Eduardo Suplicy ao tomar posse como secretário municipal de Direitos Humanos em SP
Eduardo Suplicy, senador por 24 anos e hoje secretário de Direitos
Humanos da Prefeitura de São Paulo, diz ter sido atingido pelo que
define como um "tsunami" que varreu o PT nos últimos meses.
Um
dos políticos da sigla com melhor imagem perante a opinião pública,
Suplicy é tido como íntegro e idealista - embora, para alguns críticos,
também um pouco ingênuo ou "contraditório".
Foi, em 1991, o
primeiro senador eleito pelo PT, partido que ajudou a fundar nos anos
80. No Congresso, redigiu pedidos de CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito) que resultariam no afastamento do então presidente Fernando
Collor e no escândalo dos Anões do Orçamento. No governo Lula,
contrariou uma diretriz da legenda e assinou, chorando, o pedido de
criação da CPI dos Correios, que escancararia o escândalo do mensalão.
Com um estilo pouco convencional, recebe cumprimentos e pedidos de foto
por onde passa. Mas a boa imagem não foi suficiente para reelegê-lo no
ano passado, quando perdeu a cadeira no Senado para José Serra (PSDB).
Ele atribui a derrota justamente a esse "tsunami" antipetista.
Depois da eleição, muitos simpatizantes vêm abordando Suplicy nas ruas e
redes sociais pedindo que deixe o PT. Em outubro, porém, ele chegou a
ser hostilizado durante um debate numa livraria. "Um grupo de 10 ou 12
pessoas começou a gritar, de maneira bastante ofensiva, 'Suplicy,
vergonha do Brasil'", lembra.
Em entrevista à BBC Brasil, ele
falou sobre corrupção, a prisão do senador Delcídio Amaral, a filiação
da ex-mulher, a senadora Marta Suplicy, ao PMDB, e nomes petistas que
poderiam ser alternativas a Lula na disputa pela Presidência em 2018.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil
- O senhor sempre abraçou a bandeira da ética e, em função dos
escândalos recentes, é abordado por pessoas que pedem que deixe o PT.
Por que permanece?
Eduardo Suplicy -
Se houve problemas sérios com algumas pessoas em uma organização com
mais de um milhão e meio de filiados, avalio que é da minha
responsabilidade procurar prevenir e corrigir os erros, onde eu estiver.
Por exemplo, hoje estou aqui na secretaria, onde agimos com correção e
transparência. O mesmo vale para o prefeito Haddad, que criou uma
controladoria para prevenir problemas.
Se você olhar meu
Facebook, a maioria das mensagens é de apoio, positivas. Há, de fato,
aqueles que falam: "Como você ainda está no PT? Gostaria que deixasse o
partido." Respondo isso: me sinto na responsabilidade de buscar prevenir
e corrigir os erros. Por exemplo, quando era senador, apresentei
projetos propondo que toda e qualquer contribuição (de campanha) fosse
registrada na página eletrônica dos candidatos e partidos.
Em
2002, numa reunião do diretório nacional do PT, o deputado Chico Alencar
(hoje no PSOL) também propôs transparência total das contribuições. Eu o
apoiei. Conversei com o Delúbio (ex-tesoureiro do PT) que disse que
isso poderia inibir a doação da parte de algumas empresas. Se tivéssemos
aprovado o que sempre defendi...
Fui convidado a ser um
dos fundadores do PT porque tinha afinidade com os propósitos do
partido: construir uma nação mais justa, dando voz e vez àqueles que por
tanto tempo estiveram excluídos da sociedade. E fazer isso com
democracia, liberdade de expressão, retidão ética. Estes princípios são
os que defendo até hoje.
Mas não fica difícil
defender a ética em um partido envolvido em escândalos dessa magnitude?
Colegas com os quais o sr. tem afinidade deixaram o partido: a Luíza
Erundina (PSB), a Heloísa Helena (PSOL), a própria Marta (PMDB).
Tenho todo o respeito e muita afinidade com pessoas como a Heloísa
Helena, a Luiza Erundina. Também respeito a decisão da Marta de sair do
PT, mas achei que não era o caso de seguir o mesmo caminho. Prefiro
continuar no PT, em cujos propósitos de fundação eu acreditei e
acredito.
