JC denunciou que crianças se arriscam no
Canal do Arruda para catar recicláveis. De acordo com a Procuradoria
Regional do Trabalho da 6ª Região (PRT6), o município vem falhando na
política de combate ao trabalho infantil
Um dia depois de o Jornal do Commercio
denunciar a rotina de três meninos de Saramandaia que catam latas de
alumínio em meio ao lixo do Canal do Arruda, na Zona Norte do Recife, o
Ministério Público do Trabalho (MPT) anunciou que o caso será anexado
como prova numa ação civil pública contra a Prefeitura do Recife. De
acordo com a Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região (PRT6), o
município vem falhando na política de combate ao trabalho infantil.
Paulo Henrique Félix da Silveira, 9
anos, e os primos Tauã Manoel da Silva Alves, 10, e Geivson Félix de
Oliveira, 12, unidos pelo sangue, pela necessidade e pela indiferença do
poder público, ignoram os perigos e a imundície do fosso para recolher
latinhas e ajudar no sustento de suas famílias. O montante é trocado num
galpão de reciclagem próximo. Em dia bom, tiram R$ 5, mas tem vez que o
esforço desumano rende apenas R$ 1. É o suficiente para aliviar a fome.
Nesta
terça (5), uma equipe da Secretaria de Desenvolvimento Social e
Direitos Humanos vai ao local para verificar a situação das duas
famílias. “Vamos checar como estão esses meninos e se podem ser
inscritos para receber algum benefício. Queremos fazer um acompanhamento
deles”, prometeu a secretária Ana Rita Suassuna. Paulinho, Tauã e
Geivson não estão sozinhos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), 726 crianças e adolescentes no Estado tiram seu
sustento do lixo.
Titular da Coordenadoria de Combate à
Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) do
MPT, o procurador Leonardo Osório Mendonça disse que a PRT6 cobra da
Justiça do Trabalho que obrigue a PCR a adotar políticas públicas que
combatam, de fato, o trabalho infantil. “Queremos que o poder público
municipal adote medidas de combate à exploração do trabalho infantil e
de regularização do trabalho adolescente”, afirmou.
Paulinho nada com dificuldade em meio ao lixo e à lama
A lista de cobranças à Prefeitura do
Recife é composta por 13 pedidos, incluindo garantir verba suficiente
para implementação adequada do Programa Municipal de Erradicação do
Trabalho Infantil; ter, no prazo de 120 dias, a formulação de
diagnóstico de todas as crianças trabalhando na cidade; e inserir, em 30
dias, esses meninos e meninas em programas sociais. A ação civil
pública, de número 00044-21.2013.5.06.0018 e protocolada na 18ª Vara da
Justiça do Trabalho, também solicita que a PCR mantenha em pleno
funcionamento, ininterruptamente, todos os núcleos de jornada ampliada
do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
Houve uma
audiência inicial sobre o processo, mas a segunda sessão, marcada para o
dia 29 de outubro, acabou adiada e só será realizada em fevereiro do
ano que vem. Leonardo Osório Mendonça disse que a reportagem e as fotos
serão protocoladas nos autos. “Isso é uma prova de que a prefeitura
podia fazer muito mais. É a face mais crua e cruel da miséria. Até
colegas procuradores de outros Estados entraram em contato conosco. A
imagem prova nossa tese de que o poder público está falhando no combate
ao trabalho infantil”, declarou.
A prefeitura informou que a
Secretaria de Assuntos Jurídicos entrará em contato nesta terça com o
Ministério Público do Trabalho para tratar sobre a ação civil pública,
que está na primeira instância.
SOLIDARIEDADE - A
história de Paulinho, Galego e Geivson comoveu os pernambucanos e está
criando uma rede de solidariedade que rompeu os limites do Estado.
Dezenas de e-mails de várias partes do Brasil chegaram perguntando sobre
formas de ajudar os meninos. Os parentes informaram que doações podem
ser enviadas para a Avenida Professor José dos Anjos, número 294, na
comunidade de Saramandaia, no Arruda, perto da Escola Jandira Botelho,
onde ficam os dois barracos nos quais se espremem 18 pessoas.
“Tem
algum jeito de eu ajudar, de forma que o menino não precise mais entrar
no canal todo dia? Ou será que não adianta e eu estou sendo ingênuo,
aos 65 anos de idade? Nunca vi nada mais chocante”, afirmou o psicólogo
Mauricio Florence, professor da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
Eles são carentes de tudo. Disseram que qualquer ajuda
é bem-vinda: comida, bebida, roupas, materiais de higiene pessoal,
móveis e eletrodomésticos. “Está chegando o Natal. Queria uma roupa”,
contou Paulinho, flagrado dentro do Canal do Arruda, só o pescoço do
lado de fora. O sonho unânime das crianças é ganhar uma casa.
A
vida de Paulinho seguia normalmente ontem. Do ponto de vista prático,
nada mudou ainda. Foi à escola de manhã e à tarde brincava num balanço
improvisado na beira do canal. O local, mesmo imundo, é sobrevivência e
diversão.
A reportagem voltou na tarde ontem ao Canal do Arruda,
na Zona Norte do Recife, e se deparou com um serviço tímido de limpeza
do fosso. Caminhão e trator trabalhavam em uma margem do local retirando
montanhas de entulhos, enquanto do outro lado, cerca de 500 metros
adiante, 12 homens da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb)
garimpavam a sujeira em que, dias atrás, os três meninos de Saramandaia
mergulhavam. Mesmo assim, o lixo ainda imperava no cenário. No trecho,
duas placas avisavam: “Desculpem-nos o transtorno. Prefeitura
trabalhando”. Foi ali que o prefeito Geraldo Julio anunciou, logo em seu
primeiro mês de governo, um megaprojeto de revitalização do canal,
orçado em R$ 107 milhões, mas que ainda não saiu do papel.
O
secretário de Imprensa, Carlos Percol, afirmou que o projeto de
urbanização do canal está sendo tocado, assim como o galpão de triagem
que deve beneficiar cem famílias que trabalham com reciclagem e será
entregue em janeiro.
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/noticia/2013/11/05/ministerio-publico-do-trabalho-vai-usar-materia-do-jc-em-acao-civil-publica-contra-a-prefeitura-do-recife-104167.php