sábado, 30 de abril de 2016

A economia de Meirelles

O ex-presidente do Banco Central deve ser o chefe das finanças do governo Michel Temer, caso o Senado afaste a presidente Dilma Rousseff. Conheça as suas armas para tirar o País da recessão

Henrique Meirelles, provável ministro da Fazenda num eventual governo Michel Temer, em declaração na sexta-feira 29: “restaurar a confiança na solvência do estado brasileiro e adotar medidas que possam, conjuntamente com a restauração da confiança, levar um aumento de investimento”
Henrique Meirelles, provável ministro da Fazenda num eventual governo Michel Temer, em declaração na sexta-feira 29: “restaurar a confiança na solvência do estado brasileiro e adotar medidas que possam, conjuntamente com a restauração da confiança, levar um aumento de investimento” ( foto: Na lata)
 
Desde a sua saída da presidência do Banco Central (BC), no fim de 2010, Henrique Meirelles jamais abandonou o desejo de retornar ao proscênio da política. Muito elogiado pelos seus oito anos à frente da autoridade monetária, Meirelles avaliava concorrer a um cargo eletivo. Para os amigos e assessores mais próximos, jamais escondeu a sua lista de pretensões, que incluíam o governo de Goiás, seu estado natal, a Prefeitura e o Governo de São Paulo, e até a Presidência da República.

Na campanha de 2010, tentou ocupar a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff. Preterido pelo PMDB em favor de Michel Temer, acabou arquivando temporariamente os planos políticos para se dedicar ao setor privado e à presidência da Autoridade Pública Olímpica (APO), órgão responsável por gerenciar as obras no Rio de Janeiro. Agora, a poucos dias da decisão do Senado sobre o afastamento da presidente Dilma, Meirelles está a um passo de voltar a Brasília. Após um profícuo encontro com o vice-presidente Temer, seu nome foi selado para o Ministério da Fazenda.

Aos 70 anos, o goiano formado em engenharia civil, que virou executivo financeiro de sucesso, terá pouco tempo e uma pequena margem de manobra para enfrentar a maior recessão da história do País. Temer tem sido cauteloso na formação do seu futuro governo. Não quer passar a impressão aos senadores, que ainda votarão o processo de impeachment de Dilma, de que está sentando na cadeira antes da hora. “Não posso, em respeito ao Senado, tratar da formação de um eventual governo, mas tenho que estar preparado para, conforme o rito, assumir o governo no dia seguinte, caso a decisão seja pelo afastamento temporário da senhora presidente da República”, afirmou Temer, na terça-feira 26.

Essa preparação tem sido feita através de inúmeras reuniões no Palácio do Jaburu, sede oficial da Vice-Presidência, além de encontros políticos como o realizado na quarta-feira 27, com os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG), na residência oficial da Presidência do Senado Federal. Na tarde de sábado 23, Temer recepcionou Meirelles para uma longa conversa sobre a situação econômica do País. O diagnóstico dramático não surpreendeu o vice-presidente, que havia recebido, dias antes, análise semelhante do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.

No entanto, ficou “muito bem impressionado”, segundo suas próprias palavras, com as ideias de Meirelles para virar o jogo num mandato que terá apenas dois anos e meio de duração. Ao jornal O Globo, Temer informou que escolherá o ministro do Planejamento (será o senador roraimense Romero Jucá), mas delegará “ao Meirelles” a indicação do presidente do BC e outros integrantes da equipe econômica. “Confesso que se eu tivesse que assumir hoje, o Ministério da Fazenda seria dele”, afirmou Temer, se referindo ao ex-presidente do BC. Imediatamente a Bovespa passou a subir e encerrou o pregão do dia em forte alta.

O mercado financeiro aplaude a ida de Meirelles para a Fazenda por seu histórico como guardião da moeda, sua credibilidade internacional e sua larga experiência no setor privado, que inclui a presidência mundial do BankBoston, na década de 1990, e, atualmente, a presidência do Conselho da J&F, holding do grupo que detém as marcas Friboi, Seara, Vigor e Havaianas, além do Banco Original, Eldorado Brasil e Canal Rural, entre outros negócios. “Meirelles é um executivo de mão cheia, que atrai pessoas competentes”, diz José Júlio Senna, ex-diretor do BC. “É difícil pensar num nome melhor neste momento.”

A favor do ex-presidente do BC conta ainda o seu interesse pela política, que lhe será de grande serventia nas difíceis negociações com os parlamentares. “Meirelles tem experiência para dizer ‘não’ e isso será importante, por exemplo, na renegociação das dívidas dos Estados”, diz Carlos Thadeu de Freitas, chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Além disso, contará com um Congresso mais dócil, com maioria pró-Temer. Eleito deputado federal pelo PSDB (foi o mais votado em Goiás), em 2002, Meirelles não chegou a frequentar o Salão Verde do Congresso Nacional, pois aceitou o convite do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar o BC.

