quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Descriminalização do porte de drogas divide opiniões na capital

Segundo pesquisa, não há maioria de posição no DF. Tema deve ser votado no STF no próximo mês
 
A possível descriminalização do porte de drogas para uso pessoal divide a opinião dos brasilienses. Pesquisa do Instituto Exata OP, publicada com exclusividade pelo Jornal de Brasília, revela que a medida ainda é um tabu para boa parte da população. 

A maioria dos 600 entrevistados, 49%, acredita que o ideal é não absolver nem o uso nem a comercialização dos entorpecentes. Mas outras duas opiniões mostram que a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) não será uma decisão fácil. 

Para 26% dos entrevistados, o melhor seria descriminalizar o porte para uso pessoal. Já 24% avaliam que o ideal é descriminalizar o consumo privado e a comercialização. Nesse cenário, que agora depende da decisão de outros dez ministros do STF, o diretor do instituto Exata OP, Marcus Caldas, avalia: “A soma dos que são favoráveis à descriminalização do consumo e os que querem a liberação do porte e a comercialização mostra que a população está dividida sobre o tema”.

Porém, é nesse mesmo contexto que uma certeza surge entre a maioria. Para os brasilienses, o uso de drogas não é caso de polícia. Apenas 15% das pessoas questionadas acreditam que a segurança pública pode resolver o problema. Para 46,3%, a questão dos entorpecentes passa, primeiro, pela educação. Outros 37% afirmam que é um desafio de saúde pública. 

A pesquisa aponta que 77% das pessoas abordadas dizem nunca ter experimentado drogas. No entanto, de acordo com Marcus Caldas, a informação dos entrevistados pode não ser verdadeira, já que o questionamento ainda é motivo de constrangimento para a maioria. 

Questão qualitativa
Segundo Caldas, nas pesquisas em profundidade qualitativa, os números dos que já tiveram algum contato direto com alguma droga ilícita ultrapassa 40%. “E, aprofundando o tema relativo a problemas com drogas em conhecidos próximos ou parentes, o número chega a 70%”, completa o diretor do instituto Exata OP. 
“O perfil homem, com idade entre 27 e 48 anos, é o que mais afirma ter consumido algum tipo de droga”, ressalta, referindo-se aos 27% dos que reconheceram terem tido experiências com entorpecentes. 

Entre as mulheres, 13% confirmam que usaram algum tipo de droga. Somando todos, 138 pessoas afirmaram ter experimentado entorpecentes pelo menos uma vez. O restante, 468, negaram a experiência. Dos homens, vale ressaltar que a maioria, 49, acreditam que o ideal é não descriminalizar as drogas nem para usuários e nem para a comercialização. A mesma resposta foi obtida de 51 mulheres.

"Punição desproporcional"
Enquanto a população do DF mostra-se contrária à ideia da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, fato é que o STF deve concluir a votação do tema no próximo mês. Vale lembrar que o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que define como crime o porte para uso do indivíduo.

Em seu voto, Gilmar Mendes disse acreditar que a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. O ministro destacou também que se trata de uma punição desproporcional para o usuário, ineficaz no combate às drogas, além de infringir o direito constitucional à personalidade. 

“Tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional”, apontou, durante sessão. 

Depois do voto de Gilmar Mendes, o ministro Edson Fachin, que solicitou vista após decisão do relator, informou que cumprirá o prazo regimental de entrega do parecer e deve voltar ao processo até o dia 31 deste mês.

Debate é complexo e antigo na Justiça do País
O debate jurídico sobre a criminalização ou não do porte de drogas para uso pessoal teve início em 2009, com a condenação de um mecânico de 55 anos à prisão por porte de maconha para consumo próprio em Diadema, em São Paulo. A defensoria do estado, no entanto, diz que o artigo 28 viola o princípio da intimidade e da vida privada. O caso chegou ao STF em 2011 e decidiu-se que a sentença do Supremo valeria para todos.

De acordo com as normas da corte, o processo deve ser devolvido na segunda sessão após o pedido do ministro. Após liberação de Fachin, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, coloca o tema em pauta. 
E, se na avaliação dos brasilienses e dos ministros do STF o tema é complexo, por outro lado, há quem seja extremamente contrário à ideia. É o caso do delegado da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord), Rodrigo Bonach. No entendimento dele, a descriminalização seria “equivocada”. 

“Somos contrários, eu e a coordenação, haja visto os efeitos deletérios sobre a segurança pública que o tema envolve. Entendemos que essa facilitação do consumo pode aumentar a quantidade de pessoas viciadas, que podem se voltar à criminalidade, além de causar impacto na saúde pública”, diz.

Por outro lado, aponta Bonach, o tráfico continua e vai continuar sendo crime. “O único meio de os consumidores obterem a droga é pelos traficantes. Mesmo que nós descriminalizássemos o tráfico, por exemplo, iria subexistir aí o crime de contrabando.  Em torno do financiamento de drogas, há outros crimes, como roubos, furtos, posse de armas, lavagem de dinheiro. São crimes que transitam em torno do tráfico e que vão continuar a existir”, salienta o delegado. 

Na opinião de Bonach, a medida, que revela uma “legislação bipolar”, vai na contramão do que o País luta há anos. “Existe uma forte campanha para diminuir o consumo de drogas lícitas, como álcool e tabaco, e uma campanha forte para liberação do uso de drogas ilícitas. Vejo um contrassenso nisso”, salienta.

Docente diz que medida é um avanço
Docente de Direito Público e Penal e especialista em Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Vargas considera a medida um importante passo rumo ao direito privado e pessoal dos que fazem uso de drogas. 

“Sendo a pessoa adulta e o uso feito de maneira livre, ela pode fazer uso da substância que bem entender”, avalia. Porém, ressalta, a aprovação da lei não pode vir sozinha: “Se o Supremo decidir pela descriminalização, o legislador precisa estabelecer lei que diferencie consumo e tráfico para o consumidor não ser preso como pequeno traficante”. 

A professora lembra que em outros países, como o Uruguai, que legalizou o uso da maconha, não houve aumento de consumo. “É necessário que o Brasil avance ao menos na descriminalização. Isso é um passo para diminuir a violência, o problema de saúde pública. Vejo com muitos bons olhos a medida”, conclui.

Fonte: Da redação do Jornal de Brasília


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