O principal braço de espionagem do governo brasileiro monitorou
diplomatas de três países estrangeiros em embaixadas e nas suas
residências, de acordo com um relatório produzido pela Abin (Agência
Brasileira de Inteligência) e obtido pela Folha.
O documento oferece detalhes sobre dez operações secretas em andamento
entre 2003 e 2004 e mostra que até países dos quais o Brasil procurou se
aproximar nos últimos anos, como a Rússia e o Irã, viraram alvos da
Abin.
Segundo o relatório, que foi elaborado pelo Departamento de Operações de
Inteligência da Abin, diplomatas russos envolvidos com negociações de
equipamentos militares foram fotografados e seguidos em suas viagens.
O mesmo foi feito com funcionários da embaixada do Irã, vigiados para
que a Abin identificasse seus contatos no Brasil. Os agentes seguiram
diplomatas iraquianos a pé e de carro para fotografá-los e registrar
suas atividades na embaixada e em suas residências, conforme o
relatório.
A Folha entrevistou militares da área de inteligência, agentes,
ex-funcionários e ex-dirigentes da Abin nas últimas duas semanas para
confirmar a veracidade do conteúdo do documento que obteve. Alguns deles
participaram diretamente das ações.
O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, ao
qual a Abin está subordinada, reconheceu que as operações foram
executadas e afirmou que todas foram feitas de acordo com a legislação
brasileira.
Segundo o governo, foram operações de contrainteligência, ou seja, com o
objetivo de proteger segredos de interesse do Estado brasileiro.
Nos últimos meses, o vazamento de documentos obtidos pelo analista
americano Edward Snowden permitiu que o mundo conhecesse detalhes sobre
atividades de espionagem dos EUA em vários países, inclusive no Brasil.
Diante da revelação de que até suas comunicações com assessores foram
monitoradas, a presidente Dilma Rousseff cancelou uma visita aos EUA e
classificou as atividades americanas como uma violação à soberania do
país.
As operações descritas no relatório da Abin têm características
modestas, e nem de longe podem ser comparadas com a sofisticação da
estrutura montada pela Agência de Segurança Nacional americana, a NSA,
para monitorar comunicações na internet.
Ainda assim, o documento mostra que, apesar do que a retórica da
presidente poderia sugerir, o governo brasileiro também não hesita em
mobilizar seu braço de espionagem contra outros países quando identifica
ameaças aos interesses brasileiros.
DESCONFIANÇAS
As operações descritas no relatório ocorreram no início do governo do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em 2003 e
entregou o cargo a Dilma em 2011.
Na operação "Miucha", de 2003, a Abin acompanhou a rotina de três
diplomatas russos, incluindo o ex-cônsul-geral no Rio Anatoly Kashuba,
que deixou o país no mesmo ano, e representantes da Rosoboronexport, a
agência russa de exportação de armas.
A Abin desconfiava que os funcionários russos estivessem envolvidos com atividades de espionagem no Brasil.
O brasileiro Fernando Gianuca Sampaio, cônsul honorário da Rússia em
Porto Alegre, também foi monitorado pelo mesmo motivo. "Sou sim um
agente russo, mas um agente oficial", disse Sampaio à Folha, em tom irônico.
Na operação "Xá", que monitorou a rotina e os contatos de diplomatas
iranianos, a Abin seguiu os passos do então embaixador do Irã em Cuba,
Seyed Davood Mohseni Salehi Monfared, durante uma visita ao Brasil,
entre os dias 9 e 14 de abril de 2004.
Um agente da Abin que examinou o relatório a pedido da Folha
afirmou que provavelmente os iranianos foram vigiados a pedido do
serviço secreto de outro país, um tipo de cooperação usual entre órgãos
de inteligência.
O relatório mostra ainda que o governo brasileiro espionou a embaixada
do Iraque após a invasão do país pelos EUA, em 2003. Na época, muitos
diplomatas buscavam refúgio no Brasil por causa da guerra, e por isso a
Abin foi mobilizada para segui-los.
O então encarregado de negócios da embaixada, um dos que foram
espionados, largou a diplomacia para se fixar no Brasil. Ele ganhou
residência permanente e vive no Guará, nos arredores de Brasília.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1366382-agencia-brasileira-espionou-funcionarios-estrangeiros.shtml
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