Em entrevista exclusiva à ISTOÉ concedida um dia depois de o STF
torná-lo réu pela segunda vez na Lava Jato, Eduardo Cunha detalhou a
negociata, comandada pela presidente afastada Dilma Rousseff, para
salvá-lo em troca do arquivamento do impeachment.
Na noite de 12 de outubro de 2015, dia santo de Nossa Senhora
Aparecida, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), estava no Rio sob um calor inclemente de 35°C à sombra quando
recebeu um telefonema do recém-nomeado chefe da Casa Civil do governo
Dilma Rousseff, Jaques Wagner.
O chamado era urgente. O clima, àquela
altura, era de elevadíssima tensão. O peemedebista tentava se livrar de
um processo no Conselho de Ética, enquanto Dilma buscava a todo custo
evitar o início de um processo de impeachment contra ela, que dependia
exclusivamente do parlamentar – seu desafeto declarado. Wagner tinha
pressa de encontrar Cunha e, para não perder um minuto sequer, se
ofereceu para esperá-lo na Base Aérea de Brasília, onde o parlamentar
aterrissaria a bordo de um jato da Força Aérea. Assim que o então
presidente da Câmara pousou na capital federal, ambos conversaram a sós.
O inteiro teor daquela conversa crucial tanto para Cunha quanto para
Dilma nunca havia sido tornado público. Até agora. Cunha resolveu
esmiuçá-la em detalhes em entrevista exclusiva à reportagem de ISTOÉ
concedida em sua residência, em Brasília, na última quinta-feira 23 –,
um dia depois de o STF torná-lo réu pela segunda vez na Operação Lava
Jato.
Segundo Eduardo Cunha, Wagner tinha um plano para salvá-lo do
cadafalso. Em troca do arquivamento no nascedouro do processo do
impeachment contra Dilma, o então ministro disse que poderia garantir
votos de deputados petistas no Conselho de Ética. Ofereceu também
influenciar o Poder Judiciário para que os processos de investigação de
sua filha, Danielle, e de sua mulher, Cláudia Cruz, não fossem para a
primeira instância. Cunha considerou que o petista não tinha condições
de entregar o que prometia. Wagner quis deixar claro, então, que ele
falava em nome da principal mandatária do País: Dilma Rousseff. Foi
além. Disse que deixaria a Base Aérea com destino ao Palácio da
Alvorada. Naquele mesmo dia, ele relatou à presidente o andamento da
negociação. “Todas as vezes em que ele (Jaques Wagner) esteve comigo,
que tocou nesse assunto, deixou claro que relatava todas as conversas
para Dilma e que ela sabia. O que torna um pouco mais grave a situação.
Na conversa do dia 12 de outubro, Wagner disse que naquela noite mesmo
ainda conversaria com a presidente e que falaria comigo depois. O que
comprova, mais uma vez, que ela participava e sabia de tudo”, disse
Cunha à ISTOÉ. Depois dos encontros, parlamentares designados pelo
Planalto procuravam Cunha para medir a temperatura das tratativas. Certa
feita, o ministro da Casa Civil forneceu exemplos de como o PT poderia
contribuir para amarrar o processo contra ele no Conselho de Ética.
“Como não marcar quórum em determinada sessão para tentar adiar. Ele
tentou continuar essa oferta”, afirmou Cunha na entrevista.
Na última quarta-feira 22, o STF acolheu a segunda denúncia contra o
presidente da Câmara afastado por contas na Suíça por unanimidade. Ele
virou réu pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão
de divisas e falsidade ideológica com fins eleitorais. Até mesmo na
avaliação de seus aliados, a decisão acelera ainda mais seu processo de
cassação. Apesar da grave situação, Cunha tenta transparecer confiança:
“Este vai ser o critério adotado pelo STF em qualquer desses casos. Ou
seja: denúncia apresentada pelo Procurador Geral da República contra
qualquer parlamentar será aceita”.
