Enquanto foram mortas 36 pessoas negras (por 100 mil habitantes) em 2010, 15 brancos morreram; Nordeste tem situação mais preocupante. O total de negros assassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos. Nos últimos oito anos, entre 2002 e 2010, enquanto o número de homicídios de brancos caiu, a morte de negros cresceu.
Em 2010, foram assassinados no Brasil 36 negros para cada 100 mil
habitantes da mesma cor. A taxa de homicídios de brancos foi de 15,5 por
100 mil. Na pesquisa, o grupo dos negros também inclui os pardos.
"A grande desproporção de negros assassinados em comparação aos
brancos mostra que a discriminação no Brasil ainda é imensa", diz o
pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência 2012 - A
cor dos homicídios, feito em parceria entre o Centro Brasileiro de
Estudos Latino Americanos (Cebela) e a Secretaria de Políticas da
Promoção da Igualdade Racial.
Essa diferença chega a ser escandalosa em Estados nordestinos.
Alagoas é onde mais morrem negros, proporcionalmente, no Brasil: são
80,5 casos por 100 mil habitantes. Já o total de homicídios de brancos
no Estado é baixo: 4,4 casos por 100 mil habitantes, o que o coloca como
o segundo menos violento para brancos no Brasil.
A situação é semelhante na Paraíba, Estado onde brancos têm menor
chance de ser assassinados no Brasil: 3,1 casos por 100 mil. O
assassinato de negros é 1.824% maior: 60,5 casos por 100 mil habitantes.
Paulistas. Em São Paulo, apesar de a situação ser
menos dramática do que a do Nordeste, o total de negros assassinados é
32% maior do que o de brancos (12,2, contra 21,5). A situação piora em
períodos de crise, como nos últimos seis meses, quando o crescimento dos
assassinatos se acelerou. "Isso é reflexo de 500 anos de história, boa
parte dela com escravidão e até hoje com negação de direitos. A morte de
negros é tolerada e não choca", diz Douglas Belchior, da Uniafro -
instituição educacional voltada para negros e pessoas de baixa renda - e
do Comitê de Luta contra o Genocídio da Juventude Negra.
Mulheres negras são maioria entre jovens que não trabalham nem estudam. Mulheres pretas, pardas e indígenas são a maioria entre os 5,3 milhões
de jovens de 18 a 25 anos que não trabalham nem estudam no País, a
chamada “geração nem nem”. Cruzamento de dados inédito feito pelo
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a pedido da Agência Brasil,
revela que elas somam 2,2 milhões, ou seja, 41,5% desse grupo. Do total
de jovens brasileiros nessa faixa etária (27,3 milhões), as negras e
indígenas representam 8% - enquanto as brancas na mesma situação chegam a
5% (1,3 milhão).
Para o coordenador do levantamento, Adalberto Cardoso, que fez a
pesquisa com base nos dados do Censo 2010, do IBGE, várias razões
explicam o abandono da educação formal e do mercado de trabalho por
jovens. Entre elas, o casamento e a necessidade de começar a trabalhar
cedo para sustentar a família. Cerca de 70% dos jovens “nem nem” estão
entre os 40% mais pobres do País. A gravidez precoce é o principal
motivo do abandono, uma vez que mais da metade das jovens nessa situação
têm filhos.
É o caso de Elma Luiza Celestina, de 24 anos, moradora da Estrutural,
na periferia de Brasília. A jovem deixou de estudar aos 16 anos, com o
nascimento do primeiro filho. Ela continuou frequentando as aulas até
terminar o 6.º ano do ensino fundamental, mas engravidou novamente meses
depois. Com isso, precisou adiar a volta às salas de aula. Desde então,
dedica-se quase exclusivamente aos filhos, conseguindo, raramente,
alguns bicos como faxineira. Há sete meses, no entanto, quando o
terceiro filho nasceu, não assume nenhum compromisso profissional e vive
com dificuldade financeira.
“Como só tenho o 6.º ano, não conseguia coisa muito boa, que ganhasse
um bom dinheiro. Era mais para fazer faxina mesmo. Mas, agora, não
tenho como (trabalhar). Com três filhos é difícil sair para fazer qualquer coisa.”
Elma vive apenas com a ajuda da mãe, de 57 anos, para sustentar as
três crianças. Os dois ex-maridos estão presos e não podem reforçar a
renda da casa. “O problema é que agora ela (minha mãe) também
não está podendo trabalhar, porque está com problema no joelho. E, sem a
ajuda dos pais das crianças, está bem difícil”, conta a jovem que não
consegue fazer planos para o futuro.
