabilidade social.
Há três meses, um homem matou a facadas dois funcionários da agência de
planejamento de Guangxi (sul) ao ver negado o registro de seu quarto
filho por não ter meios para pagar a multa.
Em muitos casos, porém, mesmo quem tem condições financeiras de sobra
respeita a lei, por ideologia ou para garantir a ascensão no serviço
público ou numa estatal.
O magnata do setor imobiliário Wang Jianlin, 58, recém-coroado o homem
mais rico da China com uma fortuna estimada em R$ 49 bilhões, tem só um
filho e ótimas relações com o Partido Comunista, do qual é membro desde
os 22 anos.
Mas não é preciso ter bilhões para romper o limite. Propinas a agentes do governo podem facilitar o registro do segundo filho.
Muitas vezes basta saber usar o "guanxi", o jeitinho chinês de acionar
uma boa rede de contatos. É o caso dos professores Sun Yong, 31, e Chen
Yumei, 30, que têm um casal de filhos.
Sem querer entrar em detalhes, eles contam que registraram a filha
Beibei, 5, um ano mais nova que o primogênito, Jingjing, com a ajuda de
conhecidos em sua província, Shandong (nordeste).
A família destoa da paisagem dominada por filhos únicos e atrai olhares
curiosos quando passeia pelo bairro de Pequim onde vive. "Muita gente
acha que eles são gêmeos. Outros me param para perguntar: como
conseguiram?" conta a mãe, Sun.
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/11/1366214-politica-do-filho-unico-gera-tensao-na-china.shtml