'Minha irmã batia nela porque ela me chamava de mãe', lembra Marlene.
Hoje, a sobrinha dela tem 30 anos, é casada e tem três filhas.
Apesar de nunca ter engravidado, Marlene Pereira dos Santos, de 50
anos, sempre tem a casa cheia no dia das mães. A visita e o carinho
preferidos cabem à sobrinha Marcileia Pollyanna, que foi rejeitada pelos
pais por ter deficiência mental e traços de Síndrome de Down. A
moradora de Ceilândia, no Distrito Federal, assumiu a criação da menina mesmo ganhando apenas um salário mínimo a vida inteira como empregada doméstica.
O diagnóstico veio quando a criança tinha quatro meses. "Ela vivia
doentinha e precisou ser internada. Ficou mais de mês no hospital. Aí um
dia o médico disse para a minha irmã que ela teria que ser forte e
contou o motivo. E ela gritava: 'Eu tive filho normal, não tive filho
Down nenhum, não. Eu não quero essa menina'. Aquilo cortou meu coração",
lembra Marlene.
Laudos apontam deficiência mental e traços de síndrome de Down em Marcileia Pollyana (Foto: Raquel Morais/G1)
A tia decidiu garantir que, além de muito amor, a garota teria uma vida
como a de qualquer outra criança, respeitando as limitações dela.
Primeiro, procurou ajuda especializada: durante toda a infância,
Pollyanna foi acompanhada por psicólogos e neurologistas e tomou
medicamentos para combater crises convulsivas. Além disso, sempre
estudou em escolas de ensino especial e participou das atividades
oferecidas pelo colégio.
"A deficiência existe, claro, mas ela é só um detalhe quando se tem
amor. E sem amor não tem nada que dê certo, mesmo se a pessoa não tiver
deficiência", afirma. "Ela é meu maior orgulho. Já ajudei outras
sobrinhas, minha casa fica aberta para quem precisar de abrigo, mas ela é
diferente. Tenho certeza de que Deus a fez para mim. Eu a amo mais do
que tudo."
Foi graças ao esforço da tia que Pollyanna pôde, aos 17 anos, passar 21
dias participando de um campeonato de handebol nos Estados Unidos. A
jovem ganhou a vaga de goleira em um sorteio da escola, mas dependia de
conseguir a documentação a tempo e da assinatura da mãe biológica para
viajar. Coube a Marlene convencer a irmã.
"Pedi R$ 600 adiantado para a minha patroa, para poder tirar
passaporte, fazer as fotos e dar algum dinheirinho para ela, né. E
discuti com a minha irmã. Falei que ela não precisava se meter, que já
que nunca quis me dar a guarda, ao menos deixasse a menina viver. Ela
dizia que a filha não merecia. Insisti. Falei que eu cuidava de tudo.
Com muito custo ela assinou. Aí o juiz assinou também, representando o
pai", conta.
Por causa da proximidade entre tia e sobrinha, Marlene afirma que a
irmã começou a sentir ciúme e já quis pegar a filha de volta. A
ex-doméstica lembra que precisou ensinar Pollyanna a gostar da mãe, além
de sempre estar reforçando o carinho entre elas. "Minha irmã batia nela
porque ela me chamava de mãe."
Reconhecimento
Hoje, aos 30 anos, casada e com três filhas, Pollyanna ajuda a sustentar a tia, que está desempregada desde o ano passado. Trabalhando como faxineira de uma faculdade de Taguatinga, ela afirma que Marlene é o "alicerce" da vida dela.
Hoje, aos 30 anos, casada e com três filhas, Pollyanna ajuda a sustentar a tia, que está desempregada desde o ano passado. Trabalhando como faxineira de uma faculdade de Taguatinga, ela afirma que Marlene é o "alicerce" da vida dela.
Marcileia Pollyanna e a tia Marlene, que a criou (Foto: Raquel Morais/G1)
"Ela é meu tudo, sempre foi. Gostaria de poder fazer mais por ela. Meu
grande sonho, se Deus quiser a gente dá um jeito até o fim do ano, é
tirá-la desse aluguel. Ela deixou a casa enorme que ela tinha para vir
morar perto de mim. Hoje, ainda cuida da minha menina mais velha durante
a semana. Ela é tudo", afirma.
Pollyanna diz não sentir raiva da mãe. Ela afirma que a visita com
frequência para conversar e que sempre oferece ajuda. Mas, segundo ela, o
sentimento de amor e gratidão são e sempre serão mesmo por Marlene.
"Não é e nunca vai ser igual. Quando eu era criança, minha tia
conseguiu uma cirurgia para corrigir minha miopia – enxergo menos de
10%, mas teve que viajar e deixou para a minha mãe me levar. Ela nem se
importou", diz. "Se minha tia estivesse aqui, não importaria a situação,
seria prioridade. Eu sempre fui a dela. Ela sempre me amou. E é por
isso que me orgulho muito de ser o maior orgulho dela."
http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/05/sem-filhos-domestica-cria-sobrinha-com-down-rejeitada-pelos-pais-no-df.html