Representantes da comunidade judaica manifestam repulsa pela presença da
escultura de Maurizio Cattlelan no gueto de Varsóvia, na Polónia
Tem sido assim desde o início, em 2011: por onde passa, "Him", a peça
em que o artista plástico italiano Maurizio Cattelan retrata Adolf
Hitler de joelhos, parecendo orar, deixa um rasto de polémica. Mas
talvez nunca antes esta pequena escultura tenha tocado cordas tão
sensíveis como aquelas que agora se agitam.
Tida como uma representação da presença e da natureza do mal entre nós, homens, Him está
agora em exposição no antigo gueto de Varsóvia, que se pensa ter levado
à morte de cerca de 300 mil judeus, quer de fome e doenças quer por
dali terem sido enviados para campos de concentração e extermínio.
Desde
a instalação, há um mês, a peça tem atraído cada vez mais visitantes.
Talvez por isso a polémica tenha vindo a crescer, com a comunidade
judaica a começar a manifestar o seu desconforto. Nos últimos dias, os
responsáveis pelo Simon Wiesenthal Center consideraram a presença da
peça no gueto como “uma provocação sem qualquer sentido e um insulto à
memória dos judeus vítimas do nazismo”.
“No que diz respeito aos
judeus, a única ‘oração’ de Hitler foi terem sido varridos da face da
terra”, disse citado pelo jornal britânico The Guardian o
director israelita do centro, Efraim Zuroff, referindo-se a uma leitura
comum da obra em que esta é vista como um ajoelhar penitente do Fürhrer,
em oração.
Fabio Cavallucci, director do Centro de Arte
Contemporânea da cidade, responsável pela instalação da obra já fez
saber que “não houve qualquer intenção pela parte do artista ou do
centro de insultar a memória judaica”: “É uma obra de arte que tenta
falar sobre o mal que se esconde em todo o lado.”
O mais
importante rabi polaco, Michael Schudrich veio também a público explicar
que foi consultado sobre a exposição da obra e que não se opôs por
considerar que veicula um questionamento moral com o qual considera
importante que as pessoas se confrontem.
Na opinião de Michael
Schudrich, a obra mostra como o mal se pode apresentar até no corpo de
“uma doce criança a orar”: “Achei que tem um valor pedagógico”, disse
também citado pelo Guardian.
Parte de uma série de esculturas em que Cattelan retrata personalidades contemporâneas. Em Varsóvia, Him está
exposta num pequeno beco, de joelhos sobre a calçada. O público pode
vê-la de frente através de um gradeamento, ou apenas ao fundo, de
costas, entrando no beco.
Em 2006, quando apresentou pela primeira
vez esta peça, o Museu de Arte Contemporânea de Chicago publicou um
texto que mantém online: “Este trabalho justapõe a vulnerabilidade do
corpo aparentemente inocente de um rapaz com a cara adulta de Adolf
Hitler, que é considerado a mais maléfica pessoa do século XX pela sua
responsabilidade na morte de seis milhões de judeus no Holocausto e pela
morte de milhões de outras pessoas na II Guerra Mundial.”
O texto
diz também que Catellan sempre quis que o público se aproximasse desta
pequena escultura de feições hiper-realistas pelas costas,
apercebendo-se apenas depois de quem retrata. “A escala da figura, em
relação com a estatura do público, inverte as relações de poder, talvez
levantando respostas conflituosas, mas não diminuindo por isso a
potência da imagem de Hitler nem a magnitude dos seus crimes. Him talvez sirva de lembrança de que o rosto do mal nem sempre é facilmente reconhecível.”
Him
faz parte da mesma série de esculturas que a imagem de João Paulo II
que causou também polémica em 1997 ao ser apresentada na grande
exposição Sensation, da colecção de Charles Saatchi na Royal Accademy de
Londres – essa peça mostra o papa caído por terra, abalroado por um
meteorito.
http://www.publico.pt/cultura/noticia/o-pequeno-hitler-de-maurizio-cattelan-continua-a-ser-um-grande-provocador-1579103
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