Na véspera da decisão, alguns de seus mais próximos seguidores
chegaram a acreditar que Cunha renunciaria ao mandato, com anúncio em
coletiva organizada pelo próprio parlamentar. Sozinho, ele se defendeu e
voltou afirmar que não desistiria do mandato. A cena, retrato mais bem
acabado do isolamento de Cunha, repercutiu negativamente no ambiente
político. Nos bastidores, até seus defensores históricos lamentavam a
iniciativa, considerada “desastrosa”. A cassação é tida como questão de
tempo por aliados. Seus advogados entraram com recurso na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara, que terá de analisá-los antes de a
votação seguir para o Plenário. A previsão é de que o processo seja
concluído antes do recesso parlamentar.
Há entre seus mais fieis escudeiros a crítica velada à sua
insistência em permanecer no mandato. Hoje, Cunha conversa regularmente
com poucos deputados. No seleto grupo, estão Jovair Arantes (PTB-GO),
Rogério Rosso (PSD-DF), Carlos Marum (PMDB-MS), Hugo Motta (PMDB-PB),
Arthur Lira (PP-AL) e Marcelo Aro (PHS-MG). O presidente afastado tenta
justificar a fuga de apoiadores: “A impressão de que estou isolado é
porque não estou podendo ter um convívio maior.” Profundo conhecedor dos
submundos do poder, Cunha sabe que já foi mais poderoso. Bem mais. Há
não muito tempo, comandava uma bancada de mais de 100 parlamentares.
Segundo seus adversários, o séquito era alimentado com o que a política
tem de mais sedutor para um parlamentar: verbas de campanha e cargos em
postos-chave. O peemedebista nega a utilização desses métodos. Hoje,
além do isolamento político, Cunha experimenta uma outra situação
insólita em sua trajetória como homem público. A convivência com
denúncias não é novidade para ele. A diferença é que, agora, as cortes
da Justiça não admitem mais suas explicações. Não parece ser um fim com o
qual o parlamentar sonhou, semelhante ao que ocorre com Dilma.
Se em algum momento já pareceram feitos um para o outro, Cunha e
Dilma são hoje como água e óleo. Atualmente, experimentam o mesmo
infortúnio: ambos estão afastados do cargo para o qual foram eleitos. Na
narrativa petista, a queda de Dilma significaria a salvação de Cunha.
No Congresso, a maioria aposta no harakiri duplo.
Entrevista – Eduardo Cunha
O presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, recebeu ISTOÉ na
quinta-feira 23. Adornavam a residência oficial abundantes arranjos de
astromélias brancas, que significam lealdade. Espalhados pelos dois
aparadores e pelas cinco mesinhas laterais havia 49 porta-retratos: a
maioria emoldura o rosto da mulher, Cláudia Cruz. Abaixo, os principais
trechos da entrevista:
ISTOÉ – O sr. disse que recebeu o então ministro da Casa
Civil de Dilma Rousseff, Jaques Wagner, em outubro do ano passado em
três diferentes ocasiões, nas quais ele lhe propôs um acordo para que o
sr. livrasse a presidente do impeachment. Em troca ele garantiria sua
absolvição no Conselho de Ética da Câmara. Como se deu essa abordagem?
Eduardo Cunha – Obviamente que toda conversa política
tem sempre os seus meandros, suas idas e vindas. Mas o que aconteceu
clara e textualmente é que ele sentou para discutir pontos de
governabilidade, tentando uma aliança comigo, para que pudéssemos andar
juntos. E para isso, começou a oferecer justamente votos no Conselho de
Ética. Ele ofereceu textualmente algo que eu até reputei como ridículo,
que foi a interferência do governo para que mantivessem a minha mulher
(Cláudia Cruz) e minha filha (Danielle) sobre a ótica do processo do
Supremo. O que eu já disse de pronto que eu não acredito nesse tipo de
interferência. Não creio que o governo tenha esse controle de quem quer
que seja. Refutei.
