Com o estrago da corrupção da Petrobras e a queda de arrecadação, lojas não param de fechar em 23 cidades do Rio
O efeito cascata da crise do petróleo provocada
pela Operação Lava Jato e a queda do preço do barril de petróleo
empurraram o comércio para o atoleiro. A ponta mais sensível da cadeia
produtiva sentiu o duro golpe da retração de investimentos da Petrobras e
das obras do Comperj. E parece até que uma nuvem negra estacionou sobre
os municípios do Rio. O ouro que reluziu no vai e vem diário de
milhares de ávidos consumidores foi substituído pelo fecha-fecha das
lojas em pelo menos 23 cidades do estado. Resultado da redução drática
na arrecadação dos comerciantes, que chega a 40% nos dois últimos meses —
em comparação ao mesmo período de 2014.
Queda tão acentuada que levou os
comerciantes de Itaboraí — cidade onde Petrobras constrói o Comperj — a
apelar para a fé. E logo num município que cresceu ouvindo as histórias
dos milagres da imagem do Cristo que chorava no Santuário do Jesus
Crucificado, no distrito de Porto das Caixas. Haja fé: a Câmara dos
Dirigentes Lojistas (CDL) estima que as vendas caíram 40% e dezenas de
comerciantes encerraram as atividades desde que a Operação Lava Jato
expandiu as investigações, em novembro. Era a interrupção do milagre
econômico que mutiplicou por dez a arrecadação comercial ao levar 34 mil
operários para trabalhar no Comperj, a partir de 2008, e atraiu as
grandes redes varejistas.
A redução para 4.400 operários nos
canteiros de obra causou um baque na cidade e em pelo menos 13
municípios vizinhos. Pior: com as empresas enroladas na investigação
tirando o pé do investimento e outras praticamente extinguindo a
operação, criou-se uma legião de demitidos comprando a crédido que
deixaria de honrar nos meses seguintes. Aluguéis, alimentos, remédios...
Virou um ciclo de calotes na cidade, onde cada morador tem uma história
de prejuízo para contar.
Algumas, na verdade, têm latifúndio de dinheiro
a receber. Só não sabem quando. O empresário Marcos Paulo Pieres e
Silva, 33 anos, foi um dos primeiros a investir na cidade. Saiu da
vizinha Teresópolis, alugou um prédio e instalou a Pousada do
Trabalhador para receber centenas de operários de outros estados para
trabalhar no Comperj. Seguiu certinho a cartilha dos empreendedores:
aplicou cada centavo ganho na ampliação do negócio e ergueu dois anexos.
Uma história com direito a final
feliz se não fosse a Lava Jato arrastar a empresa Alusa para o mar de
lama. O principal cliente do empresário afundou e deixou uma dívida de
R$ 450 mil pelo alojamento de quase 500 funcionários. Ele tentou se
manter por alguns meses na esperança da retomada dos negócios, até que
mês passado começou a vender toda a mobília para quitar parte dos
débitos de R$ 350 mil com os fornecedores. “Passei o carro, meus cartões
pessoais foram cortados e as minhas filhas só continuam estudando
graças à diretora, que deu duas bolsas”, detalha Marcos Paulo.
“Acreditava que a Petrobras era um porto seguro”, disse.
A segurança no negócio foi justamente o que
arrastou comerciantes para Itaboraí e as vizinhas Cachoeira de Macabu e
Tanguá. Com a subida dos preços de aluguéis e alimentação, se tornaram a
opção de cidade mais barata e receberam centenas de operários. Cada um
ampliou o negócio da forma que podia e casas no Centro se transformaram
em alojamentos e pensões. Com uma súbita inflação. O aluguel de um
apartamento simples passou a R$ 1,5 mil. Era o eldorado para cidades
humildes, que entrou em depressão ao ver o retorno dos operários à
cidade natal.
“Aqui tá morto. Voltamos à estaca zero, a ser o
que éramos antes. Até pior por causa dos calotes”, explicou a
administradora de imóveis Daniela Jesus, com escritório bem no Centro de
Papucaia, distrito de Cachoeira de Macacu, onde a queda no movimento
nas lojas chega a 30%. O roteiro de cidade fantasma também se encaixa em
Tanguá e Rio Bonito, onde as vendas são estimadas em 26% e 20%,
respectivamente.
Como O DIA mostrou ontem, pelo menos 50 mil
trabalhadores perderam o emprego no estado desde a fase mais dura da
Operação Lava Jato. A maior parte (32 mil operários) concentra-se nos 14
municípios ao redor do Comperj e foram impactados pela redução das
obras. Os demais estão no cinturão das cidades atingidas pelo freio nos
investimento e a queda nos royalties, desde que o preço mundial do
barril do petróleo despencou.
CRISE ATINGE ATÉ A PROSTITUIÇÃO
O que mais se escuta em Macaé, nestes
tempos de crise, é que os macaenses apertaram o cinto e estão cortando
todos os supérfluos. O impacto da retração econômica chegou às ruas. Em
todos os sentidos. Se muitos trabalhadores deixaram as mais diversas
regiões do país em busca das oportunidades surgidas na cidade
considerada a‘capital do petróleo’, o mesmo se pode dizer das garotas de
programa que deixaram Copacabana, no Rio, de olho no alto poder
aquisitivo da população masculina em Macaé.
