Deputado estadual Coronel Telhada diz que ação robusta se justifica porque País vive 'guerra' e 'bandido não respeita a lei'
Na recepção do gabinete do deputado estadual Paulo Telhada,
um potinho de balas de goma saúda o visitante, embaladas em papel
branco com seu nome e a expressão "bancada da bala" ─ como é conhecida a
frente política conservadora integrada por Telhada, coronel reformado
da Polícia Militar de São Paulo.
Na parede, mais um trocadilho: um grande cartaz
com o slogan que adotou ao ingressar na política ─ "Uma nova Rota na
política de São Paulo" ─ referindo-se à controversa unidade de elite da
qual foi comandante antes de ir para a reserva. Na sala de espera, o
encarte sobre o trabalho do deputado traz uma cartela destacável para
montar uma miniviatura da Rota.
Segundo deputado mais eleito de
São Paulo no ano passado, pelo PSDB, Coronel Telhada diz que as
"balinhas docinhas" são para ironizar o nome dado de forma "pejorativa" à
bancada da bala, que defende projetos para reduzir a maioridade penal e
flexibilizar o porte de armas. O grupo reúne um "um pessoal que quer
trabalhar forte, quer combater o crime, quer trabalhar dentro da lei",
define.
Telhada já afirmou à imprensa ter matado mais que 30
pessoas em seus anos na ativa. À BBC Brasil, diz que na verdade "nunca
contou" o total, mas que foi "uma pancada", sempre "dentro da lei".
O
coronel se exalta com críticas ao número de mortes causadas por
policiais, afirmando que matar "faz parte da ação policial' e não pode
ser evitado em um país em "guerra" como o Brasil.
No primeiro semestre deste ano, o número de pessoas mortas
por policiais em serviço cresceu 10% e foi o mais alto em dez anos,
segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
No
último dia 13, 18 pessoas foram mortas em Osasco e Barueri, na Grande
São Paulo, e suspeita-se que a chacina tenha sido cometida por policiais
para vingar a morte de um colega.
Segundo informações
obtidas pela TV Globo, a Corregedoria da Polícia Militar estaria
investigando 19 suspeitos de envolvimento nos assassinatos. Dezoito dos
investigados seriam policiais militares, de acordo com a emissora.
Telhada
diz que a chacina é "gravíssima" mas revolta-se com o Secretário de
Segurança Pública, Alexandre de Moraes, que afirmou logo após o crime
que a principal linha de investigação apura envolvimento policial ─ para
Telhada, uma "besteira" que joga a corporação "num mar de lama sem
qualquer prova".
Ele defende o projeto aprovado ontem pela Câmara
dos Deputados para reduzir a maioridade penal, mas queria que a redução
fosse dos 18 para os 14 anos. Para ele, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) é um "Frankenstein" que criou "um monstro mirim", como
se refere ao infrator menor de idade. Os problemas sociais por trás do
envolvimento de adolescentes com o crime são de responsabilidade do
Estado, afirma ─ ele, como policial, trabalha "com o efeito". "Eu ganho
para resolver aquele problema", diz. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC
Brasil - O senhor é parte da chamada "bancada da bala", que vem
ganhando força no poder Legislativo. A que o senhor deve esse
crescimento?
Coronel Telhada - Aqui no
Brasil se costuma mostrar o criminoso como vítima da sociedade e o
policial como algoz. Isso veio após a revolução de 64, ou o golpe
militar, ou chame como quiser – onde tudo que é relativo a segurança e
ao nome "militar" virou sinônimo de tortura, violência.
Mas agora a população cansou disso, e quer uma posição firme contra o crime, firme contra as irregularidades.
A
nossa legislação criminal é muito benevolente com o crime. Tem que ser
alterada e fazer com que o criminoso sinta, sim, o peso da lei. Aqui no
Brasil, o crime compensa, porque o cara não recebe a sanção adequada
para o que fez. A sensação de impunidade é muito grande. O criminoso
fica à vontade para praticar crime, porque sabe que quase não vai ter
efeito nenhum sobre ele. A nossa principal briga é no sentido de
melhorar a legislação penal.
BBC Brasil - O senhor fala em
impunidade, mas comumente esta é um crítica feita também à polícia. O
outro lado é a polícia com fama de ser muito violenta e o policial
percebido como algoz.
Coronel Telhada - Acho
que isso é um ranço do regime militar. Toda ocorrência onde você tem um
confronto entre a polícia e o criminoso, de imediato já se fala que a
polícia é culpada.
A mídia sempre aponta a polícia como autora de
violência e essa conduta é muito ruim. O pessoal tem que entender que a
polícia não é culpada da violência.
