Segundo depoimento de um grupo de meninas a comitê, canteiro de obras do estádio fez intensificar exploração na região
SÃO
PAULO - Bairro onde está instalado o recém-construído estádio do
Corinthians - palco da cerimônia de abertura da Copa do Mundo -,
Itaquera, na zona leste da capital paulista, registrou casos de abusos
sexuais contra crianças e adolescentes no período de construção da
arena.
Depoimentos de um grupo de meninas, prestados no início do
mês de abril a um comitê de defesa dos direitos da criança, comprovam
que o canteiro de obras do estádio fez intensificar a exploração na
região.
"A gente colheu depoimentos de meninas que foram
vitimizadas durante o período [de construção do estádio, iniciado em
2011]. É fato que existe e existiu a exploração sexual naquele momento e
nas imediações do Itaquerão", destaca a vereadora Patrícia Bezerra
(PSDB), uma das integrantes da delegação que colheu os depoimentos. Ela
foi relatora de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Câmara
dos Vereadores de São Paulo, encerrada em dezembro de 2013, que apurou a
exploração infantil no município.
Em um dos depoimentos, a
menina B., de 13 anos, conta que foi assediada e abusada sexualmente
por um dos trabalhadores do canteiro de obras do Itaquerão e que
engravidou.
"Um rapaz sempre dava em cima de mim na rua
quando eu passava. Isso começou a me incomodar por ele ser bem mais
velho. Meu pai sabia que ele dava em cima de mim e não fazia nada. Ele
foi tentando se aproximar várias vezes. Até que um dia saí com ele e fui
abusada. Engravidei. Depois de um tempo ele disse que me assumiria. Meu
pai não se importou muito. Até parece que para ele isso foi bom, porque
era uma boca a menos para alimentar. Pode ter sido bom para ele, não
para mim", disse a menina, moradora de uma comunidade próxima ao
Itaquerão.
A reportagem da Agência Brasil esteve nas
imediações do estádio em maio e não demorou a encontrar depoimentos de
quem trabalha na região e conhece a realidade de exploração sexual de
crianças e adolescentes. Sem se identificar, um trabalhador contou que o
crime ocorre nas proximidades de uma favela e que os casos continuam
nos dias de hoje. "Já presenciei. Pelas características, dá para notar
que são meninas novas."
A prefeitura de São Paulo reconhece
a região do estádio como um dos pontos vulneráveis a esse tipo de crime
e acionou uma rede de proteção, que inclui assistência social,
conselhos tutelares e escolas. A medida integra a Agenda de
Convergência, estratégia do governo federal, por meio da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, no enfrentamento à
violação dos direitos da criança e do adolescente durante grandes
eventos, como a Copa do Mundo.
"Essa ação mobiliza os
atores sociais das redes locais e foi implantada na capital paulista.
Não só lá na região de Itaquera, mas em outros pontos de concentração
onde as pessoas vão assistir aos jogos", informou Fábio Silvestre,
coordenador de políticas para crianças e adolescentes da Secretaria
Municipal de Direitos Humanos.
Silvestre destacou que a
prefeitura reforçou também a campanha de divulgação do Disque Direitos
Humanos - Disque 100, que recebe esse tipo de denúncia.
Para
a organização não governamental Plan Internacional, que trabalha com
temas ligados à infância, conscientizar os cidadãos sobre a importância
de denunciar ainda é um desafio. "É muito ínfimo o número de denúncias
relativas a turismo sexual e exploração sexual infantil. Por mais que a
campanha tenha se intensificado, atuar diretamente nas comunidades que
são afetadas deveria ser um trabalho mais intensivo do governo", destaca
Mônica Souza, gerente de marketing da ONG.
A principal
preocupação da Plan Internacional é que, com a vinda de turistas para a
Copa, principalmente homens, aumentem os casos de exploração sexual de
crianças e adolescentes nas áreas onde já há registros desse crime.
"Nossa preocupação é que essas meninas fiquem mais expostas e mais
vulneráveis a esse tipo de prática", destacou Mônica.
Para a
vereadora Patrícia Bezerra, o tema ainda não mobiliza os governos como
deveria. "O problema principal é isso não ser uma agenda e não ter sido
tomada até hoje como prioridade. Enquanto essa temática não for levada a
sério, vai ser muito difícil ver, no final do túnel, uma luz com
relação à exploração sexual infantil."
O coordenador Fábio
Silvestre acrescentou que a decisão dos governos municipais e estadual
de decretar recesso escolar no período da Copa não ajuda nesse cenário,
uma vez que as crianças podem ficar mais expostas fora das salas de
aula. "Infelizmente, para nós, foi ruim. Mas nós conseguimos reverter
com a realização de atividades nos CEUs [centros educacionais
unificados], que a Secretaria de Educação está organizando para ocupar a
meninada", disse.
Dados do Disque 100, da Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República mostram que, em
2013, o estado de São Paulo foi o que mais recebeu denúncias de
violência sexual contra crianças e adolescentes. Foram 3.889 casos
relatados. No ano anterior, os registros somaram 3.739 casos.
http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/palco-da-abertura-da-copa-itaquera-registra-casos-de-abusos-contra-crian%C3%A7as
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