ISTOÉ – A presidente Dilma Rousseff sabia das propostas de Jaques Wagner para o sr?
Cunha – Todas as vezes em que ele esteve comigo, que
tocou nesse assunto, ele deixou claro que Dilma sabia das conversas. Que
ele relatava todas as conversas e que ela sabia. O que torna um pouco
mais grave a situação. E depois desses encontros, existiram
parlamentares que ficaram fazendo a ponte. Algumas vezes, Jaques deu
exemplos de como o PT poderia me ajudar no Conselho de Ética, como não
marcar quórum em determinada sessão para tentar adiar. Ele tentou
continuar essa oferta. Isso tudo estou falando simplesmente para rebater
essa fantasiosa história de que abri o processo de impeachment por
vingança, que é o que eles chamam de desvio de poder.
“JAQUES WAGNER SAIU DO NOSSO ENCONTRO NA BASE AÉREA E DISSE QUE NAQUELA NOITE MESMO CONVERSARIA COM A PRESIDENTE”
ISTOÉ – Aliados de Dilma vazaram a versão de que, na verdade,
as conversas de Wagner com o sr. eram para te enrolar até que fossem
aprovadas as metas fiscais.
Cunha – Quando dão uma desculpa dizendo que estavam
querendo me enrolar, na verdade estão é confirmando que fizeram a
oferta. E enrolar faz parte da natureza deles. Enrolaram o Brasil esses
anos todos e deu no que deu. Minha pergunta é: estão querendo dizer que a
presidente Dilma era a cabeça de um plano de enrolar o presidente da
Câmara no intuito de aprovar um projeto? Na conversa do dia 12 de
outubro, na Base Aérea, quando ele (Jaques Wagner) me ligou e marcou,
ele saiu do nosso encontro e disse que naquela noite mesmo ainda
conversaria com a presidente e que falaria comigo depois. Que era para
relatar a conversa a ela. Então, a cada conversa, ele dizia que ia sair e
que ia até a presidente para relatar. O que comprova, mais uma vez, que
ela participava e sabia de tudo.
ISTOÉ – O sr. sempre aglutinou muitos aliados. Agora se sente abandonado?
Cunha – Fui afastado pelo STF e estou sendo cerceado.
Ele (Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot) entrou com pedido de
prisão só porque eu disse em uma entrevista que eu ia à Câmara. Não
estou podendo exercer nem a minha autodefesa no Conselho de Ética e nem
fazer o que o julgamento político pressupõe, que é estar em corpo a
corpo com os parlamentares, que são meus julgadores, para me justificar.
Então, se eu não estiver afastado, daqui a pouco eu posso até ser preso
por conversar com deputado.
ISTOÉ – Mas o sr. poderia receber visitas aqui na residência da Presidência da Câmara.
Cunha – Eu acho que eu posso exercer quaisquer
atividades que não sejam do exercício do mandato. Eu não perdi meus
direitos políticos. A impressão de que estou isolado é porque eu não
estou podendo ter um convívio maior, o que está prejudicando.
ISTOÉ – Tem parlamentar que não quer ser visto falando com o
sr., nem ser fotografado ao seu lado por que agora não interessa mais
ter essa proximidade ? O governo Temer te abandonou?
Cunha – Não tenho condições de te afirmar isso. Ficam
tentando me colocar numa clandestinidade. Essa decisão do Supremo e
ameaça de prisão (caso eu vá à Câmara), é uma tentativa de me
constranger e criar uma coação contra mim. O governo Michel Temer não
tem nem que me abandonar nem que me abraçar. É um processo político
interno da Câmara.