O culpado da violência é o
Estado brasileiro. São nossas leis que são fracas para o criminoso e
favorecem o tráfico de entorpecentes e a falta de policiamento nas
fronteiras. É a nossa educação que está uma porcaria no Brasil. Todos os
segmentos da sociedade estão falhando. E quando chega no crime, a culpa
é da policia, e todo mundo lava as mãos.
BBC Brasil - Mas
infelizmente não é raro ver policiais envolvidos com violência. Semana
passada 18 pessoas foram assassinadas na chacina de Osasco e Barueri e o
secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, disse
que a principal linha de investigação considera a participação de PMs.
Coronel Telhada - O
secretário devia pensar mais antes de falar. Ele, por ser o chefe de
polícia, devia ter mais de cautela antes de falar besteira. Ele não tem
prova nenhuma. Pode ser policial? Pode, ninguém está negando essa
hipótese. Mas quando ele joga essa hipótese como a principal linha de
investigação, olha a grave falha que ele comete. Ele já acusa uma
corporação.
Se provado amanhã que há policiais envolvidos, que
paguem, e que paguem bem caro, porque cometeram um crime grave. Mas é
complicado você jogar uma corporação num mar de lama sem qualquer prova.
Ouvi falar que o governador (Geraldo Alckmin) está dando um prêmio de
R$ 50 mil para quem tiver alguma prova. Eles não têm uma prova de que
seja policial militar!
Aí vão falar da munição usada. Hoje qualquer bandido usa armamento exclusivo das Forças Armadas.
A
chacina é uma coisa gravíssima e não deve acontecer. Mas quando morre
um policial a preocupação não é a mesma. Nos últimos quatro anos, já
passamos de 400 policiais mortos em São Paulo. Quando morre um criminoso
a grita é geral. Poxa, será que nós valemos menos que um criminoso?
BBC
Brasil - Recentemente a Anistia Internacional divulgou um relatório
falando sobre o alto número de mortes causados por policiais no Estado
do Rio. Nos últimos cinco anos, a polícia matou mais de 1.500 pessoas, o
equivalente a 16% dos homicídios no período. Os casos foram registrados
como autos de resistência que, segundo a Anistia, podem mascarar
execuções extrajudiciais.
Coronel Telhada - O
que me chama atenção é que eles falam de 16% em decorrência de ações
policiais. E os outros 84%? São mortes de cidadãos pais de família.
Ninguém se preocupa. O elevado não são os 16%. O número de mortes no
Brasil é muito alto. A legislação penal não pune de maneira adequada. A
vida de um cidadão perdeu o sentido. Hoje um criminoso mata por causa de
um celular, por causa de R$ 10.
Então me assusto quando vejo os
outros países com essa hipocrisia internacional, porque no país deles a
lei funciona. Então eles vêm aqui questionar a minha polícia, se nós
estamos agindo legitimamente ─ em um país que não tem lei, onde ninguém
respeita a lei!
O único obstáculo entre o cidadão decente e o
bandido se chama polícia. E essa polícia está de quatro, essa policia
está amarrada. Essa polícia está desestimulada.
O policial civil e
militar não só ganha um mau salário como também não tem apoio da
família e da sociedade para trabalhar. O governo hoje não valoriza a
policia que tem. Quer que policia tome atitude, exige, e quando toma, o
policial é punido.
BBC Brasil - Mas o problema é a sensação de que a polícia pode matar e isso não tem consequências.
Coronel Telhada - Um
policial na rua está sujeito a tudo, a salvar, a matar e a morrer. E
infelizmente às vezes a gente é obrigado a matar para não morrer. O
interessante é que quando você mata como policial, a Anistia quer
imputar a pecha de que somos perigosos, de que nós matamos porque nós
queremos. Parte do princípio de que o policial matou porque quis matar,
ou porque é violento. Nunca de que ele matou para se salvar ou salvar
uma pessoa.
Se um policial fica 30 anos na rua e não mata ninguém,
quero saber a quantas ocorrências ele foi. Porque tem tiroteio todo
dia. Todo dia morre pai de família. Aliás, está fazendo 25 anos que eu
fui baleado pela primeira vez. Isso a Anistia não leva em consideração.
Mas quando eu matei, a Anistia ficou preocupada porque eu matei.
É
complicado você estar na guerra, não dar tiro, não morrer, não ser
baleado, não matar como já tive que matar. Infelizmente, isso faz parte
da ação policial. Em um país como o Brasil, onde o bandido não respeita a
lei, ele atira por qualquer motivo.
BBC Brasil - Mas o
senhor está falando de casos de legítima defesa e a Anistia está falando
de casos de suspeita de execuções extrajudiciais.
Coronel Telhada - Eu
desconheço casos de execução que tenha envolvimento do policial em que
não tenha sido tomada uma atitude. Eu conheço casos em que foram
encontradas várias pessoas mortas e não se chegou ao autor. Estamos
partindo do pressuposto de que todas as pessoas que foram executadas foi
policial que matou. É muito perigosa essa afirmação.
