"Nesse dia de
glória para o povo brasileiro tem um nome que entrará para a história
nessa data, pela forma como conduziu os trabalhos nessa casa. Parabéns,
presidente Eduardo Cunha. Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela
família e pela inocência das crianças em sala de aula que o PT nunca
teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São
Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor
de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas,
por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é
sim."
Foi assim que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) justificou o
voto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff no plenário da
Câmara dos Deputados no último domingo. As declarações geraram
polêmica, especialmente pela referência ao coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento de Operações de
Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de
repressão da ditadura. Ustra morreu aos 83 anos em setembro do ano
passado.
A homenagem a um dos personagens mais controversos do
regime militar foi alvo de críticas de milhares de brasileiros, que
foram às redes sociais expressar choque e reprovação. Para um deles, no
entanto, o elogio de Bolsonaro evocou memórias ruins.
Em 1972,
Gilberto Natalini, hoje médico e vereador pelo PV-SP, tinha então 19
anos e foi torturado por Ustra. À época estudante de medicina, ele havia
sido preso por agentes da ditadura que queriam informações sobre o
paradeiro de uma amiga dele, envolvida na luta armada. Natalini negou-se
a colaborar. A tortura consistia em choques elétricos diários, que,
segundo ele, lhe causaram problemas auditivos irreversíveis.
"Bolsonaro
não tem o direito de reverenciar a memória de Ustra. Ustra era um
assassino, um monstro, que torturou a mim e a muitos outros", afirmou
Natalini à BBC Brasil.
Natalini conta ter sido vítima de tortura por cerca de dois meses na sede do DOI-Codi em São Paulo.
"Tiraram
a minha roupa e me obrigaram a subir em duas latas. Conectaram fios ao
meu corpo e me jogaram água com sal. Enquanto me dava choques, Ustra me
batia com um cipó e gritava me pedindo informações", relembra.
"A tortura comprometeu minha audição. Mas as marcas que ela deixou não são só físicas, mas também psicológicas."
Natalini
nega ter participado da luta armada contra a ditadura militar. Ele
confirma ter feito oposição ao regime, mas diz que "sem violência".
"Sempre
fui a favor da mobilização das consciências contra qualquer tirania.
Nunca fui a favor de ações violentas. Acolhíamos perseguidos políticos,
prestando atendimento médico quando necessário", diz ele, em alusão à
Escola Paulista de Medicina (EPM), onde estudava.
"Mas todo mundo que se opunha ao governo militar era visto como terrorista", ressalva.'
Para Natalini, que foi preso "outras 16 vezes" pelo
regime militar, Bolsonaro "não pode, como agente político, pregar o
retorno da ditadura".
"E se ele o fizer, temos todo o direito de
contestá-lo e colocá-lo em seu devido lugar. Bolsonaro não vai conseguir
impingir ao Brasil sua ideologia doente, ultrapassada e fascista. O
caso dele é com a Justiça", afirma ele.
Na visão de Natalini, a
projeção nacional do deputado está ligada à desmoralização das
esquerdas, devido "aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT".
"Os
erros do PT permitiram que se criasse uma corrente de opinião contra à
verdadeira esquerda, que nunca existiu no Brasil. A extrema direita, que
estava adormecida, aproveitou-se desse vácuo. Bolsonaro é fruto dessa
roubalheira", opina.
"Se nossa democracia tem defeitos, precisamos
corrigi-la. Muito piores são os regimes militares, de esquerda ou de
direita", acrescenta.
Apesar de criticar Bolsonaro, Natalini defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, não há "golpe".
"A
Constituição brasileira prevê que o presidente pode sofrer impeachment
se tiver cometido crimes de responsabilidade. Foi o que aconteceu com as
chamadas pedaladas fiscais", diz.
Ustra
Um dos mais temidos militares nos anos de chumbo,
Ustra chefiou o DOI-Codi, órgão de repressão do 2º Exército em São
Paulo. Ele foi apontado por dezenas de perseguidos políticos e
familiares das vítimas como responsável por perseguição, tortura e morte
de opositores.
Conhecido pelo apelido de "Doutor Tibiriçá", ele
foi acusado pelo desaparecimento e morte de pelo menos 60 pessoas.
Durante sua gestão, pelo menos 500 casos de tortura teriam sido
cometidos nas dependências do DOI-Codi.
Único militar brasileiro
declarado torturador pela Justiça, Ustra foi denunciado pelo MPF
(Ministério Público Federal) pela morte do militante comunista Carlos
Nicolau Danielli em dezembro de 1972. Mas não houve tempo para sua
condenação. Ustra morreu em setembro do ano passado em Brasília. Ele
sofria de câncer de próstata.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160419_torturado_ustra_bolsonaro_lgb