Foto: Rogerio Theodorovy/Arquivo Gazeta do Povo.
Uma professora de História do Colégio Medianeira, de Curitiba, pediu
demissão da função, depois de dez anos de trabalho, por estar se
sentindo intimidada com a postura de pais de alunos nas redes sociais. A
professora, que dava aulas para a turma de 9.º ano, também apagou suas
contas de Twitter e de Facebook, e prefere não dar entrevistas sobre o
tema.
Tudo começou quando a professora, que leciona História dos Movimentos
Sociais no Século XX e História da América Latina, se manifestou no
Facebook sobre um protesto dos alunos. Alguns estudantes do Medianeira
compareceram ao colégio vestindo preto, afirmando que estavam
protestando contra a corrupção. A professora foi á sua rede social
particular e deu sua interpretação dos fatos.
“Hoje vi crianças numa escola, vestindo preto e pedindo golpe.
Desprezando a democracia e exalando ódio. Parece que não conseguimos
escapar do que Marx profetizou quando disse que a História de repete,
primeiro como tragédia, depois como farsa…”
Pais de alunos do colégio viram a postagem e a reproduziram em um
grupo fechado no Facebook, com 800 participantes. As reações foram das
mais exaltadas.
“Comunista descarada!”, dizia um.
Eis alguns outros exemplos:
“Minha filha ainda está no ensino fundamental, mas se quando ela
chegar no ensino médio, esses professores ‘dinossauros’ ultrapassados
continuarem a lecionar, vamos ter problemas!!!! O socialismo fracassou
no mundo inteiro!!! Quando eles vão acordar!!!”
—
“À diretoria do colégio deve tomar uma providência. Sou
totalmente contra a ideologia de esquerda… Não aceito em hipótese alguma
que professores fiquem doutrinando minha filha… Se minha filha aparecer
em casa com alguma ideia esquerdista, vai dar confusão…”
—
“O pior é que no desenvolvimento de textos eles não podem fugir
desta “filosofia” destes cidadões por medo de serem punidos na avaliação
!Vão por mim : a coisa é muito pior q parece!”
—
“SE EU PEGAR ALGUM TEXTO COMUNISTA no caderno do meu filho eu vou
RASGAR e devolver rasgado. E vou convidar o professor a me convencer. O
COMUNISMO SÓ DEU CERTO NA CABEÇA DELES………..Argentina caiu, Venezuela
caiu, e por aí vai. MAS ISSO É CULPA DA COORDENAÇÃO DE ENSINO EM DEIXAR
QUE ISSO ACONTEÇA.”
—
O clima que se seguiu foi definido por um pai de aluno como “macartismo”
(em referência ao período da história dos EUA, nos anos 1950, em que
comunistas eram alvo de perseguição). A professora foi alvo de
reclamações e pais pediram que ela fosse afastada. No fim, ela mesma acabou pedindo o afastamento e se retirou das redes sociais.
O colégio assumiu a defesa da professora e diz que não aceitou sua
demissão. Diz que ela tem 10 anos de casa e é uma excelente professora,
que tem o direito de se manifestar publicamente, especialmente fora de
sala de aula. “O colégio é solidário à professora e repudia a incitação
ao ódio”, diz a assessoria do colégio.
.
No fim de semana, o Medianeira publicou uma carta na internet sobre o
tema, sem se referir exatamente à situação da professora. Eis um
trecho:
“É fundamental que nossos educandos e educandas, professores e
professoras, pais e mães, sintam-se seguros, possam manifestar seus
pensamentos, convivam em meio à diversidade de opiniões e de
posicionamentos políticos. São pressupostos para a formação de pessoas
reflexivas com sentido de história, de tempo e de espaço, do local e do
global, do racional e afetivo. Por isso, são construções e não algo dado
naturalmente.
Convidamos a todas e todos a essa tarefa. Que o princípio do
discernimento, tão caro à tradição educativa jesuíta, nos auxilie a ler
estes e outros sinais, responsabilizando-nos por essa construção, pois
como nas palavras do jesuíta Pe. Arrupe, “somos mais quando nos abrimos
aos demais”.
Alunos também fizeram uma manifestação no colégio, vestindo branco e com cartazes em defesa da professora.
Protesto de alunos a favor da professora. Foto: Maria Eduarda Santos.
Pais de alunos também assinaram uma carta em sua defesa:
“Nós, pais e mães de alunos do Colégio Medianeira apoiamos a
continuidade de seu projeto político-pedagógico, que é pautado, entre
outros princípios, na busca do diálogo, da livre expressão de ideias, do
respeito aos direitos humanos e do estado democrático.
Apoiamos a escolha de professores que além do ensino do conteúdo
curricular, promovem o debate e a análise crítica da realidade. Ao nosso
ver, este é o maior valor ensinado na vivência escolar.
O ensino “neutro”, sem posicionamento político, que está sendo
requerido por alguns, é a reedição de uma farsa imposta na época da
ditadura militar e que nos subtraiu tanto da capacidade de análise
crítica da realidade e nos induziu ao pensamento da mídia dominante,
fantasiosa, eivado pelos interesses de manutenção de uma ordem social
desigual e excludente.
Se somos partidários da construção de uma sociedade mais justa, não
somos neutros ou imparciais. Já nos posicionamos. O comportamento
‘apolítico’ foi aquele imposto pela ditadura.
A escola livre de posicionamentos, ensinando “apenas” a ciência,
como se também fosse neutra da mesma forma, não existe. Estamos
firmemente posicionados contra a quebra dos direitos constitucionais e
do Estado de direito, porque não queremos viver a volta da ditadura, os
crimes do Estado contra os cidadãos, as torturas, os assassinatos, o
medo e o horror legalizados.
No atual momento político e social que a sociedade brasileira
vive, há claramente a intenção de criar um clima de caça às bruxas,
sobretudo voltado aqueles que compartilham suas ideias progressistas.
Consideramos que uma instituição, como o Colégio Medianeira, deve hoje
ser a garantia de lucidez e firmeza na manutenção de uma formação
democrática, plural e inclusiva.
Seguimos juntos na construção de uma sociedade democrática e melhor para todos.”
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/caixa-zero/professora-opina-sobre-politica-e-execrada-no-facebook-e-deixa-colegio-medianeira/?ref=yfp