Wesley Batista, CEO da maior empresa privada do Brasil, explica lógica das doações de campanha e desmente boatos de que Lulinha seria seu sócio: 'Só sei quem ele é por foto na web'
A empresa
JBS, dona da marca Friboi, há algum tempo já é a maior produtora de
carne bovina e a maior processadora de proteína animal do mundo. Mas
desde o ano passado, acrescentou mais um título à sua coleção de
superlativos. Após um aumento de 30% nas vendas, superou a Vale para se
tornar a maior empresa privada do Brasil.
A
diversificação geográfica e de produtos explica a resiliência à
estagnação da economia brasileira, segundo o presidente da empresa,
Wesley Batista. Parte das operações da JBS está nos EUA, o que significa
um grande faturamento em dólar. Além disso, se a crise faz o brasileiro
deixar de comer carne bovina, impulsiona o consumo de frango – também
produzido pela JBS.
Fundada pela família Batista em Anápolis, Goiás, a
JBS tem uma história de sucesso incontestável, mas permeada por algumas
polêmicas. Hoje, também é a maior doadora de campanha do país, tendo
contribuído com mais de R$ 300 milhões só nas eleições de 2014.
Qual
o objetivo das doações? "Fazer um Brasil melhor", promete Batista, em
entrevista exclusiva à BBC Brasil. Mas se o objetivo é esse, investir em
político não é arriscado? "Sem dúvida", admite, acrescentando que o
risco "faz parte".
Em uma conversa na sede da empresa, em São
Paulo, Batista falou sobre a relação da JBS com o BNDES, a Lava Jato e
os rumores de que o filho do ex-presidente Lula, Fábio Luis da Silva,
conhecido como Lulinha, seria um sócio oculto de sua empresa. Confira:
BBC Brasil - Pedi para um taxista me trazer na JBS e ele perguntou: A empresa do Lulinha? Qual a origem desses rumores?
Batista - (Risos)
Vamos ter de fazer uma reunião com taxistas, porque já ouvi isso de
muita gente. Talvez organizar um evento com o sindicato para eles
pararem com essa palhaçada. Essa conversa é absurda e sem nexo. É
difícil dizer de onde saem (esses rumores). A impressão que temos é que
foram plantados em campanhas por adversários políticos (do PT). Parece
que foi um site específico…
Mas não é só isso. Nossa empresa tem
uma história. Meu pai começou esse negócio do nada, sessenta e poucos
anos atrás. Quando (o presidente) Juscelino (Kubitschek) decidiu erguer
Brasília, meu pai foi vender carne para as empresas que estavam
construindo a cidade em uma precariedade danada. Trabalhou duro, fez uma
reputação. E, sem falsa modéstia, somos bem-sucedidos no que fazemos.
Não
sei se é um tema cultural, mas se você pesquisar vai achar vários
empresários bem-sucedidos acusados de receber ajuda. Parece que no
Brasil há uma dificuldade de se reconhecer que alguém pode crescer por
ser competente ou por força do seu trabalho - e não por sorte ou porque é
testa de ferro ou sócio de alguém.
BBC Brasil - Como assim?
Batista - Há
quinze anos, em Goiás, quando éramos muito menores, você ia achar
muitos taxistas dizendo que (a JBS, na época Friboi) era do Íris
Rezende, que foi governador do Estado várias vezes. Era parecido com
essa história do Lulinha. Sempre crescemos muito e as pessoas tinham de
achar uma justificativa: "como eu não cresço e o outro cresce?".
Aqui
neste lugar (sede da JBS) funcionava o escritório do Bordon, que chegou
a ser uma das maiores empresas de carne bovina do Brasil. O Bordon por
muitos anos "foi" do Delfim Neto (ex-ministro da Fazenda). Quer dizer,
foi enquanto ia bem. Quando começou a ir mal ninguém mais falava que era
do Delfim.
Talvez isso (rumores) tomou uma proporção maior pelo
tamanho que a empresa ganhou. E em função das redes sociais. Mas o que a
JBS tem feito é fruto do trabalho e das pessoas competentes que tem
aqui dentro.
BBC Brasil - Como é sua relação com Lula?
Batista -
Lula foi presidente por oito anos. Só o encontrei uma vez nesse
período, em uma reunião setorial no palácio, com 30 pessoas na sala,
ministros, CEOs, etc. Não tenho certeza sobre meu irmão (Joesley
Batista), mas acho que ele nunca encontrou o Lula quando ele era
presidente. Fomos conhecê-lo depois, porque nos chamaram no Instituto
Lula justamente para explicar isso (os rumores). Eles perguntaram: "Que
diabos é isso? São vocês que estão falando isso?" Respondemos: "De jeito
nenhum, presidente Lula, achamos isso um negócio sem pé nem cabeça."
No
total, encontrei o Lula três vezes depois que ele deixou a Presidência.
Teve um evento de uma revista em um hotel. Sentei na mesa, ele estava
almoçando. E teve outra vez em uma inauguração de alguma coisa. Essa é a
relação. É muito distante.
BBC Brasil - E com o Lulinha?
