O
ex-presidente do Banco Central deve ser o chefe das finanças do governo
Michel Temer, caso o Senado afaste a presidente Dilma Rousseff. Conheça
as suas armas para tirar o País da recessão
Desde
a sua saída da presidência do Banco Central (BC), no fim de 2010,
Henrique Meirelles jamais abandonou o desejo de retornar ao proscênio da
política. Muito elogiado pelos seus oito anos à frente da autoridade
monetária, Meirelles avaliava concorrer a um cargo eletivo. Para os
amigos e assessores mais próximos, jamais escondeu a sua lista de
pretensões, que incluíam o governo de Goiás, seu estado natal, a
Prefeitura e o Governo de São Paulo, e até a Presidência da República.
Na
campanha de 2010, tentou ocupar a vaga de vice na chapa de Dilma
Rousseff. Preterido pelo PMDB em favor de Michel Temer, acabou
arquivando temporariamente os planos políticos para se dedicar ao setor
privado e à presidência da Autoridade Pública Olímpica (APO), órgão
responsável por gerenciar as obras no Rio de Janeiro. Agora, a poucos
dias da decisão do Senado sobre o afastamento da presidente Dilma,
Meirelles está a um passo de voltar a Brasília. Após um profícuo
encontro com o vice-presidente Temer, seu nome foi selado para o
Ministério da Fazenda.
Aos 70 anos, o goiano formado em engenharia
civil, que virou executivo financeiro de sucesso, terá pouco tempo e
uma pequena margem de manobra para enfrentar a maior recessão da
história do País. Temer tem sido cauteloso na formação do seu futuro
governo. Não quer passar a impressão aos senadores, que ainda votarão o
processo de impeachment de Dilma, de que está sentando na cadeira antes
da hora. “Não posso, em respeito ao Senado, tratar da formação de um
eventual governo, mas tenho que estar preparado para, conforme o rito,
assumir o governo no dia seguinte, caso a decisão seja pelo afastamento
temporário da senhora presidente da República”, afirmou Temer, na
terça-feira 26.
Essa preparação tem sido feita através de inúmeras
reuniões no Palácio do Jaburu, sede oficial da Vice-Presidência, além
de encontros políticos como o realizado na quarta-feira 27, com os
senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG), na
residência oficial da Presidência do Senado Federal. Na tarde de sábado
23, Temer recepcionou Meirelles para uma longa conversa sobre a situação
econômica do País. O diagnóstico dramático não surpreendeu o
vice-presidente, que havia recebido, dias antes, análise semelhante do
ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.
No entanto, ficou
“muito bem impressionado”, segundo suas próprias palavras, com as ideias
de Meirelles para virar o jogo num mandato que terá apenas dois anos e
meio de duração. Ao jornal O Globo, Temer informou que escolherá o
ministro do Planejamento (será o senador roraimense Romero Jucá), mas
delegará “ao Meirelles” a indicação do presidente do BC e outros
integrantes da equipe econômica. “Confesso que se eu tivesse que assumir
hoje, o Ministério da Fazenda seria dele”, afirmou Temer, se referindo
ao ex-presidente do BC. Imediatamente a Bovespa passou a subir e
encerrou o pregão do dia em forte alta.
O mercado financeiro
aplaude a ida de Meirelles para a Fazenda por seu histórico como
guardião da moeda, sua credibilidade internacional e sua larga
experiência no setor privado, que inclui a presidência mundial do
BankBoston, na década de 1990, e, atualmente, a presidência do Conselho
da J&F, holding do grupo que detém as marcas Friboi, Seara, Vigor e
Havaianas, além do Banco Original, Eldorado Brasil e Canal Rural, entre
outros negócios. “Meirelles é um executivo de mão cheia, que
atrai pessoas competentes”, diz José Júlio Senna, ex-diretor do BC. “É
difícil pensar num nome melhor neste momento.”
A favor do
ex-presidente do BC conta ainda o seu interesse pela política, que lhe
será de grande serventia nas difíceis negociações com os parlamentares.
“Meirelles tem experiência para dizer ‘não’ e isso será importante, por
exemplo, na renegociação das dívidas dos Estados”, diz Carlos Thadeu de
Freitas, chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Além disso, contará com um
Congresso mais dócil, com maioria pró-Temer. Eleito deputado federal
pelo PSDB (foi o mais votado em Goiás), em 2002, Meirelles não chegou a
frequentar o Salão Verde do Congresso Nacional, pois aceitou o convite
do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar o BC.
Em
2009, se filiou ao PMDB de olho nas eleições do ano seguinte, mas não
se candidatou. Em outubro de 2011, migrou para o PSD, partido criado
pelo ex-ministro Gilberto Kassab, com a intenção de disputar a
Prefeitura de São Paulo. Foi sondado para concorrer ao governo paulista,
na eleição seguinte, quando afirmou, em entrevista à DINHEIRO, que “ser
governador do maior estado do País era uma questão de oportunidade e
destino”. A oportunidade não surgiu e o destino lhe coloca agora
novamente em Brasília.
