Para pesquisador da UFG, governo federal tem de cobrar qualidade dos cursos que financia pelo Fies e pelo Prouni
A rápida passagem do ex-ministro da Educação Cid Gomes foi
marcada por problemas e polêmicas sobre o Fies (programa federal de
financiamento estudantil). De um lado, o ministério criou novas regras
para a obtenção de crédito, como o mínimo de 450 pontos no Enem, e a garantia de atendimento apenas para instituições com nota alta em avaliações do MEC. De outro, os problemas na comunicação e o atraso no calendário levaram estudantes a pagar matrícula e mensalidades sem saber das novas regras.
Na última semana, a presidente Dilma Rousseff chegou a admitir que o governo errou com o Fies e,
por isso, precisou mudá-lo. Para João Ferreira de Oliveira, professor
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, o governo tem
dificuldades em melhorar os critérios de qualidade do programa por
pressão do ensino privado.
Do ponto de vista dos
estudantes, o coordenador do grupo de pesquisas sobre Expansão do Ensino
Superior e Produção do Conhecimento diz que "não adianta entrar no
setor privado em um curso de baixa qualidade. A pessoa porque é pobre
tem que fazer um curso ruim?".
Confira abaixo a entrevista:
iG: Na última década, o governo federal tem feito um esforço para aumentar o número de alunos no ensino superior, com o Reuni (programa de expansão das federais), o ProUni (de bolsas no ensino privado) e o Fies (de financiamento estudantil). Como o senhor vê a articulação desses programas?
Acho
que o grande debate é a questão do público e do privado, de como usar o
recurso público para expandir o ensino público e o privado. A questão
de fundo é se o Estado deve usar sua renda para expandir [a rede
privada] ou só sua rede federal. O que a gente tem visto do governo Lula
para cá é uma forte expansão da rede privada, mas também houve grande
expansão de educação pública.
O sistema, no entanto, mantêm os
patamares de matrículas de 75% do ensino superior no setor privado e 25%
no setor público que vinham do governo do Fernando Henrique
Cardoso. Muitas dessas matrículas no setor privado têm se mantido com
dinheiro do ProUni e do Fies. Estatísticas mostram que 40% das matrículas do setor privada são mantidas dessa maneira.
Estamos
vivendo uma situação que é bastante complexa porque, como o governo
ampliou enormemente os recursos para o financiamento em instituições
privadas, ele agora está sofrendo as pressões do próprio setor privado
quando tenta aperfeiçoar as regras. E ainda temos uma meta de duplicar as matrículas do ensino superior até 2024.
O
fortalecimento do Fies e do Prouni foi feito sob o discurso de usar as
vagas ociosas da rede privada para ampliar de maneira mais rápida a
inclusão no ensino superior. O Brasil é o segundo país da
América Latina com o ensino superior mais privatizado, só atrás do
Chile. Outros países fizeram a expansão pelo setor público. Então, é uma
balela dizer que para expandir a educação superior você tem de fazê-lo
pela via do privado. O privado tem de seguir as leis de mercado e não
depender de financiamento público para se manter.
O discurso do
Ministério da Educação, desde outros governos, é que expandir as vagas
nas universidades federais é mais caro porque você tem uma outra lógica,
de ter professor doutor, de ter geração de conhecimento, de ter
pesquisa e ensino. No ensino privado, as instituições são mais focadas
no ensino, seja presencial seja a distância.
No privado, o que
temos visto é que essa expansão tem se baseado no professor contratado
por hora-aula, basicamente focado no ensino de graduação, com mestrados e
doutorado aqui e ali. O ensino mercantil se expandiu muito mais que o
ensino privado sem fins lucrativos, como o das confessionais [PUC,
Mackenzie], que ainda têm mestrados e doutorados e professores que fazem
pesquisa.
Em dezembro, o ministério anunciou a adoção da
pontuação no Enem como critério para seleção do Fies (450 pontos como
mínimo). Era necessária essa alteração?
São duas
coisas, uma é a nota que se pede do aluno no Enem e a outra é a nota
exigida das instituições. Se há menos recursos ou se quer elevar a
qualidade, pode-se exigir mais qualidade pelas avaliações [que vão de 1 a
5].
Um aluno com notas baixíssimas entrando em um curso de
nota 3 agrega algum valor à sua formação? Se o foco é desenvolver
habilidades e competências, um curso de baixo prestígio social vai
agregar valor a essa formação? O outro aspecto é que nós não temos
recursos para ficar gastando com cursos de baixa qualidade. Já que vai
manter o sistema de financiamento a instituições privadas, que esse
financiamento seja feito em instituições de qualidade.
Até
o ano passado, o governo federal distribuía crédito estudantil para
vagas em instituições que tivessem notas acima de 3 na avaliação do MEC.
