Empresas acusadas de fraude em licitações de trens no Estado de São Paulo pagaram R$ 52 milhões a firmas de consultoria investigadas pela Polícia Federal sob a suspeita de repassar propina a políticos e funcionários públicos desde o fim da década de 1990.
Algumas dessas consultorias foram identificadas pela primeira vez em inquérito aberto pela PF em 2008 para investigar negócios da multinacional francesa Alstom com empresas do setor elétrico e de transporte, controladas pelo governo estadual.
Neste ano, a PF ampliou o foco das investigações para empresas denunciadas pela alemã Siemens ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) como participantes de um cartel que combinou o resultado de várias concorrências do Metrô e da CPTM entre 1998 e 2008.
De acordo com a PF, que examinou a movimentação financeira de quatro consultorias sob suspeita, elas receberam repasses da Alstom e de duas outras empresas acusadas de participar do cartel, a canadense Bombardier e a brasileira Tejofran.
PROPINA
A polícia trabalha com a hipótese de que essas consultorias simulavam a prestação de serviços e eram usadas para distribuir propina a políticos e funcionários ligados ao PSDB, que governa o Estado de São Paulo desde 1995.
A Siemens também é alvo de investigações da polícia. Em 2008, um executivo da empresa apresentou anonimamente uma denúncia à direção da companhia na Alemanha e afirmou que ela também usou consultorias brasileiras para repassar propina a políticos e funcionários.
Segundo a PF, a Alstom pagou R$ 45,7 milhões à consultoria MCA, do empresário Romeu Pinto Jr. na época dos repasses.
O dinheiro foi depositado em contas controladas por ele no Brasil e na Suíça.
Em depoimentos à PF e ao Ministério Público, em 2009 e 2012, o consultor disse que não prestou os serviços indicados nos recibos entregues à Alstom e que foi usado para distribuir propina. Pinto Júnior afirmou que entregava o dinheiro a motoboys de doleiros e não sabe a quem ele foi repassado depois.
De acordo com os relatórios da PF sobre a movimentação financeira dessas empresas, a Alstom também transferiu R$ 4,8 milhões à ENV, pertencente ao consultor Geraldo Villas Boas, e à Acqua-Lux, controlada por Sabino Indelicato, ligado a Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Marinho foi chefe da Casa Civil no governo de Mário Covas, entre 1995 e 1997, e é investigado em outro inquérito por ter foro privilegiado.
A atual diretoria da Alstom diz desconhecer as investigações da PF. Em depoimento à polícia, Villas Boas e Indelicato negaram que o dinheiro fosse destinado a políticos.
A Bombardier e a Tejofran pagaram R$ 1,5 milhão entre 2005 e 2009 à consultoria BJG, controlada pelo ex-secretário estadual de Transportes Metropolitanos José Fagali Neto, que começou a ser investigado pela PF em 2008, quando foram descobertos depósitos da Alstom em seu nome na Suíça.
A Justiça da Suíça bloqueou US$ 6,5 milhões depositados no exterior após encontrar o nome de Fagali Neto em papéis da Alstom que faziam referência ao pagamento de propina no Brasil.
A Bombardier diz que contratou a BJG para assessorá-la em concorrências, fazendo pagamentos "absolutamente lícitos". A Tejofran diz que os valores pagos são compatíveis com as consultorias.
Como a Folha revelou no último dia 23, Fagali Neto recebia informações sobre planos do governo estadual de um alto funcionário da Secretaria de Transportes Metropolitanos, Pedro Benvenuto, que pediu demissão após a revelação.
O delegado Milton Fornazari, responsável pelas investigações da PF, indiciou Fagali Neto e os outros três consultores por suspeita de corrupção ativa. Fagali Neto diz que pode provar que suas consultorias existiram.
A PF entregou relatório sobre os negócios da Alstom em São Paulo em agosto de 2012, mas o procurador Rodrigo de Grandis considerou que a investigação era insuficiente para levar o caso à Justiça e pediu novas apurações. Ele demorou mais de um ano para chegar a essa conclusão.
OUTRO LADO
As empresas investigadas pela Polícia Federal sob a suspeita de terem usado consultorias para repassar propina negam ter pago suborno.
Em nota, a Bombardier diz que Jorge Fagali Neto prestou consultoria para projetos que incluíam a sinalização de uma estrada de ferro na Colômbia, sinalização de transporte ferroviário urbano no Brasil e modelagem para a reforma de trens da CPTM.
A companhia afirma ter todas as notas e contratos e que os pagamentos à BJG foram feitos "pelos meios oficiais, tanto que foram identificados no relatório da PF".
A Bombardier diz que "repudia qualquer conduta que fuja aos altos padrões éticos".
A Tejofran diz que não conseguiu checar se o valor dos contratos com a BJG foi de R$ 978 mil por se tratar de registros contábeis antigos. Nega ter pago propinas e diz que o valor é compatível com suas atividades na época.
A Alstom diz que "desconhece o teor das investigações" da PF. Nesse inquérito são acusados ex-executivos da Alstom e a atual diretoria não foi chamada pela PF.
Os consultores Romeu Pinto Jr. e Sabino Indelicato não quiseram se manifestar.
O advogado Belisário dos Santos Jr., que defende Jorge Fagali Neto, diz que ele "pode demonstrar que prestou todos os serviços de consultoria". Em depoimento ao Ministério Público, Fagali Neto afirmou que não tinha contas no exterior e não cometeu crimes. Na casa de Geraldo Villas Boas, a informação é de que ele estava viajando.
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