“O GOVERNO TEMER NÃO TEM QUE ME ABANDONAR OU ME ABRAÇAR. É UM PROCESSO POLÍTICO INTERNO DA CÂMARA”
ISTOÉ – O sr. disse em nota que argumentos da sua defesa não foram considerados…
Cunha – Nesse processo da aceitação da segunda
denúncia, a gente sempre reclama da seletividade do procurador (Rodrigo
Janot) de me escolher para apresentar rapidamente as suas peças –
lembrando que desde a abertura do processo de impeachment , em 17 de
abril, ele abriu seis novos inquéritos contra mim. Ele apreciou duas
denúncias em três meses, enquanto o presidente do Senado (Renan
Calheiros) está há três anos e três meses sem apreciar. Quarta,
chegou-se ao julgamento sem decidir todas as peças que deveriam ter sido
decididas com relação a este processo. O exemplo mais gritante é: para
justificar que eu participei da discussão do tal contrato de Benin (na
África) eles dizem que eu teria participado de uma reunião na Petrobras
com a presença de um diretor internacional, no dia 12 de setembro de
2010, onde eu teria chegado de helicóptero acompanhado do prefeito do
Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Então, primeiro: ele nem denunciou o
Eduardo Paes. Segundo: minha defesa juntou a comprovação documental de
que nem eu nem o tal diretor estávamos na Petrobras naquele dia, que era
um domingo de campanha eleitoral e que nem helicóptero pousou naquele
dia lá. Ou seja, prova factual de que a reunião não existiu. Apesar de
anexar à minha defesa, isso foi ignorada pelo relator (ministro Teori
Zavascki), que proferiu o voto aceitando a denúncia dando como
justificativa a própria reunião. Ou seja, meus argumentos de defesa são
ignorados. Não é um julgamento, é um linchamento, um justiçamento.
ISTOÉ – O sr. diz que os argumentos da sua defesa estão sendo
ignorados, mas fala também ter a certeza de que será absolvido pelo
STF. A decisão de acatar sua denúncia foi unânime.
Cunha – Provavelmente, este vai ser o critério adotado
em qualquer desses casos. Ou seja: denúncia apresentada pelo PGR contra
qualquer parlamentar será aceita. Mas eu acredito no bom senso durante o
processo comprobatório e que poderemos fazer valer nossos argumentos.
Acredita que me fizeram três denúncias sem nem me ouvir? Usaram minhas
falas públicas em entrevistas jornalísticas como se fosse depoimento de
investigado. Espanta-me essa violação.
“MEUS ARGUMENTOS DE DEFESA SÃO IGNORADOS. NÃO É UM JULGAMENTO, É UM LINCHAMENTO, UM JUSTIÇAMENTO”
ISTOÉ – Sua família está sendo perseguida?
Cunha – No caso da minha filha, fizeram uma cópia
adulterada da ficha do banco excluindo a declaração do que ela realmente
era. Ela não tinha nada a ver nem com a conta da minha esposa. Ela
tinha apenas um cartão adicional, mas ignoraram. O caso da minha esposa é
diferente do meu. Eu nunca disse que a minha esposa não tinha conta (no
exterior). Ela detém a conta sim, mas a discussão é que ela não tinha
obrigatoriedade de declarar porque, no nosso entender, em 31 de dezembro
de cada ano ela tinha um saldo inferior a US$ 100 mil.
ISTOÉ – Os procuradores disseram que dinheiro de propina
bancou luxos de sua esposa no exterior. É uma imagem forte para a
opinião pública.
Cunha – Matematicamente isso é impossível. O patrimônio
que eu detinha e que foi doado ao trust foi de muitos anos atrás,
oriundos de minhas atividades privadas. A prova disso é que estão
elencando um valor que teria sido recebido através do trust de 1,3
milhões de francos suíços (R$ 5 milhões). E 2,3 milhões francos suíços
foram bloqueados. Ou seja, foi bloqueado 1 milhão a mais do que eles
contestavam. Então, como os gastos foram feitos decorrentes desse
dinheiro? A defesa dela vai provar exatamente o roteiro do dinheiro.
http://istoe.com.br/%E2%80%9Cdilma-participava-e-sabia-de-tudo%E2%80%9D/