ARMAS ECONÔMICAS Com a
situação fiscal em frangalhos – o País registra sucessivos déficits
primários desde 2014 –, o ministro da Fazenda do novo governo sabe que a
prioridade é colocar as contas públicas numa trajetória sustentável.
Porém, o orçamento engessado, que torna obrigatórios mais de 90% dos
gastos, dificulta a missão. A pedido de Temer, o senador Jucá, cotado
para o Ministério do Planejamento (conheça a lista dos ministeriáveis ao
longo desta reportagem), trabalha no Congresso Nacional pela aprovação
da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a desvinculação
de 25% das receitas de Estados, municípios e União pelos próximos quatro
anos.
Interlocutores do vice-presidente da República garantem que
está descartada, ao menos inicialmente, uma rodada de elevação de
tributos. Esse discurso foi repetido em um encontro de seis horas com o
presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
Paulo Skaf, no domingo 24. “Ele não é a favor de aumento de impostos”,
afirmou Skaf. A posição de Temer difere parcialmente da opinião de
Meirelles que avaliara, uma semana antes, em Nova York, que seria
preciso elevar a carga tributária “temporariamente” para melhorar o
quadro fiscal.
No mesmo evento, organizado pela Câmara de Comércio
Brasil-Estados Unidos, o futuro ministro da Fazenda externou alguns
pontos de vista que simbolizam suas armas econômicas para dar um choque
de expectativas. Na área fiscal, ele prega a desindexação do salário
mínimo, cuja fórmula engloba a variação do Produto Interno Bruto (PIB)
de dois anos antes e a inflação do ano anterior. Além disso, defende uma
reforma da previdência, com adoção de idade mínima, e uma reforma
tributária que simplifique o sistema de impostos do País.
Assessores
do PMDB sinalizam que a tesoura do governo poderá atingir até 60% dos
investimentos, mantendo apenas as obras já em andamento. No âmbito
monetário, Meirelles não abre mão do atual nível de reservas cambiais,
acima de US$ 350 bilhões, nem da livre flutuação do câmbio, que só
sofreria intervenções em momentos de alta volatilidade. Com a autoridade
de quem foi o mais longevo presidente do Banco Central, Meirelles
empunha a bandeira da autonomia formal do órgão.
A independência
do BC, na avaliação dos especialistas, poderia gerar condições mais
favoráveis para o País ter juros menores. No mercado financeiro, já
existe uma avaliação predominante de que a recessão é tão profunda que o
atual nível de juros tornou-se desnecessário para derrubar inflação.
“Se a inflação está caindo de 10% para 7%, há espaço para a Selic cair
três pontos percentuais, mantendo o mesmo patamar de juro real”, diz
Érico Ferreira, presidente da Associação Nacional das Instituições de
Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).
Na quarta-feira
27, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter, por
unanimidade, a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano, mas não
fechou as portas para um futuro corte. Além de reduzir a Selic,
Meirelles acredita que a melhor forma de despertar o “espírito animal”
do empresariado é desengavetar as concessões de infraestrutura. São
projetos de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos que, somados, podem
movimentar quase R$ 200 bilhões em investimentos nos próximos anos e,
de quebra, melhorar a arrecadação do governo federal.
Outro
ponto que agrada o setor privado é a flexibilização das leis
trabalhistas, dando mais autonomia para as negociações entre sindicatos e
empresas. “Com Meirelles, o governo Temer se blinda das críticas do PT,
pois ele foi ‘companheiro’ dos ‘companheiros’ no governo Lula”, diz
Roberto Macedo, ex-secretário de política econômica do Ministério da
Fazenda. Com o objetivo de reafirmar sua posição em favor dos mais
carentes, o PMDB está apresentando um plano social.
Na
sexta-feira 29, após novo encontro, desta vez na casa de Temer, em São
Paulo, Meirelles foi indagado sobre os desafios do novo governo. “Em
primeiro lugar, restaurar a confiança na solvência futura do Estado
brasileiro”, afirmou. “E, em segundo lugar, adotar medidas que possam,
de fato, conjuntamente com a restauracão da confiança, levar a um
aumento de investimento e, em consequência, das contratações, das
concessões de empréstimos, para que as empresas voltem a produzir,
contratar e reverter a trajetória da contração da economia brasileira
hoje.” Além das declarações públicas, é possível decifrar o seu
pensamento econômico a partir dos seus artigos publicados na Folha de
S.Paulo.