“Se eu quiser coisa melhor, tenho que voltar a estudar, mas não sei
se vou conseguir, porque, com esses filhos todos, como vou fazer?”,
disse. Ela acredita que engravidou cedo por falta de orientação
familiar. “Minha mãe não sabe nem escrever, não tinha como me orientar.
Eu acabei engravidando, não me cuidei e engravidei de novo.”
A gravidez na adolescência também levou Lucineide Apolinário a
abandonar os estudos. Aos 25 anos, a moradora da Estrutural está grávida
do quarto filho e, sem ter com quem deixar as crianças, desistiu de
trabalhar. O atual marido, que é pai apenas do bebê que ainda vai
nascer, é ajudante de obras e, mesmo sem ter emprego fixo, assume
sozinho as despesas da casa. O primeiro marido morreu há cerca de dois
anos. A jovem cursou até a 7.º ano do ensino fundamental e lamenta o
casamento e a gravidez precoces.
“Parei de estudar por causa das crianças. Casei aos 15 anos, arrumei
filho muito cedo e veio um atrás do outro. Estava apaixonada, era ilusão
de adolescente. O problema é que sobra muito para a mulher. A gente tem
de se dividir em mil para dar conta dos filhos e da casa e não consegue
pensar na gente”, diz.
Enquanto se prepara para dar à luz a mais um menino nos próximos
dias, Lucineide diz que sonha em retomar os estudos “algum dia”. Ela
espera que os filhos tenham uma história diferente da sua.
“Ainda vai demorar um pouco, mas algum dia eu volto a estudar. Para
conseguir um emprego melhor tem que estar pelo menos no 1.º ano (do ensino médio) e eu quero voltar a trabalhar para poder dar um futuro melhor para os meus filhos, uma história bem diferente da minha”, diz.
Moradora do Morro do Juramento, na zona norte do Rio, Jéssica Regina
Martelo, de 22 anos, parou de estudar no 6.º ano, quando passou a achar a
escola menos interessante do que a vida real. A jovem conta que “era
chato” ir à escola e que preferia ficar com as amigas. Órfã de pai e
mãe, ela foi criada pelas irmãs e teve a primeira filha aos 17 anos.
Envolvido com o tráfico, o companheiro morreu assassinado logo depois do
nascimento da menina. Como não pôde contar com o apoio do pai da
criança, acabou tendo de trabalhar para se sustentar.
Aos 19 anos, Jéssica teve a segunda filha, da união com Jony Felipe
Coli, de 24 anos, que também não estuda e já tinha dois filhos ao
conhecê-la. Ele também não tem emprego formal tampouco estuda, embora
cuide dos filhos do relacionamento anterior e que agora fazem parte da
nova família. Para sustentar a casa, Jéssica faz bico. “Prefiro ser
manicure por conta própria porque tenho mais tempo para cuidar das
meninas e o dinheiro fica comigo e com elas, não com o salão.”
Além da gravidez, outro fator de peso para o abandono da escola,
segundo o pesquisador da Uerj, é a falta de perspectiva de vida de
jovens pretos, pardos e indígenas, maioria nas escolas públicas, em
geral, de menor qualidade. Ele acredita que o estímulo à educação é
fundamental para mudar a realidade desse grupo.
“Uma coisa perversa no sistema educacional do Brasil é o fato de
pessoas deixarem a escola porque não têm a perspectiva de chegar ao
ensino superior”, diz. “As ações afirmativas são importantes por isso.
Têm o efeito de alimentar aspirações de pessoas que viam a universidade
como uma barreira, mas que vão se sentir estimuladas a permanecer no
ensino”, destaca.
Ao analisar os dados do levantamento, a professora da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) Rosângela Araújo diz que é preciso entender o
que está por trás do comportamento das meninas. “Não é falta de
informação. Tenho certeza de que a maioria conhece um preservativo. Mas
tem uma questão da mudança de status, de menina para mulher. Elas podem
não ver (o abandono escolar) como um passo atrás, mas no futuro, pode pesar.”
Segundo o levantamento, embora a taxa de jovens da “geração nem nem”
no Brasil seja considerada alta (19,5% do total de pessoas de 18 a 25
anos), o índice não está distante do verificado em países com
características demográficas semelhantes onde é comum que a mulher deixe
de trabalhar e estudar para se casar. É o caso da Turquia e do México,
segundo estudos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), citados pelo pesquisador da Uerj.
A pesquisa também identificou entre os “nem nem” jovens com
deficiência física grave e os que saíram da faculdade, mas ainda não
estão empregados. Os dados completos constam do estudo Juventude, Desigualdade e o Futuro do Rio de Janeiro, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e deve ter um capítulo publicado em 2013.
Fonte:http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,mulheres-negras-sao-maioria-entre-jovens-que-nao-trabalham-nem-estudam,962688,0.htm