Este ano, o ministério afirmou que garante apenas o atendimento pleno
para cursos nota 5, mas não disse como serão os critérios para cursos 3
ou 4. Essa mudança é suficiente?
Acho que tem de elevar os critérios. As notas vão de 1 a 5, em geral as instituições privadas trabalham com nota 3. A maioria dos alunos têm acesso ao ProUni e ao Fies em instituições que têm a nota mínima. Exigir a nota 4 da instituição seria exigir um patamar que puxa a qualidade para cima. E no Enem, tem de exigir uma pontuação que seja razoável até para o acompanhamento do curso.
Acho que tem de elevar os critérios. As notas vão de 1 a 5, em geral as instituições privadas trabalham com nota 3. A maioria dos alunos têm acesso ao ProUni e ao Fies em instituições que têm a nota mínima. Exigir a nota 4 da instituição seria exigir um patamar que puxa a qualidade para cima. E no Enem, tem de exigir uma pontuação que seja razoável até para o acompanhamento do curso.
O corte por nota não tira do sistema exatamente os alunos de baixa renda, que vêm da escola pública?
As instituições privadas dizem que estão fazendo a inclusão social. Hoje existe um sistema de cotas nas univesidades federais que separa ao menos 50% das vagas [até 2016] das federais para estudantes de escola pública. No Brasil, 88% das matrículas do ensino médio estão nas instituições públicas. O sistema de inclusão, mesmo nas públicas e mesmo com as cotas, é ainda injusto do ponto de vista das matrículas no ensino médio.
As instituições privadas dizem que estão fazendo a inclusão social. Hoje existe um sistema de cotas nas univesidades federais que separa ao menos 50% das vagas [até 2016] das federais para estudantes de escola pública. No Brasil, 88% das matrículas do ensino médio estão nas instituições públicas. O sistema de inclusão, mesmo nas públicas e mesmo com as cotas, é ainda injusto do ponto de vista das matrículas no ensino médio.
Essa inclusão precisa ser feita, sobretudo nas
públicas. É evidente que o sistema de ensino superior no País ainda é
considerado de elite porque você tem 15% dos jovens que conseguem entrar nele.
Mas estão entrando mais alunos de baixa renda e, claro, não dá para
negar que muita gente está entrando nas escolas privadas. Mas não
adianta entrar no setor privado em um curso de baixa qualidade que não
agrega valor nenhum. A pessoa porque é pobre tem de fazer um curso ruim?
O
que defendo é que de fato haja uma inclusão social, que pessoas de
escola pública com baixa renda também possam frequentar cursos de
prestígio, como medicina e engenharia, e de qualidade. Uma ideia
interessante: por que não ter cotas em cursos de prestígio social no
ensino privado?
Em 2010, tínhamos 4,7 milhões de alunos
no ensino superior privado. Em 2013, o número era de 5,4 milhões. Se são
40% de alunos dentro dos programas de bolsa ou de crédito do governo
federal, o crescimento não deveria ser da mesma ordem?
As
matrículas estão crescendo. Agora, não dá para olhar para o número
de vagas e de matrículas sem olhar para o cenário. As pessoas levam em
conta se o curso tem prestígio, se vai agregar valor para o mercado de
trabalho e também levam em conta a própria trajétoria escolar.
Há
uma demanda muito grande por vagas de cursos de medicina, que às vezes
têm cem candidatos por vaga. Um curso de licenciatura, mesmo em
federais, às vezes não chega a ter um candidato por vaga. Estamos tendo
um apagão nas licenciaturas porque é uma profissão pouco atraente.
Precisamos desesperadamente formar gente em licenciatura em biologia,
física, e não temos alunos interessados. A expansão não se faz sem
planejamento estratégico.
O curso de direito, por
exemplo, você tem um grande número de alunos que fazem o curso e ficam
anos e anos tentando passar no exame da OAB, às vezes nunca vão passar.
Isso é uma tragédia.
O
que é preciso fazer para que aumentemos o número de alunos no ensino
superior e alcancemos a meta de 33% de alunos de 18 a 24 anos em 2024?
Se
não houver uma estratégia forte com frente de expansão pública – seja
no bacharelado seja na licenciatura seja tecnólogo –, dificilmente vamos
alcançar a meta do PNE [Plano Nacional de Educação]. Acho que também
vale a expansão via educação a distância em universidades públicas. E
isso vai requerer do governo um outro Reuni, que não parece possível
nesse cenário econômico. No patamar de crescimento que temos, não vamos
chegar lá. Não para graduação.
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-03-23/fies-nao-adianta-entrar-na-faculdade-em-curso-de-baixa-qualidade.html
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