Reitero que, sim, erros graves, gravíssimos,
aconteceram. Eu sempre lembro as palavras do Lula: "Parece que Deus é
brasileiro, ajudou a Petrobras a encontrar essa extraordinária reserva
petrolífera que vai nos permitir em breve erradicar a pobreza e melhorar
a educação". De repente, vemos pessoas na Petrobras se enriquecendo de
forma ilícita, desviando recursos que deveriam ser canalizados para o
bem do povo. É um erro gravíssimo.
Mas acho que, felizmente,
temos os instrumentos no Brasil (para lidar com isso). Desde a Polícia
Federal, que tem a cooperação da Controladoria Geral da República e do
governo, até a Advocacia Geral da União, os órgãos da Justiça. É muito
importante que todos os que foram apontados como responsáveis por
desvios sejam responsabilizados. Eles precisam ter seu direito de defesa
assegurado, mas quem procedeu com incorreções precisa ser punido.
Se pessoas (com as quais convivi) ao longo de minha vida no PT
procederam com incorreção, me sinto entristecido. Isso me machuca
profundamente. Mas não é que precise sair do PT. Posso ter para com eles
uma compreensão. Qualquer ser humano pode errar. Mas precisa fazer tudo
para não incidir novamente nesses erros. E nós, como organização,
precisamos tomar as medidas para recuperar o que um dia foi uma das
bandeiras mais importantes do PT: a defesa da ética. Sei que isso não
será fácil, mas colaborarei no que puder.
E não foi apenas o PT
que teve pessoas denunciadas por malfeitos. Praticamente em todos os
partidos temos problemas. Então se uma pessoa sai do PT dizendo que
tomou a decisão em função de incorreções, mas vai para outro partido no
qual também está havendo problemas sérios, como fica?
O sr. parece estar se referindo a Marta. Como vê sua filiação ao PMDB?
Ela lá (no PMDB) estará tomando conhecimento de que algumas pessoas no
PMDB agiram de forma muito inadequada. Como disse, respeito a decisão
dela, mas é claro que ela está consciente desses episódios envolvendo
lideranças do PMDB. Em especial, o presidente da Câmara (Eduardo Cunha).
Acho que você pode perguntar a ela qual é sua posição sobre essa pessoa
que é tão importante para o PMDB.
E a posição do PT sobre Cunha? Há a possibilidade de um acordo velado com o deputado?
Ainda hoje li nos jornais que a bancada do PT vai votar pelo
afastamento de Cunha. Com isso, vai deixar clara a posição do partido
sobre uma pessoa que afirmou no Conselho de Ética da Câmara que nunca
teve contas no exterior. E depois a Justiça da Suíça expôs com clareza
que ele e seus familiares movimentaram quantias muito grandes de
recursos em contas no exterior, que certamente tiveram origem
inapropriada.
É claro que é preciso resguardar o direito de
defesa. Cunha terá e está tendo oportunidade de se defender. Mas cabe
mencionar que o próprio relator (do processo sobre cassação), que é da
sua base de apoio, fez um parecer favorável a apreciação das denúncias.
Até o PSDB, que há um mês estava se aliando a Cunha visando afastar a
presidente Dilma, hoje está declarando, pela voz do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, que ele precisa renunciar ou "será
renunciado".
A Marta, claro, está lendo essas noticias e tem
ciência de que não é apenas no PT que ocorreram procedimentos
incorretos. Quando ela estava para sair do PT, em algumas ocasiões eu
fui perguntado (sobre o que deveria fazer). Mas ela preferiu a respeito
desse assunto não dialogar comigo. A respeito de nossos filhos queridos,
nossos netos, sempre temos de dialogar. Agora, sobre decisão de vida
política (não).
Então em uma disputa entre Haddad e Marta em São Paulo, o sr. apoiaria Haddad?
Sim. Ela sabe disso. Considero Haddad um bom prefeito, com bons
propósitos. Reconheço trabalhos de grande mérito que Marta realizou na
prefeitura, como a construção dos CEUS (Centros Educacionais
Unificados), que continuam a ser criados e agora também têm recebido
cursos superiores e para idosos.
Marta tem sido critica da
atual gestão, mas eu, que estou vendo mais de perto, sei que tem méritos
consideráveis. Ainda nesses dias têm saído boas noticias sobre a
diminuição da velocidade nas marginais e outras vias de São Paulo: em
2015, houve uma redução significativa de mortes no trânsito. Também
houve resistência quando foram colocadas as ciclovias, mas hoje a maior
parte da população concorda que precisamos estimular o uso de
bicicletas.