“Está ruim de afrouxar esse cinto.
Ninguém aqui abre mais o bolso para nada. A crise está braba. Há dois,
três anos a gente chegava a fazer 15 programas por dia, cobrando em
média R$ 120 em cada um. Agora só contamos com um programinha ou outro,
às vezes não rola nenhum. Mesmo com promoção”, conta Bruna, de 27 anos,
que agora cobra R$ 100 por uma hora de prazer.
Colega de Bruna, Fernanda lembra com
saudade das festinhas bancadas pelo “turma do petróleo” que trabalhava
em alto-mar. Assim que voltavam ao continente, patrocinavam festas e
mais festas que duravam dias inteiros. O eldorado do petróleo era também
o da prostituição.
“Era para ter resolvido a nossa vida. Tínhamos
noite inteiras de rainha aqui em Macaé. Muito melhor do que no Rio de
Janeiro. Nem se comparava. A galera tinha grana mesmo. Esbanjava em
tudo. Foram as melhores festas da minha vida. Esse oásis durou até
outubro do ano passado”, acrescentou Bruna.
OÁSIS NEGROS, RIO DAS OSTRAS E MACAÉ AMARGAM DIAS DE DECADÊNCIA
Os anos dourados sonhados pelos moradores do
Norte Fluminense deram lugar a tempos de incerteza e falta de
perspectiva. A situação em Macaé, apontada há alguns anos como Eldorado
do petróleo, é desesperadora. O secretário municipal de Desenvolvimento
Econômico e Tecnológico, Vandré Guimarães, admite a situação tensa.
“A crise não é coisa nossa. É mundial. O preço
do barril caiu pela metade e isso afeta todas as cidades que vivem de
royalties no mundo todo. No Brasil fica pior devido aos escândalos
recentes, mas o problema é o preço do barril, que interfere na economia
da cidade, do petroleiro ao pipoqueiro”, justifica Vandré.
A crise em Macaé salta aos olhos. Numa simples
caminhada pela Avenida Rui Barbosa, a principal da cidade, dezenas de
lojas estão fechadas ou prestes a fechar. As outras, abertas, estão às
moscas.
“O movimento em dezembro foi 20% pior do que em
2013. E o de agora já caiu mais 20% em relação a dezembro. Há um clima
de insegurança. Ninguém está comprando nada com medo do que pode
acontecer. Felizmente não demitimos ninguém, mas já reduzimos muito as
compras”, contou Wallace Araújo, gerente das Casas Lealtex, uma das
maiores do Calçadão.
Mesma sorte não tiveram quatro dos 19
funcionários da papelaria VM, que foram dispensados esta semana. Segundo
o proprietário, Mário Loureiro, com queda de 35% nas vendas, novos
cortes podem acontecer ainda este mês.
“Tive prejuízo de R$ 750 mil. Coloquei o
material escolar à disposição das distribuidoras. Não tenho como pagar a
ninguém sem comprador na loja. Se quiserem, podem vir aqui pegar tudo
de volta”, disse Mário, se referindo aos produtos à venda.
No tradicional Mercado de Peixe, o cenário é
desolador. Uma das donas de barraca, Dona Marilene, como é conhecida,
reclama de queda das vendas em aproximadamente 50%. “Não vendo mais nada
para hotéis e restaurantes. E gente que vinha aqui comprar camarão sem
nem olhar o preço, não vem mais. Tá complicado para trabalhar”, lamenta.
Vizinha a Macaé, Rio das Ostras vive uma
situação semelhante. Em Costazul, que costumava ficar lotada durante o
verão, a maioria dos quiosques está fechada. As casas à beira-mar,
alugadas por temporada, estão vazias, bem como hotéis e pousadas.
“Tivemos o pior verão dos últimos dez anos Em
vez de turistas, vieram ‘duristas’. Todo mundo duro. Teve gente que
sentou no quiosque, trouxe isopor com cerveja e quentinha com comida.
Não consumiu um real” contou Jorge Armando, o Doda, há 23 anos em
Costazul.
O casal Débora Siqueira e Cleber de Araújo sabe
bem o que é isso. Ela, como funcionária da Petrobras. Ele como
recém-demitido da prestadora de serviços Fluke Engenharia. “Fomos
demitidos entre mais de 400. A empresa em Rio das Ostras fechou. As
pessoas vinham para cá com a ilusão de serem petroleiros. Viemos atrás
de tudo o que prometiam. Agora vivemos a angústia, o ócio, a incerteza
com o futuro”, se desespera Débora.
Na rua onde há cinco anos não havia sequer uma
quitinete para alugar, sobram casas e apartamentos vazios com placas de
‘vende-se’ na porta. Em meio aos problemas, ainda sobra bom humor para
Débora e Cléber contarem como tudo mudou em Rio das Ostras. “Já tivemos
Carnaval aqui com Claudia Leitte, Jota Quest, Ivete Sangalo, Thiaguinho e
Luan Santana. Este ano a única atração foi uma pelada com atores de
Malhação. Entendeu a crise?”, comparou Débora.
http://odia.ig.com.br/noticia/economia/2015-03-13/crise-do-petrolao-afeta-ate-prostituicao.html
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