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O caso ocorreu no Poupatempo de Santos em 2010 
Na semana em que o goleiro santista Aranha foi chamado de “macaco” por torcedores do Grêmio e a questão do preconceito racial novamente tomou conta do noticiário e das redes sociais, outra vítima de racismo, mas anônima, teve a discriminação sofrida reconhecida pela 3ª Vara do Juizado Especial Cível (JEC) de Santos.
 
Aranha foi hostilizado na Arena do Grêmio na quarta-feira da semana passada. Na véspera, no JEC, o juiz Daniel Ribeiro de Paula condenou o taxista Carlos Alberto Valente, de 57 anos, ao pagamento de indenização de R$ 5 mil, a título de dano moral.
 
A condenação decorreu do fato de Valente chamar de “macaca” a funcionária pública municipal Marcela de Oliveira Fernandes. A ofensa com teor racista aconteceu em 31 de maio de 2010, na unidade santista do Poupatempo, onde a vítima trabalhava na época.
 
Sob o argumento de estar descontente com o atendimento prestado na repartição, o taxista ofendeu a servidora e ainda disparou, na frente de várias pessoas, o seguinte comentário: “Preto não tinha que trabalhar nesse lugar”.
 
Marcela registrou boletim de ocorrência no 1º DP de Santos, que deu origem a um processo criminal, e ajuizou a ação cível. Conforme o magistrado frisou na sentença do JEC, eventual insatisfação com o atendimento jamais poderia justificar a reação adotada pelo réu.
 
O juiz Daniel de Paula também destacou que a prova testemunhal produzida não deixou dúvida sobre a prática da injúria em razão da raça e da cor da vítima, sendo irrelevante suposto desentendimento prévio entre Valente e Marcela, que não ficou comprovado.
 
Em local público
 
Para o magistrado, a gravidade da conduta do réu ainda foi potencializada pelo fato de ela acontecer em local aberto ao público, com movimento diário, na época, de quase 7 mil pessoas.
 
A decisão da 3ª Vara do JEC não é definitiva: cabe recurso. Ao valor da indenização devem ser acrescidos juros legais desde a citação, além da correção monetária a partir da data da sentença.
 
Segunda condenação
 
Carlos Alberto Valente já havia sido condenado, na esfera penal, à prestação de serviços comunitários pelo mesmo episódio no Poupatempo.
Inconformado com a decisão de primeiro grau, ele apelou, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento ao recurso por unanimidade, tornando a pena definitiva.
A ação penal tramitou na 4ª Vara Criminal de Santos. Para a juíza Elizabeth Lopes de Freitas, a ofensa atribuída ao taxista ficou “fartamente comprovada”.
 
Além da vítima e do réu, duas testemunhas da acusação e três da defesa depuseram no processo. Segundo a juíza, foi produzido um “robusto contexto probatório” contra Valente, cuja versão ficou “amplamente desprestigiada”.
 
Apesar disso, em suas alegações finais, a defesa de Valente requereu a absolvição com base no Inciso V do Artigo 386 do Código de Processo Penal (não haver prova de que o réu tenha concorrido para a infração penal).
 
O Ministério Público, por sua vez, postulou a condenação pelo crime de injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
 
Esse crime é punível com reclusão de um a três anos. A magistrada fixou a pena em seu patamar mínimo, a ser cumprida em regime aberto, por se tratar de réu primário.
 
Em decorrência de outros requisitos legais favoráveis ao acusado, a juíza também converteu a pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade por um ano.
 
"No Brasil, preconceito é mascarado"
 
“O valor da indenização e o tipo de pena aplicada na esfera penal são irrelevantes. No Brasil, o preconceito é mascarado, e o importante é que houve decisões reprovadoras da conduta do autor. Quem pratica esse tipo de crime, sobretudo em ambiente público, não pode sair incólume”.
 
A declaração é de Marcela de Oliveira Fernandes, de 40 anos, 14 dos quais como servidora na Prefeitura de Santos, onde atualmente exerce cargo de chefe de seção. 
 
Bacharel em Direito, a funcionária pública não hesitou em acionar o Judiciário para reparar, ou abrandar, a lesão que as ofensas racistas produziram em sua honra.
 
Segundo ela, após o episódio, ela pediu para ser transferida do Poupatempo, por causa do constrangimento que sofreu e por temer eventual retorno do acusado ao local para novas injúrias ou até mesmo algo mais grave. Essa decisão lhe custou prejuízo financeiro, porque o servidor municipal que exerce funções no Poupatempo faz jus a uma gratificação pecuniária.
 
O advogado Fabricio Sicchierolli Posocco representou Marcela nas duas ações. Segundo ele, “é absurdo que, no limiar do Século 21, pessoas ainda sejam discriminadas pela cor da pele. Não podemos mais tentar explicar o inexplicável, ou fazer de conta que situações como esta não existem. As regras mais simples de direito precisam ser respeitadas, independentemente de cor, raça, credo, time de futebol ou partido político”.
 
Outro lado
 
A Tribuna entrou em contato ontem com Carlos Alberto Valente e, sobre as decisões do JEC e da 4ª Vara Criminal, ele disse que nada tem a declarar. 
Nas duas ações, ele foi defendido pela advogada Estelina Mendes Terra, que também não quis se manifestar.
 
 http://www.atribuna.com.br/pol%C3%ADcia/justi%C3%A7a-pune-taxista-em-santos-por-ato-racista-cometido-dentro-do-poupatempo-1.402364