Por que os índices de popularidade de Haddad estão baixos, inclusive nas periferias?
Tenho a convicção de que a aprovação de Haddad vai crescer bastante em
todas as regiões da capital. Quando chegar o momento das eleições, com
os debates, os eleitores vão poder confrontar as palavras e argumentos
do prefeito com os dos demais (candidatos). E aí ele tem uma chance
enorme de crescer muito e vencer as eleições. Hoje, grande parte dos
meios de comunicação tem uma certa postura (crítica) sobre ele...
O problema é que a mídia é injusta com o prefeito?
É normal que ocorram as críticas e que os jornalistas e veículos da
imprensa queiram estar um mais atento que o outro para mostrar falhas na
administração publica municipal. Nem sempre fazem isso com a mesma
ênfase em relação ao governo do Estado, do PSDB. Mas sabemos que isso
acontece.
Além disso, todos do PT estamos vivendo uma situação
bastante difícil, em especial em São Paulo. Fui eleito para o Senado em
1990, 1998 e 2006. Em 2006, mesmo depois do mensalão, recebi mais de 8
milhões de votos.
Em 2014, fui um candidato forte, mas o
que houve foi um verdadeiro tsunami sobre o PT em São Paulo. A
presidente Dilma teve 25% dos votos por aqui, contra 70%, 80% no
Nordeste. O nosso candidato a governador, Alexandre Padilha, teve 18%.
Tive uma boa votação, de 6,7 milhões de votos, mas não suficiente para
vencer. É da democracia. Tudo bem.
A que o sr. atribui esse tsunami contra o PT?
Por causa das denúncias ligadas a operação Lava Jato. criou-se uma
imagem do PT muito negativa, principalmente nos lugares onde os grandes
meios de comunicação estão sediados - e em especial em São Paulo. (Esses
meios) destacaram muito isso junto a opinião pública e tivemos esse
efeito que eu chamei de tsunami sobre o PT, mas acho que vamos dar a
volta por cima.
Culpar a imprensa não é atirar no mensageiro por não gostar da mensagem?
Acho que houve críticas muito fortes em função de problemas que foram
causados por nós mesmos. Reconheço isso. Mas o efeito foi tão forte que
mesmo pessoas que não estavam envolvidas em malfeitos acabaram
prejudicadas por ser do PT.
O senhor foi hostilizado em uma livraria por manifestantes críticos ao PT.
Foi durante um debate com Haddad. Havia umas 170 pessoas lá para ouvir,
mas alguns queriam impedir o evento. Começaram a gritar, mostrar faixas
contra o prefeito, mesmo antes do debate começar. Na hora de sair,
estava concluindo uma entrevista e um grupo de 10 ou 12 pessoas começou a
gritar, de maneira bastante ofensiva, "Suplicy, vergonha do Brasil".
Eu me aproximei deles, quis dialogar. Eles só gritavam. Então eu disse a
uma das moças que tanto gritava: "Golpista". Desisti e sai. Mas se você
me acompanhar a qualquer lugar, restaurante, cinema, teatro ou casa de
espetáculo vai ver que sempre sou recebido com respeito e carinho. Ontem
fiz uma palestra na Subprefeitura de Vila Maria e fiquei 30 minutos
dando autógrafos.
Passou a evitar alguns lugares depois do episódio?
Não. Vou a todas as partes. Ainda no domingo fui almoçar num
restaurante no Jardim Paulistano (área nobre de São Paulo), onde costumo
ir com meus filhos. Ao longo do almoço pelo menos sete pessoas vieram
me cumprimentar, pedir foto. Sobre o episódio do mês passado, muitas
pessoas, em apoio a mim, até disseram que não iriam mais frequentar a
livraria, mas a Livraria Cultura não tem nenhuma responsabilidade sobre o
que aconteceu.
Como o sr. avalia a prisão de Delcídio do Amaral, líder do PT no Senado? Em que medida isso agrava a crise do partido?
Todos ficamos muito tristes, feridos com o episódio. Claro que é
necessário se assegurar o direito de defesa do senador, ele terá chance
de se explicar. Mas nas explicações que deu ontem à Polícia Federal
(ele) confirma o diálogo gravado. Ele disse que teve uma "atitude
humanitária" com relação ao (ex-diretor da Petrobras, Nestor) Cerveró.
