Segundo pesquisa, não há maioria de posição no DF. Tema deve ser votado no STF no próximo mês
A
possível descriminalização do porte de drogas para uso pessoal divide a
opinião dos brasilienses. Pesquisa do Instituto Exata OP, publicada com
exclusividade pelo Jornal de Brasília, revela que a medida ainda é um
tabu para boa parte da população.
A maioria dos 600 entrevistados, 49%, acredita que o ideal é não
absolver nem o uso nem a comercialização dos entorpecentes. Mas outras
duas opiniões mostram que a votação no Supremo Tribunal Federal (STF)
não será uma decisão fácil.
Para 26% dos entrevistados, o melhor seria descriminalizar o porte
para uso pessoal. Já 24% avaliam que o ideal é descriminalizar o consumo
privado e a comercialização. Nesse cenário, que agora depende da
decisão de outros dez ministros do STF, o diretor do instituto Exata OP,
Marcus Caldas, avalia: “A soma dos que são favoráveis à
descriminalização do consumo e os que querem a liberação do porte e a
comercialização mostra que a população está dividida sobre o tema”.
Porém, é nesse mesmo contexto que uma certeza surge entre a maioria.
Para os brasilienses, o uso de drogas não é caso de polícia. Apenas 15%
das pessoas questionadas acreditam que a segurança pública pode resolver
o problema. Para 46,3%, a questão dos entorpecentes passa, primeiro,
pela educação. Outros 37% afirmam que é um desafio de saúde pública.
A pesquisa aponta que 77% das pessoas abordadas dizem nunca ter
experimentado drogas. No entanto, de acordo com Marcus Caldas, a
informação dos entrevistados pode não ser verdadeira, já que o
questionamento ainda é motivo de constrangimento para a maioria.
Questão qualitativa
Segundo
Caldas, nas pesquisas em profundidade qualitativa, os números dos que
já tiveram algum contato direto com alguma droga ilícita ultrapassa 40%.
“E, aprofundando o tema relativo a problemas com drogas em conhecidos
próximos ou parentes, o número chega a 70%”, completa o diretor do
instituto Exata OP.
“O perfil homem, com idade entre 27 e 48 anos, é o que mais afirma
ter consumido algum tipo de droga”, ressalta, referindo-se aos 27% dos
que reconheceram terem tido experiências com entorpecentes.
Entre as mulheres, 13% confirmam que usaram algum tipo de droga.
Somando todos, 138 pessoas afirmaram ter experimentado entorpecentes
pelo menos uma vez. O restante, 468, negaram a experiência. Dos homens,
vale ressaltar que a maioria, 49, acreditam que o ideal é não
descriminalizar as drogas nem para usuários e nem para a
comercialização. A mesma resposta foi obtida de 51 mulheres.
"Punição desproporcional"
Enquanto a população do DF mostra-se contrária à ideia da
descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, fato é que o STF
deve concluir a votação do tema no próximo mês. Vale lembrar que o
relator do caso, ministro Gilmar Mendes, decidiu pela
inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006),
que define como crime o porte para uso do indivíduo.
Em seu voto, Gilmar Mendes disse acreditar que a criminalização
estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de
danos. O ministro destacou também que se trata de uma punição
desproporcional para o usuário, ineficaz no combate às drogas, além de
infringir o direito constitucional à personalidade.
“Tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é
inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o
direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias
manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional”, apontou,
durante sessão.
Depois do voto de Gilmar Mendes, o ministro Edson Fachin, que
solicitou vista após decisão do relator, informou que cumprirá o prazo
regimental de entrega do parecer e deve voltar ao processo até o dia 31
deste mês.
Debate é complexo e antigo na Justiça do País
O debate jurídico sobre a criminalização ou não do porte de drogas
para uso pessoal teve início em 2009, com a condenação de um mecânico de
55 anos à prisão por porte de maconha para consumo próprio em Diadema,
em São Paulo. A defensoria do estado, no entanto, diz que o artigo 28
viola o princípio da intimidade e da vida privada. O caso chegou ao STF
em 2011 e decidiu-se que a sentença do Supremo valeria para todos.
De acordo com as normas da corte, o processo deve ser devolvido na
segunda sessão após o pedido do ministro. Após liberação de Fachin, o
presidente do STF, Ricardo Lewandowski, coloca o tema em pauta.
E, se na avaliação dos brasilienses e dos ministros do STF o tema é
complexo, por outro lado, há quem seja extremamente contrário à ideia. É
o caso do delegado da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord),
Rodrigo Bonach. No entendimento dele, a descriminalização seria
“equivocada”.
“Somos contrários, eu e a coordenação, haja visto os efeitos
deletérios sobre a segurança pública que o tema envolve. Entendemos que
essa facilitação do consumo pode aumentar a quantidade de pessoas
viciadas, que podem se voltar à criminalidade, além de causar impacto na
saúde pública”, diz.
Por outro lado, aponta Bonach, o tráfico continua e vai continuar
sendo crime. “O único meio de os consumidores obterem a droga é pelos
traficantes. Mesmo que nós descriminalizássemos o tráfico, por exemplo,
iria subexistir aí o crime de contrabando. Em torno do financiamento de
drogas, há outros crimes, como roubos, furtos, posse de armas, lavagem
de dinheiro. São crimes que transitam em torno do tráfico e que vão
continuar a existir”, salienta o delegado.
Na opinião de Bonach, a medida, que revela uma “legislação bipolar”,
vai na contramão do que o País luta há anos. “Existe uma forte campanha
para diminuir o consumo de drogas lícitas, como álcool e tabaco, e uma
campanha forte para liberação do uso de drogas ilícitas. Vejo um
contrassenso nisso”, salienta.
Docente diz que medida é um avanço
Docente de Direito Público e Penal e especialista em Ciências Sociais
da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Vargas considera a medida um
importante passo rumo ao direito privado e pessoal dos que fazem uso de
drogas.
“Sendo a pessoa adulta e o uso feito de maneira livre, ela pode fazer
uso da substância que bem entender”, avalia. Porém, ressalta, a
aprovação da lei não pode vir sozinha: “Se o Supremo decidir pela
descriminalização, o legislador precisa estabelecer lei que diferencie
consumo e tráfico para o consumidor não ser preso como pequeno
traficante”.
A professora lembra que em outros países, como o Uruguai, que
legalizou o uso da maconha, não houve aumento de consumo. “É necessário
que o Brasil avance ao menos na descriminalização. Isso é um passo para
diminuir a violência, o problema de saúde pública. Vejo com muitos bons
olhos a medida”, conclui.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília