Lançamentos de unidades com menos de 35 m² aumentaram 16 vezes nos últimos 5 anos, seguindo tendência de outras metrópoles globais.
Pela lei brasileira, cada preso deve ter um mínimo de 6 m² nos
centros de detenção do País. Mas se um casal resolver morar em um dos
microapartamentos de luxo lançados nos últimos meses em bairros nobres
de São Paulo pode ter apenas o dobro desse espaço per capita para chamar
de "lar, doce lar".
Segundo um levantamento feito para a BBC
Brasil pela Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio), em
2012 foram lançados na cidade de São Paulo um total de 2.818 unidades
residenciais de menos de 35 m², um aumento de mais de 16 vezes em
relação a 2008 (quando os lançamentos totalizaram 169 unidades).
- Escritório para morar é tema de mostra de Jean Nouvel em Milão
- Escritório para morar é tema de mostra de Jean Nouvel em Milão
Só para citar alguns exemplos, a
incorporadora e construtora Vitacon acaba de lançar um imóvel de 25 m²
na Vila Olímpia e outro de 21 m² em Perdizes; a MAC lançou o
empreendimento "Now" no Alto da Boa Vista, que tem alguns apartamentos
de 31 m²; e a Fernandez Mera promete entregar em abril o Vila Nova
Concept, na Vila Nova Conceição, que tem estúdios de até 30 m² em
edifícios com SPA, academia, home theater e espaço gourmet.
Além disso, os imóveis projetados para abrigar famílias
estão cada vez menores. Hoje não é raro encontrar um lançamento de dois
quartos com algo em torno de 55 m², por exemplo, o que ajuda a
movimentar o filão dos móveis dobráveis e das revistas especializadas
nos "segredos" da decoração de espaços pequenos.
"Por volta de 2007 e 2008 houve um grande número de
lançamentos de apartamentos de três ou quatro dormitórios", explica Luiz
Paulo Pompéia, diretor da Embraesp. "Agora, a surpresa são esses
microapartamentos, que não raro se apresentam como empreendimentos de
luxo, ficam em bairros bem localizados e oferecem serviços e área de
lazer."
Segundo Pompéia, os apartamentos de até 35 m² visam
atender a uma demanda criada, de um lado, por mudanças sociais e
demográficas, como a redução do tamanho das famílias brasileiras, o
aumento do número de solteiros e o envelhecimento da população, que
infla o grupo dos idosos morando sozinhos. Do outro, pelo aumento dos
preços de imóveis e terrenos na cidade - que torna unidades maiores
inacessíveis a muitas parcelas da população.
O crescimento econômico dos últimos anos motivou mais
pessoas a correrem atrás do sonho da casa própria. Mas em muitos casos -
e principalmente se quiserem morar em regiões centrais - o único que
elas podem bancar é o microapartamento próprio.
Muitos empreendimentos também são
oferecidos como opção de investimento. Segundo as empresas, os
compradores poderiam lucrar alugando os imóveis para estudantes,
executivos e estrangeiros. Pompéia, porém, recomenda cautela e diz que
só uma análise caso a caso pode dizer se trata-se de um bom negócio.
Futuro?
A capital
paulista não está sozinha nessa "onda dos microapartamentos". Até os
anos 90, relatos sobre os "miniflats" japoneses ainda causavam espanto
em diversos países. Hoje, a redução progressiva do tamanho das moradias
ocupadas por famílias e profissionais de classe média é uma tendência em
regiões centrais de metrópoles dos mais variados cantos do globo - dos
EUA ao Canadá e Grã-Bretanha - o que vem alimentando uma série de
polêmicas e debates.
Afinal, o homem está preparado para viver em espaços que
na geração passada correspondiam a uma sala ou duas vagas grandes de
garagem (25 m²)? Qual o limite para a redução dos espaços das moradias
humanas?
O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, é um dos que
acreditam que o miniapartamento é o futuro inevitável do mercado
imobiliário das grandes metrópoles - ou a pequena solução para os
grandes problemas de falta de moradia e preços exorbitantes dos imóveis
atualmente disponíveis.
Hoje, o aluguel de um studio em Manhatan gira em torno de
US$ 2.700 (R$ 5.300). Desde 1987, uma lei proíbe a construção de
moradias de menos de 37 m² - e até pouco tempo a regra só podia ser
quebrada para as "moradias sociais", que abrigam populações vulneráveis.
Bloomberg, porém, resolveu abrir uma
exceção para um projeto piloto de cubículos habitáveis. Um concurso foi
lançado no ano passado - o "adAPT" - e o microapartamento vencedor, um
projeto com 55 unidades que têm de 23 m² a 34 m², deve ficar pronto em
2014. Se for bem recebido pelo mercado e a população, a ideia é que a
lei seja mudada.
