Professores readaptados relatam o sentimento de inutilidade e contam casos de assédio moral e de preconceito na escola
Desde
dezembro de 2013, professores readaptados da rede estadual se reúnem
pela internet para compartilhar experiências, dificuldades e informações
sobre sua categoria. Readaptados são professores que deixaram a escola
por problemas como depressão ou doenças ortopédicas e, por não terem
condições de voltar à sala de aula, são recolocados na escola para
outros trabalhos.
Na rede estadual de São Paulo, 14.340 professores estavam fora das salas de aula em maio de 2013.
O número de docentes readaptados após licença médica cresceu 25% em 2
anos: eram 11.872 em 2011. O problema se repete em redes municipais e
também em outras redes estaduais do país. No caso da cidade de São
Paulo, 5.647 docentes – o que corresponde a 9,7% da rede – estavam
readaptados em março de 2012, segundo o Atlas Municipal de Gestão de
Pessoas da Prefeitura de São Paulo 2013.
Sem
função clara dentro da escola, os docentes relatam cumprir serviços de
telefonista e de secretária, sofrerem preconceito e até assédio moral. O
iG conversou com algumas das professoras para saber quais os principais problemas que enfrentam. Confira abaixo.
'Me sentia deslocada, como um peixe fora d'água'
A professora Glizélia Gonçalves, 34, está
readaptada em escola estadual da capital paulista desde 2012 por
problemas na coluna que a obrigam a usar bengala. Trabalhando em uma
escola cheia de escadas, a professora conta que só restou a ela ficar na
secretaria da escola.
"Eu me sentia deslocada, como um
peixe fora d'água. Nunca tive pretensão de fazer trabalho burocrático.
Sem falar que o problema na coluna me deixa muito limitada quanto a
fazer esforços físicos, isso passa a impressão para os gestores da
escola de que não quero trabalhar."
Após isso, a professora diz que desenvolveu síndrome do pânico. "[A vice-diretora] não aceitava minhas limitações físicas. Às vezes, fazia até piadinhas pelo fato de eu não ser tão ágil quanto elas. Dava a impressão que ela odiava conviver com uma pessoa doente ou limitada. Comecei a passar muito mal no horário de ir trabalhar, tinha crise de falta de ar, palpitações etc."
Hoje, Glizélia está afastada após perder a visão de um dos olhos e aguarda cirurgia no Sistema Único de Saúde.
'Perdemos nossa identidade, não sabemos mais quem nós somos'
Professora em Santo André, Maria do Socorro Silva,
50, teve que se afastar da sala de aula por causa de problemas
ortopédicos. Desde 2006 faz parte da categoria de readaptados. Ao longo
de oito anos, a professora conta que desempenhou diversas atividades
ligadas aos alunos: "trabalhei na biblioteca, na sala de informática,
organizava as festas dos alunos".
Após um
desentendimento com o diretor da escola em dezembro de 2013, a
professora conta que ficou sem função dentro da escola. "Sofri assédio
moral. Sofri perseguição. E cada dia que eu ia para a escola e não me
era atribuída uma função, eu registrava", conta.
'Sinceramente, não sei o que faço na escola'
Com problemas ortopédicos por conta de obesidade
mórbida, diabetes e tomando antidepressivos, a professora K. Silva, 53,
tem experiências bastante diferentes entre dois momentos em que foi
readaptada na rede estadual de São Paulo.
"Na primeira
readaptação, ajudava na secretaria, na biblioteca, junto à direção e à
coordenação. Elaborava excursões, festas e passeios, e ajudava a fazer,
por exemplo, o Plano de Gestão da Escola. Me sentia bem útil. Quando
voltei desta vez a ser readaptada, me sinto inútil, pois não tenho uma
função estipulada. Hoje sinceramente não sei o que faço na escola.
Procuro atividades que possam auxiliar minhas colegas em sala de aula.
Ligo e desligo datashow, abro a biblioteca pela manhã", afirma.
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2014-10-30/sinto-que-o-estado-quer-me-enterrar-viva-diz-professora-readaptada.html
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