O texto mais recente destaca que os investidores
internacionais terão um “papel fundamental” na retomada da economia
brasileira, via investimento direto ou aquisição de ações e títulos de
empresas. Nos seus 17 artigos publicados neste ano, as 10 palavras mais
utilizadas foram: economia (40 vezes); Brasil (39); inflação (37);
investimento (33); política (27); mercado (25); crescimento (22); juros
(21); expectativa (21); e confiança (20). O vocabulário de Meirelles
reforça a percepção de que ele já tem o diagnóstico correto dos
problemas e o plano para tirar o País do buraco. Só faltam o sinal verde
do Senado Federal e a assinatura de Temer.
“Meirelles é banqueiro. Não é milagreiro”
Alexandre
Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, elogia a escolha de Henrique
Meirelles para o Ministério da Fazenda, mas salienta que os desafios
fiscais são enormes
Qual a sua avaliação sobre a escolha de Meirelles para a Fazenda?
É um bom nome, tem as ideias certas e vai montar um time bom. Ele é banqueiro, mas não é um milagreiro.
Ele terá mais respaldo político do que o Joaquim Levy teve?
Menos
respaldo seria difícil. O Joaquim ficou solenemente pendurado na brocha
a maior parte do período dele na Fazenda, pedindo uma escada, mas não
deram. O vice-presidente Michel Temer está a par do que está acontecendo
e parece ter entendido o tamanho da encrenca.
O ajuste fiscal será realizado?
Sou pessimista em relação ao tamanho do ajuste necessário. São R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões em 5 anos.
Como foi sua convivência com Meirelles no Banco Central?
Trabalhei
dois anos e meio com o Henrique e nos demos bem. Ele é bastante
reservado. Agora, com ele na Fazenda, acredito que o BC terá
independência.
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“O primeiro passo é reduzir os juros”
Luiz
Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de política econômica do Ministério da
Fazenda, defende a redução imediata dos juros para melhorar a dívida
pública
Qual a sua avaliação sobre a escolha de Meirelles para a Fazenda?
Antes
de mais nada, gostaria de dizer que eu não acho bom para a democracia
esse tipo de troca de governo. Quanto ao Meirelles, eu vejo com
preocupação o histórico de juros altos.
Já é possível reduzir os juros?
Claro.
É uma aberração manter a taxa de juros com a inflação despencando por
causa da recessão. A trajetória da relação dívida/PIB é crescente por
causa do impacto dos juros. O primeiro passo é reduzi-los.
O sr. acha que o resultado ruim contribuiu para o apoio da população ao impeachment da presidente Dilma Rousseff?
O ambiente ruim na economia, sem dúvida, ajudou muito. É muito claro. É só olhar as pesquisas de opinião.
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Presente de grego para o novo governo
Por Gabriel Baldocchi
Uma
bomba fiscal de R$ 402 bilhões espera Michel Temer caso a presidente
Dilma Rousseff seja afastada pelo Senado no início de maio. O
peemedebista terá de convencer os governadores a recuarem da ofensiva no
Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de revisão da forma de cálculo
da dívida dos Estados com a União. A decisão do pleito iniciado por
Santa Catarina estava prevista para a sessão da quarta-feira 27, mas foi
adiada por 60 dias para que as partes possam negociar.
Diante de
uma crise profunda no caixa do Estado, o governador catarinense,
Raimundo Colombo (PSD), aproveitou uma brecha legal para defender a
incidência de juros simples, em vez de compostos (juros sobre juros),
sobre o estoque da dívida, contrariando a lógica prevalecente na
esmagadora maioria dos contratos financeiros. Se a tese for aceita, as
dívidas estaduais com o governo federal cairiam de R$ 421 bilhões para
R$ 42 bilhões e gerariam uma insegurança jurídica para todo o conjunto
de operações no País – qualquer um poderia questionar os mesmos direitos
num financiamento de veículos, por exemplo.
Por essa lógica, os
impactos são incalculáveis. Até agora, oito Estados conseguiram
liminares favoráveis à questão dos juros simples, com um impacto de R$
2,6 bilhões para a União, apenas em abril. A decisão continua a valer
durante os 60 dias. A proposta inicial da equipe econômica para aliviar a
crise nos Estados previa um alongamento da dívida e uma redução
temporária nas parcelas. Havia resistência, porém, em relação às
contrapartidas exigidas, como a proibição à renúncia tributária, redução
nas despesas com cargos comissionados e adoção de leis de
responsabilidade estaduais. “A renegociação das dívidas foi bastante
favorável”, afirma Mônica Mora, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea).
“A iniciativa de pleitear no STF fugiu um pouco
do que poderíamos esperar nesse momento.” Uma grande negociação de
dívida foi fechada entre Estados e União em 1997. O endividamento vinha
caindo desde então, mas um novo ciclo de crédito se iniciou após a crise
financeira de 2008 e culminou num novo acordo, em 2014. “Teve um
momento de bonança e os governos estaduais acabaram fazendo novos
gastos”, afirma Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre).
“Não estavam preparados para enfrentar um momento adverso como o
atual.”
http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20160429/que-henrique-meirelles-pode-fazer-pela-economia/367769