À espera de um milagre para reduzir seus índices de criminalidade, o
Brasil ameaça caminhar para trás ao reduzir a maioridade penal de 18
para 16 anos de idade, opinam especialistas em legislação de proteção
aos jovens. Em tempos em que a tendência global é a contrária, o país dá
espaço para uma proposta de emenda constitucional que quer mudar uma
legislação tida como uma das mais avançadas no mundo, resgatando ideias
que vigoravam por aqui no século XIX. Projeto, esse, que na última
terça-feira foi considerado constitucional pela Câmara de Deputados –
com o apoio de 92,7% da população, segundo dados de 2013 da CNT.
Poucos,
no entanto, sabem que a lei brasileira de proteção à infância e à
adolescência serve de modelo para a comunidade internacional. Nascido em
meio ao fervor da redemocratização e de uma nova Constituição, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que completa 25 anos em
julho – é observado especialmente pelos países vizinhos, que seguem
firmemente os passos do Brasil na área. Quem faz a observação é Gary
Stahl, representante da UNICEF em território nacional, recordando que o
país "foi o primeiro a assinar a Convenção sobre os Direitos da Criança e
do Adolescente, da ONU, da qual só os Estados Unidos está ausente".
Para
Stahl, “a simplicidade do pensamento" de quem acha que baixar a idade
penal vai reduzir a criminalidade é preocupante. “Acredita-se que a
violência vai diminuir milagrosamente. O que as pessoas ignoram é que
estabelecer os 18 anos como maioridade não é algo aleatório, e sim com
bases científicas, a partir de estudos de desenvolvimento do cérebro. Um
adolescente que vai pra prisão, vai pra uma escola de crime. A
criminalidade tem tudo pra aumentar”, diz. No mundo, cerca de 70% dos
países têm 18 anos como idade mínima para responder judicialmente.
Outra
grande motivação de quem apoia a redução da maioridade penal, acreditam
os especialistas, é pensar que o adolescente em dívida com a lei sai
impune de seus crimes. "Na realidade, com os atenuantes que existem, uma
pena pode ser menor no presídio comum do que no sistema de internação
socioeducativa”, explica o advogado Davi Tangerino, especialista em
direito criminal e professor da UERJ. Para ele, o fato do ECA estar
praticamente ausente do debate é um sinal de que “existe apenas um jogo
retórico" e não um desejo real de melhoria. "É um discurso que desonera o
legislativo da promoção dos direitos dos jovens e que responde apenas a
uma disputa ideológica, sem qualquer reflexão sobre seu impacto",
opina.
“A dívida está do outro lado”
Reportagens
que espetacularizam crimes envolvendo adolescentes, na visão do
deputado Alessandro Molon (PT), abrem abre caminho na sociedade para
discursos truculentos, como os que andam em vigor. “É uma falácia. Menos
de 1% dos crimes cometidos no Brasil envolvem adolescentes”, diz Molon,
citando o dado da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Para
Gary Stahl, está em curso uma inversão de responsabilidades. “A dívida
está do outro lado. Há muito mais adolescentes morrendo no Brasil do que
cometendo crimes. Mais de 33.000 brasileiros de 12 a 18 anos foram
assassinados entre 2006 e 2012. Se continuar assim, até 2019 nosso
prognóstico é que morram outros 42.000”, afirma o representante da
UNICEF.
Tangerino é ainda mais incisivo no tom da autocrítica que
acredita que o país deveria fazer: “Tomemos de exemplo um estado como
São Paulo. Aqui, o PSDB, que é a favor da redução, está há mais de 20
anos no poder. Digamos que sejam 16, que seria a nova idade penal. O que
estão dizendo ao adolescente que comete o crime é: ‘Vamos pegar esse
resultado indesejável e encarcerar’. É uma inversão”.
Enquanto a
oposição defende que a PEC 171/93 deverá conseguir ampla maioria tanto
na Câmara dos Deputados, onde será votada em duas instâncias, depois no
Congresso (novamente em dois momentos), o Governo estuda acelerar a
votação de um projeto de lei que endurece as penas dos adultos que
cooptam crianças e adolescentes em crimes – também aprovado na semana
passada na Câmara. “Estamos discutindo também em que momento será melhor
ingressar uma ação no Supremo Tribunal Federal contra a proposta”,
conta Molon.
Será que o Brasil vai mesmo acelerar em marcha ré?
“Precisamos de uma força para frear esse avanço, de vozes esclarecidas
do campo da oposição, como foi a de Fernando Henrique Cardoso na questão
da legalização da maconha. A figura dele permitiu que o tema entrasse
minimamente em debate”, diz o advogado.
Em seu último mandato, o
ex-presidente tucano se manifestou contra a redução. Em 2001, durante a
entrega do Prêmio Nacional Direitos Humanos, ele disse à Folha de S. Paulo:
“Não podemos, por causa da violência, nos envolver pela insensatez e
buscarmos bodes expiatórios. Esse seria o caminho mais fácil. Daria uma
sensação de que a sociedade estaria sendo dura, quando na verdade seria
um simples escapismo".
Do lado da UNICEF, o que Stahl prevê é que
os deputados brasileiros começarão a suavizar seu discurso policialesco
quando o tema chegar à comunidade internacional. “Eles se preocupam com a
imagem que projetam fora do país”, avalia.
Crianças tratadas como adultos
Segundo o advogado
formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Hamilton
Ferraz, a lei “foi se especializando conforme a tendência
internacional”.
“[A mudança acontece] ao tempo em que o sistema indiferenciado vai sofrendo críticas cada vez mais severas, não apenas pelo contato entre jovens e adultos e pelas insuficiências e ilegalidades dos estabelecimentos existentes, mas pela própria ideia de punição e repressão a crianças e adolescentes por meio do aprisionamento”, analisa, em sua monografia sobre a evolução do tratamento jurídico dado aos jovens no Brasil.
http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/redu%C3%A7%C3%A3o-da-maioridade-penal-pode-aumentar-a-criminalidade-no-pa%C3%ADs/ar-AAauNVe
A
experiência de dar às crianças e aos adolescentes o mesmo tratamento
dos adultos, o Brasil já viveu no passado. Em 1890, durante a República
Velha, a maioridade penal foi estabelecida em nove anos de idade, sob um
tratamento praticamente igual para crianças, adolescentes e adultos,
com diferenças apenas nos tempos de pena.
“[A mudança acontece] ao tempo em que o sistema indiferenciado vai sofrendo críticas cada vez mais severas, não apenas pelo contato entre jovens e adultos e pelas insuficiências e ilegalidades dos estabelecimentos existentes, mas pela própria ideia de punição e repressão a crianças e adolescentes por meio do aprisionamento”, analisa, em sua monografia sobre a evolução do tratamento jurídico dado aos jovens no Brasil.
http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/redu%C3%A7%C3%A3o-da-maioridade-penal-pode-aumentar-a-criminalidade-no-pa%C3%ADs/ar-AAauNVe
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