Pelo que se sabe até o momento, houve um procedimento indevido no qual
teria oferecido um valor para a família (do diretor), condicionado a ele
(Cerveró) não fazer uma denúncia.
Isso é inadmissível, um
procedimento indevido que, se comprovado, exige sanções. E é mais um
fato grave que a tinge o PT nesse contexto sobre o qual conversamos. Os
membros do PT que avaliam que a ética e a retidão são essenciais no
trato da coisa pública não podemos aceitar esse tipo de procedimento.
Mas antes de tudo é preciso ter o conhecimento completo dos fatos.
Já
faz alguns anos que o PT perdeu protagonismo na questão dos direitos
humanos. Um marco foi quando o deputado Marcos Feliciano (PSC) assumiu a
comissão de DH da Câmara. Como o sr. vê isso?
Olha é
interessante observar que para essa tendência conservadora de alguns
parlamentares tem havido, por outro lado, uma reação muito positiva e
crescente na defesa dos direitos humanos por movimentos populares. O
próprio Eduardo Cunha parece estar preocupado, dizendo que não é tão
conservador assim. Ele escreveu um artigo na Folha (de S.Paulo) com esse
propósito. Acho que a maior parte dessas iniciativas (da "agenda
conservadora") vai ser barrada pelo Senado.
O senhor é a favor da volta de Lula em 2018?
Acho natural que, com sua trajetória, o presidente Lula se candidate novamente.
Em 2002, fui pré-candidato a Presidência. Pela primeira vez na história
do Brasil um partido convidou seus filiados a votarem (para decidir seu
candidato). Fiz uma visita a Lula e disse: "Alguns amigos dizem que
devo ser candidato e estou considerando a possibilidade, mas se você
achar que isso vai prejudicar o partido ou a você, desisto." Ele disse:
"Eduardo, por tudo que você fez na vida e pelo partido, tem todo direito
de se inscrever".
Também acredito que, se o Lula for
pré-candidato, é possível que surjam outros - e é importante que haja um
processo democrático.
Quais seriam as alternativas ao ex-presidente?
Felizmente, o PT tem muitos políticos que poderão ser pré-candidatos,
como aqueles que foram governadores e têm sido ministros. Jaques Wagner,
Tarso Genro, Jorge Vianna. Pessoas que foram prefeitos e prefeitas de
grandes capitais (também). Se a Marta estivesse no PT, poderia até ser
pré-candidata. Mencionei três possíveis nomes, mas poderia ter
mencionado dez.
Lula também tem enfrentado uma queda de
popularidade. Suas relações com construtoras têm sido alvo de
questionamentos. Isso faz o PT pensar em alternativas?
A população reconhece os extraordinários méritos de Lula pelo que ele
realizou ao longo da sua vida. Com respeito a esses episódios, ao
mensalão, ao que aconteceu na Petrobras, é claro que isso tem um certo
peso e algumas pessoas tentaram imputar ao Lula alguma responsabilidade.
Mas ele terá condições de dar explicações para cada um desses
episódios, como já está fazendo, com entrevistas e pronunciamentos. É
importante que ele responda (aos questionamentos). Estamos felizmente em
uma democracia e tudo pode ser perguntado e esclarecido.
O senhor "põe a mão no fogo" por Lula?
Em toda minha convivência com Lula, muitas vezes ele ressaltou a
importância da ética para o PT. Confirmo que ele tem um procedimento
ético muito positivo. Se algum dia ocorreu alguma falha, ele precisa
responder por isso e terá toda condição de fazê-lo.
Como salvar o PT do que alguns veem como uma crise moral... e do tsunami, como o sr diz?
Com esforço, determinação e consciência desses graves problemas por
parte de cada um dos membros do PT, em cada lugar onde atuamos. Eu tenho
minha responsabilidade na secretaria, para que aqui não se cometam
erros e ações inadequadas. Isso dá muito trabalho. É preciso estar muito
atento. Montar equipes sérias e competentes ao administrar recursos e
assinar convênios com diversas entidades.
O PT tem algumas administrações estaduais e diversas municipais. Precisamos dar o exemplo em todos os lugares.
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2015/11/27/entrevista-pt-foi-varrido-por-tsunami-diz-eduardo-suplicy.htm