BBC Brasil - Então não existem execuções extrajudiciais na polícia?
Coronel Telhada - Que
eu saiba não. Eu nunca participei de nenhuma. Quando houve, a polícia
conseguiu constatar e expulsou da corporação, e (os responsáveis) estão
cumprindo pena.
Em todos os casos, sem exceção, é feito inquérito
policial. Eu mesmo já fui julgado e absolvido. Se o policial matou e não
foi condenado, é porque estava agindo legitimamente. É por isso que
existe um pressuposto da legítima defesa e do estrito cumprimento do
dever legal. Os bons policiais agem dentro da lei. Mas nós matamos
também. Graças a Deus nós estamos vivos. Eu sou avô hoje, graças a Deus.
BBC Brasil - O senhor disse diversos casos (de pessoas que matou). O que aconteceu depois?
Coronel Telhada - Todas
as vezes que eu tive ocorrência em que tive que trocar tiro e matar um
ladrão, eu apresentei a ocorrência no distrito, foi feito todo o
procedimento legal, foram ouvidas todas as testemunhas, todas as
vítimas. As vítimas confirmaram a versão do policial. Fomos julgados e
fomos absolvidos.
Nunca tive nenhuma condenação, porque nunca fiz
nada errado. Fiquei 33 anos no serviço ativo, tive inúmeras ocorrências e
nunca fui condenado. Porque sempre trabalhei dentro da lei. Eu não
posso falar pelo meu vizinho.
BBC Brasil - Quantas ocorrências?
Coronel Telhada - Ah, uma pancada. Muitas. Nunca contei, filha.
BBC Brasil - Mas já vi números citados em reportagens – ao New York Timeso senhor falou em mais de 30.
Coronel Telhada - Eu
queria que fosse aquele número mesmo. Eles falam em 36. A imprensa
fala. Eu mesmo não sei. Por Deus que está no céu. Eu nunca parei para
contar. Mas os caras levantam a minha ficha no Tribunal Militar e lá tem
um número "x" de ocorrências. Minha preocupação foi sempre trabalhar
dentro da lei. Quantos morreram ou não, não sei. Agora, nunca me
perguntaram quantos eu salvei.
BBC Brasil - Quantos?
Coronel Telhada - Ah, milhares. Milhares, milhares. Isso ninguém está preocupado.
A
redução da maioridade penal é uma das principais bandeiras da bancada
da bala. O projeto é defendido por parte da população, e outros criticam
com veemência a ideia de se julgar e penalizar menores como adultos.
Eu
entendo que quando o legislador criou a ideia da maioridade penal aos
18 anos, ele pensou no melhor para a sociedade. Mas ele criou um
monstro, chamado infrator menor de idade. Um monstro mirim. É um
'Frankenstein'. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é um
Frankenstein, porque quis fazer uma coisa boa e criou um monstro.
O
jovem com 12, 13 anos atua no crime sabendo o que está fazendo. Nos
morros do Rio, os bandidos soldados que tomam conta das biqueiras (bocas
de fumo) são jovens de 12, 13 anos, e andam armados de fuzis. Aqui em
São Paulo, criminosos de 14, 15 anos estupram, matam, sabendo o que
estão fazendo. As quadrilhas usam os menores de idade porque sabem que,
caso eles sejam presos, os menores assumem o crime e ficam presos por um
ou dois anos no máximo.
O indivíduo praticou um crime, ele tem
que pagar pelo que ele fez. Se não fica uma imagem de impunidade que faz
com que outras pessoas cometam o mesmo crime. A sociedade brasileira
não aguenta mais. E a mudança necessária é a diminuição da maioridade
penal. Infelizmente para os 16 anos, eu gostaria que fosse aos 14.
BBC
Brasil - Mas outro argumento de quem condena a mudança é que a maioria
desses jovens são pobres, negros e crescem sem acesso a educação, com
uma falta absoluta de oportunidade.
Coronel Telhada - Minha
querida, você está entrevistando o Coronel Telhada. Estou falando como
PM. Eu, como Segurança Pública, trabalho com o efeito. Quem tem que
trabalhar com a causa é o Estado, que tem que prover educação,
assistência social, saúde publica, o que não é feito.
Eu trabalho
com o crime, eu pego a situação pronta. O menor de idade estuprando,
matando, fazendo tráfico de entorpecente. É com isso que eu tenho que
agir. Se ele teve problema na infância ou não, se não teve educação, se a
mãe dele era prostituta, se o pai era drogado, eu, como policial, isso
não é problema meu.
Eu ganho para agir para resolver aquele
problema. Fora isso, toda a sociedade falha. Todos os órgãos que
deveriam estar envolvidos para melhorar a segurança pública no Brasil
não se apresentam. E a culpa é só da polícia.
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