Em 2009, se filiou ao PMDB de olho nas eleições do ano seguinte, mas não se candidatou. Em outubro de 2011, migrou para o PSD, partido criado pelo ex-ministro Gilberto Kassab, com a intenção de disputar a Prefeitura de São Paulo. Foi sondado para concorrer ao governo paulista, na eleição seguinte, quando afirmou, em entrevista à DINHEIRO, que “ser governador do maior estado do País era uma questão de oportunidade e destino”. A oportunidade não surgiu e o destino lhe coloca agora novamente em Brasília.

ARMAS ECONÔMICAS Com a situação fiscal em frangalhos – o País registra sucessivos déficits primários desde 2014 –, o ministro da Fazenda do novo governo sabe que a prioridade é colocar as contas públicas numa trajetória sustentável. Porém, o orçamento engessado, que torna obrigatórios mais de 90% dos gastos, dificulta a missão. A pedido de Temer, o senador Jucá, cotado para o Ministério do Planejamento (conheça a lista dos ministeriáveis ao longo desta reportagem), trabalha no Congresso Nacional pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a desvinculação de 25% das receitas de Estados, municípios e União pelos próximos quatro anos.

Interlocutores do vice-presidente da República garantem que está descartada, ao menos inicialmente, uma rodada de elevação de tributos. Esse discurso foi repetido em um encontro de seis horas com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, no domingo 24. “Ele não é a favor de aumento de impostos”, afirmou Skaf. A posição de Temer difere parcialmente da opinião de Meirelles que avaliara, uma semana antes, em Nova York, que seria preciso elevar a carga tributária “temporariamente” para melhorar o quadro fiscal.

No mesmo evento, organizado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, o futuro ministro da Fazenda externou alguns pontos de vista que simbolizam suas armas econômicas para dar um choque de expectativas. Na área fiscal, ele prega a desindexação do salário mínimo, cuja fórmula engloba a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes e a inflação do ano anterior. Além disso, defende uma reforma da previdência, com adoção de idade mínima, e uma reforma tributária que simplifique o sistema de impostos do País.

Assessores do PMDB sinalizam que a tesoura do governo poderá atingir até 60% dos investimentos, mantendo apenas as obras já em andamento. No âmbito monetário, Meirelles não abre mão do atual nível de reservas cambiais, acima de US$ 350 bilhões, nem da livre flutuação do câmbio, que só sofreria intervenções em momentos de alta volatilidade. Com a autoridade de quem foi o mais longevo presidente do Banco Central, Meirelles empunha a bandeira da autonomia formal do órgão.

A independência do BC, na avaliação dos especialistas, poderia gerar condições mais favoráveis para o País ter juros menores. No mercado financeiro, já existe uma avaliação predominante de que a recessão é tão profunda que o atual nível de juros tornou-se desnecessário para derrubar inflação. “Se a inflação está caindo de 10% para 7%, há espaço para a Selic cair três pontos percentuais, mantendo o mesmo patamar de juro real”, diz Érico Ferreira, presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

Na quarta-feira 27, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter, por unanimidade, a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano, mas não fechou as portas para um futuro corte. Além de reduzir a Selic, Meirelles acredita que a melhor forma de despertar o “espírito animal” do empresariado é desengavetar as concessões de infraestrutura. São projetos de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos que, somados, podem movimentar quase R$ 200 bilhões em investimentos nos próximos anos e, de quebra, melhorar a arrecadação do governo federal.

Outro ponto que agrada o setor privado é a flexibilização das leis trabalhistas, dando mais autonomia para as negociações entre sindicatos e empresas. “Com Meirelles, o governo Temer se blinda das críticas do PT, pois ele foi ‘companheiro’ dos ‘companheiros’ no governo Lula”, diz Roberto Macedo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda. Com o objetivo de reafirmar sua posição em favor dos mais carentes, o PMDB está apresentando um plano social.

Na sexta-feira 29, após novo encontro, desta vez na casa de Temer, em São Paulo, Meirelles foi indagado sobre os desafios do novo governo. “Em primeiro lugar, restaurar a confiança na solvência futura do Estado brasileiro”, afirmou. “E, em segundo lugar, adotar medidas que possam, de fato, conjuntamente com a restauracão da confiança, levar a um aumento de investimento e, em consequência, das contratações, das concessões de empréstimos, para que as empresas voltem a produzir, contratar e reverter a trajetória da contração da economia brasileira hoje.” Além das declarações públicas, é possível decifrar o seu pensamento econômico a partir dos seus artigos publicados na Folha de S.Paulo.

