A investigação sobre a morte de Amarildo de Souza, realizada pela
Polícia Civil do Rio, reuniu 22 depoimentos de pessoas que teriam sido
torturadas nos últimos seis meses pelos policiais da UPP (Unidade de
Polícia Pacificadora) localizada na Rocinha, favela da zona sul carioca.
De acordo com o delegado Rivaldo Barbosa, titular da Divisão de
Homicídios, apesar de não haver no inquérito uma testemunha que tenha
visto Amarildo sendo torturado, os 22 relatos traduziriam como procediam
os policiais sob o comando do major Edson Santos ao interrogar as
pessoas consideradas por eles como suspeitas de ligação com o tráfico.
Entre as agressões, informou o delegado, choques elétricos e asfixias
com uso de sacos plásticos eram recorrentes nos depoimentos.
"Estamos convencidos de que Amarildo sofreu este mesmo tipo de tortura", afirmou o delegado.
A equipe da Divisão de Homicídios também grampeou, com autorização
judicial, os telefones de todos os indiciados pelo desaparecimento do
morador da Rocinha.
Em uma das ligações interceptadas, o policial Marlon Campos Reis em
conversa com sua namorada mencionou a investigação em curso: "Eles já
sabem o que aconteceu. Só não têm como provar".
A RECONSTITUIÇÃO DA PRISÃO
Durante uma entrevista coletiva que se estendeu por mais de uma hora, o
delegado Rivaldo Barbosa reconstituiu em detalhes os últimos momentos de
Amarildo, baseado nos 133 depoimentos que resultaram em um inquérito de
2000 páginas.
No domingo, 14 de julho, data do desaparecimento de Amarildo, havia uma
operação da Polícia Militar em curso na Rocinha com o objetivo de
prender traficantes dentro da comunidade.
Um informante teria relatado a Douglas Vital, um dos policiais da UPP na favela, uma conversa entre Amarildo e um traficante.
"Nós chegamos a esse informante. Ele ouviu o Amarildo dizer a um
traficante que não queria mais ficar com a chave do paiol de armas".
REGISTROS DE TELEFONE
De acordo com o delegado, o informante revelou detalhes das conversas
telefônicas que teve com Vital, onde indicou o localização de Amarildo
para que os policiais da UPP pudessem prendê-lo. Os policiais têm os
registros com os horários exatos das ligações entre o informante e Vital
naquele dia 14 de julho.
"Às 18h59m, o soldado Douglas Vital já estava posicionado no bar
(próximo à casa de Amarildo) e ligou para o informante para saber onde
ele estava. O informante disse que Amarildo já estava a caminho",
relatou a delegada Ellen Souto, da Divisão de Homicídios, que também
participou da investigação.
O informante que passou a colaborar com os investigadores foi incluído no Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas.
"BOI, PERDEU. CHEGOU A TUA HORA!"
Ao se aproximar do bar, Amarildo foi o único a ser abordado. Ao vê-lo, Vital teria dito: "Boi, documento!"
Boi era o apelido de Amarildo. Do bar, ele seguiu em direção ao Centro
de Comando e Controle (CCC) da UPP. No caminho, segundo a investigação,
uma outra testemunha teria ouvido o soldado Douglas Vital dizer ao
morador: "Boi, perdeu. Chegou a tua hora."
Do CCC, Amarildo foi levado pelo policiais ao encontro do major Edson
Santos na sede da UPP, situada na parte mais elevada da Rocinha. Foi o
lugar onde Amarildo teria sido torturado, segundo concluíram os
investigadores da Divisão de Homicídios.
A CÂMERA DO ESCADÃO
Nos depoimentos, os policiais indiciados apresentaram a mesma versão: na
sede da UPP, eles perceberam que não havia razão para deter o morador,
que acabou liberado e seguiu para casa descendo por um escadão existente
perto do posto policial.
Uma das 84 câmeras de monitoramento espalhadas pela Rocinha estava
direcionada para este mesmo escadão, e não houve registro da passagem de
Amarildo pelo local.
"Descobrimos que os policiais indiciados não sabiam da existência desta
câmera no escadão. Por isso, eles criaram a tese de que Amarildo teria
usado este caminho para voltar para casa", acrescentou Ellen Souto.
MORTE EM SEDE DA UPP
A divisão de homicídios também ouviu o depoimento de um policial que
teria passado pela UPP no momento em que Amarildo estaria sendo
interrogado pela equipe do major Edson Santos.
"O policial narrou que, quando chegou à sede da UPP, não havia ninguém
no contêiner (adaptado como base para os policiais da unidade), mas ele
enxergou um aglomerado de pessoas no parque ecológico", disse Elle
Souto.
O tal parque é um terreno rodeado pela mata, situado na área onde a sede
do UPP está instalada. Em seu testemunho, o policial não especifica se
eram policiais que estavam naquele grupo de pessoas reunido em torno de
meia-noite perto da UPP.
O inquérito não esclarece qual teria sido o destino do corpo de
Amarildo. Os investigadores informaram que oito cadáveres encontrados em
todo o Estado do Rio estão sendo periciados com o objetivo de checar se
entre eles estaria o morador da Rocinha.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/10/1352360-delegado-diz-estar-convencido-de-que-amarildo-foi-torturado.shtml