Inovações
Antes disso, porém, os
finalistas do adAPT podem ser conferidos na exposição Making Room
("Abrindo Espaço") organizado no Museu da Cidade de Nova York para expôr
as inovações arquitetônicas e de design que fariam dos
microapartamentos soluções viáveis para a questão da moradia no século
21, segundo entusiastas.
A exposição tem um modelo em escala natural de uma
microquitinete com móveis versáteis - como uma cama que pode ser
escondida na parede, liberando espaço para uma sala. Também inclui o
projeto de um apartamento especialmente desenhado para grupos de
solteiros - dividido em áreas comuns compartilhadas e áreas privativas
reduzidas.
"Além disso, expusemos projetos já construídos em outras
cidades e países", disse à BBC Brasil o curador da exposição, Donald
Albrecht, especialista em design e arquitetura.
O arquiteto Gary Chang, por exemplo, projetou em Hong
Kong um miniflat com paredes móveis, que escondem utensílios e podem
criar 24 ambientes diferentes em uma área mínima. Outros projetos exibem
janelas amplas, pés direitos altos e uma infinidade de estratagemas
para ampliar a "sensação de espaço".
"Hoje há uma série de profissionais trabalhando no
aprimoramento de microapartamentos em lugares como Vancouver e Montreal,
no Canadá, Seattle e San Diego, nos EUA, Tóquio e Hong Kong, onde eles
já são uma realidade", diz Albrecht.
A cidade de San Francisco em novembro mudou sua
regulamentação para reduzir o limite mínimo de tamanho dos imóveis para
20 m². "É difícil pensar em uma solução para o problema de moradia nas
metrópoles modernas, superpopuladas, que não passe pela quitinete",
acredita Albrecht.
Críticas
Há quem discorde. Nos EUA, por
exemplo, diversos urbanistas se opuseram à iniciativa de Bloomberg,
entre eles Richard Forida. Na sua opinião, para se fomentar comunidades
mais dinâmicas e com mais qualidade de vida, as cidades deveriam se
expandir "para fora", não adotar soluções que permitam o seu adensamento
populacional, como os microflats e a expansão "para o alto".
Entre as estratégias que poderiam dar apoio a essa
solução alternativa estão, por exemplo, o investimento em sistemas de
transporte para conectar áreas centrais a periféricas e incentivos para o
trabalho de casa.
No Brasil, Paulo Fabrianni, vice-presidente da ADEMI
(Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário) do Rio de
Janeiro apresenta argumentos semelhantes aos de críticos de Bloomberg
para justificar o atual limite de 50 m² para os imóveis novos da capital
carioca.
"É possível que esse limite seja flexibilizado para a
Zona Norte e regiões do Centro, onde há espaço para construir e a
densidade populacional ainda não é tão grande", diz Fabrianni, ao ser
questionado sobre o interesse do mercado carioca pelos
microapartamentos.
"Para a maior parte da cidade, porém, a restrição faz
sentido porque tais áreas já estão no limite de sua capacidade de
absorção e adensamento populacional. Não haveria mais espaço nas ruas
para mais carros, nem uma oferta suficiente de serviços públicos."
Londres
No Reino Unido, o debate sobre os "apartamenticos" também
é acalorado, como explica Sean Griffiths, diretor do estúdio de
arquitetura Fashion Architecture Taste, em Londres, e professor
visitante da Universidade de Yale.
Griffiths diz que uma tentativa de lançar
microapartamentos novos no mercado londrino na década passada teve
relativamente pouco sucesso e que haveria uma suposta resistência de
agentes financiadores a esse produto. Há algum tempo, porém, casas e
edifícios centenários da cidade têm sido divididos em diversas unidades
imobiliárias.
Em 2010, um cômodo de 8 m² usado para guardar vassouras e
esfregões em um edifício no bairro exclusivo de Knightsbridge (perto da
famosa loja de departamentos Harrods) chegou a ter seu valor estimado
em 200.000 libras (R$ 607 mil) ao ser convertido em microapartamento.
Segundo analistas, tal supervalorização é impulsionada
tanto pela especulação de investidores quanto pelo aumento de 12% no
número de habitantes da cidade na última década. Para completar, a
legislação vigente impede que Londres se expanda para além do que é
conhecido como seu "cinturão verde".
"Por uma questão cultural, os britânicos não gostam nem
sequer de morar em apartamento - só uma casa com jardim é vista como um
verdadeiro 'lar'. Por outro lado, também há muita resistência à expansão
vertical das cidades por causa do impacto ambiental potencial dessa
solução", diz Griffiths.
"Se todos quisessem morar em pequenas comunidades em
áreas verdes não haveria mais áreas verdes. Por isso, não vejo muito
como fugir de um futuro marcado pela expansão dos microapartamentos
também por aqui. Ao menos até uma possível reversão das atuais
tendências demográficas da cidade", opina.
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