O texto mais recente destaca que os investidores internacionais terão um “papel fundamental” na retomada da economia brasileira, via investimento direto ou aquisição de ações e títulos de empresas. Nos seus 17 artigos publicados neste ano, as 10 palavras mais utilizadas foram: economia (40 vezes); Brasil (39); inflação (37); investimento (33); política (27); mercado (25); crescimento (22); juros (21); expectativa (21); e confiança (20). O vocabulário de Meirelles reforça a percepção de que ele já tem o diagnóstico correto dos problemas e o plano para tirar o País do buraco. Só faltam o sinal verde do Senado Federal e a assinatura de Temer.
“Meirelles é banqueiro. Não é milagreiro”
Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, elogia a escolha de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda, mas salienta que os desafios fiscais são enormes
Qual a sua avaliação sobre a escolha de Meirelles para a Fazenda?
É um bom nome, tem as ideias certas e vai montar um time bom. Ele é banqueiro, mas não é um milagreiro.
Ele terá mais respaldo político do que o Joaquim Levy teve?
Menos respaldo seria difícil. O Joaquim ficou solenemente pendurado na brocha a maior parte do período dele na Fazenda, pedindo uma escada, mas não deram. O vice-presidente Michel Temer está a par do que está acontecendo e parece ter entendido o tamanho da encrenca.

O ajuste fiscal será realizado?
Sou pessimista em relação ao tamanho do ajuste necessário. São R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões em 5 anos.
Como foi sua convivência com Meirelles no Banco Central? 
Trabalhei dois anos e meio com o Henrique e nos demos bem. Ele é bastante reservado. Agora, com ele na Fazenda, acredito que o BC terá independência.
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“O primeiro passo é reduzir os juros”
Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, defende a redução imediata dos juros para melhorar a dívida pública
Qual a sua avaliação sobre a escolha de Meirelles para a Fazenda?
Antes de mais nada, gostaria de dizer que eu não acho bom para a democracia esse tipo de troca de governo. Quanto ao Meirelles, eu vejo com preocupação o histórico de juros altos.
Já é possível reduzir os juros?
Claro. É uma aberração manter a taxa de juros com a inflação despencando por causa da recessão. A trajetória da relação dívida/PIB é crescente por causa do impacto dos juros. O primeiro passo é reduzi-los.
O sr. acha que o resultado ruim contribuiu para o apoio da população ao impeachment da presidente Dilma Rousseff?
O ambiente ruim na economia, sem dúvida, ajudou muito. É muito claro. É só olhar as pesquisas de opinião.
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Presente de grego para o novo governo
Por Gabriel Baldocchi
Uma bomba fiscal de R$ 402 bilhões espera Michel Temer caso a presidente Dilma Rousseff seja afastada pelo Senado no início de maio. O peemedebista terá de convencer os governadores a recuarem da ofensiva no Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de revisão da forma de cálculo da dívida dos Estados com a União. A decisão do pleito iniciado por Santa Catarina estava prevista para a sessão da quarta-feira 27, mas foi adiada por 60 dias para que as partes possam negociar.

Diante de uma crise profunda no caixa do Estado, o governador catarinense, Raimundo Colombo (PSD), aproveitou uma brecha legal para defender a incidência de juros simples, em vez de compostos (juros sobre juros), sobre o estoque da dívida, contrariando a lógica prevalecente na esmagadora maioria dos contratos financeiros. Se a tese for aceita, as dívidas estaduais com o governo federal cairiam de R$ 421 bilhões para R$ 42 bilhões e gerariam uma insegurança jurídica para todo o conjunto de operações no País – qualquer um poderia questionar os mesmos direitos num financiamento de veículos, por exemplo.

Por essa lógica, os impactos são incalculáveis. Até agora, oito Estados conseguiram liminares favoráveis à questão dos juros simples, com um impacto de R$ 2,6 bilhões para a União, apenas em abril. A decisão continua a valer durante os 60 dias. A proposta inicial da equipe econômica para aliviar a crise nos Estados previa um alongamento da dívida e uma redução temporária nas parcelas. Havia resistência, porém, em relação às contrapartidas exigidas, como a proibição à renúncia tributária, redução nas despesas com cargos comissionados e adoção de leis de responsabilidade estaduais. “A renegociação das dívidas foi bastante favorável”, afirma Mônica Mora, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“A iniciativa de pleitear no STF fugiu um pouco do que poderíamos esperar nesse momento.” Uma grande negociação de dívida foi fechada entre Estados e União em 1997. O endividamento vinha caindo desde então, mas um novo ciclo de crédito se iniciou após a crise financeira de 2008 e culminou num novo acordo, em 2014. “Teve um momento de bonança e os governos estaduais acabaram fazendo novos gastos”, afirma Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). “Não estavam preparados para enfrentar um momento adverso como o atual.”

http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20160429/que-henrique-meirelles-pode-fazer-pela-economia/367769

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