Batista - Nunca
vi o Lulinha na minha vida. Sei quem ele é por foto na internet. Um
amigo um dia falou: "Wesley, ele é parecido com você". Eu respondi: "Tá
louco!" Aí fui olhar. Mas nunca apertei a mão do Lulinha. Meu irmão
encontrou ele uma vez em um evento social, uma festa. Uma pessoa que
estava lá ainda brincou: "Vem cá que eu vou te apresentar teu sócio. O
sócio que você não conhece…". Aí meu irmão disse: "Rapaz… o povo fala
que somos sócios e nunca nem tinha te visto".
BBC Brasil - Outro tema polêmico são os recursos que a JBS recebeu do BNDES.
Batista - Aí
temos outro mito descabido. Ouço constantemente que a JBS recebe
dinheiro subsidiado do BNDES. As pessoas não se dão ao trabalho (de
conferir). A JBS não recebe empréstimos do BNDES. Ponto. Isso é público.
A JBS não deve um centavo ao BNDES. Público. Para não falar que não
deve um centavo, deve 40 e poucos milhões de reais, que veio de
aquisições que fizemos, da Tyson e da Seara.
BBC Brasil -
Mas a empresa recebeu aportes via BNDESPar (o braço de participações do
BNDES. Ele compra ações de empresas. Não faz empréstimos, mas se torna
'sócio' das companhias).
Batista - A JBS
vendeu participação acionária para o BNDESPar, que participa em 200 ou
mais empresas. E importantíssimo: depois que a JBS já tinha capital
aberto. A transparência foi total. Além disso, se formos olhar o
investimento que o BNDESPar fez e o que tem hoje, eles tiveram um
resultado extraordinário. Provavelmente, um dos melhores da sua
carteira. No que diz respeito ao valor (dessas operações) também existe
um engano tremendo, (uma confusão) do que foi compra na JBS e em
empresas que depois viemos a adquirir. O total de aportes na JBS foi da
ordem de 5 bilhões de reais. Eles compraram isso em ações que hoje,
felizmente, valem muito mais.
BBC Brasil - A JBS seria desse tamanho não fosse a ajuda do BNDES na fase quente de aquisições para a empresa, 2007, 2008, 2009?
Batista - Primeiro,
a gente não acha que foi ajuda. O BNDES não nos ajudou. Ele fez um
negócio e nós fizemos um negócio. E nós entregamos. Ajudar é quando você
dá um dinheiro e não cobra. Por outro lado, de forma nenhuma podemos
dizer que a participação do BNDES não foi importante. Como os outros
acionistas, eles foram importantes para a JBS emitir ações,
levantar equity.
É difícil responder o que teria sido sem o BNDES.
Há fundos soberanos em vários países e teríamos corrido atrás de
interessados. Mas não dá para garantir que teríamos atraído outros
fundos.
BBC Brasil - O BNDES é um banco público. O que a aposta na JBS trouxe de resultado para a sociedade?
Batista - Se
for o caso, a sociedade precisa discutir o papel do BNDES, não o fato
do banco investir na JBS ou na Vale. Hoje politizaram esse debate e a
discussão política não cabe a nós. Em vários lugares do mundo você tem
bancos de desenvolvimento que atuam de forma semelhante. O BNDES tem uma
gama de objetivos ampla, que vai desde a questão social e econômica ao
desenvolvimento do mercado de capital brasileiro – e a JBS é hoje uma
das companhias mais valiosas nesse mercado. Toda a sociedade ganha com
um mercado de capital fortalecido.
Além disso, há a questão a
internacionalização. Hoje, o Brasil tem uma presença no território
americano muito mais expressiva que há 10 anos. Só a JBS tem 70 mil
funcionários nos EUA. E isso não pesa nas relações de país a país? Sem
dúvida.
Também contribuímos para a formalização de nosso setor e
da cadeia pecuária. A indústria frigorífica do país era informal e já
deu prejuízos astronômicos. Hoje, tem três empresas listadas em bolsa,
com transparência. O setor se profissionalizou.
BBC Brasil - Não falta uma abertura maior
das informações do banco? O TCU já pediu para acessar dados sobre os
acordos com a JBS...
Batista - É difícil opinar. Acho que isso tem mais a ver com um debate político. É usado como gancho desse debate.
BBC Brasil - Mas a JBS apoia uma abertura maior dos termos dos acordos? O banco alega que isso prejudicaria as empresas.
Batista - É
difícil falar. O TCU não nos pediu nada. Eles pediram ao BNDES. Não
temos conhecimento, no detalhe, de que tipo de informações estão
pedindo. A maioria das coisas já é pública. Quanto a JBS deve ao BNDES?
Divulgo isso em minha demonstração de resultado. Quanto ele comprou de
participação acionária? Quanto valia quando ele comprou e quanto vale
agora? Tudo é público.
BBC Brasil - Talvez: quais os critérios para a escolha da JBS? Por que não o frigorífico X ou Y?
Batista - Não
vou responder pelo BNDES, mas às vezes pode ser porque, naquele
momento, foi a JBS que foi atrás, que bateu na porta. A JBS não tem como
opinar.
BBC Brasil - Delatores da Lava Jato têm
relatado como doações de campanha foram usadas para abrir portas. A JBS é
a maior doadora de campanha no Brasil. O que espera conseguir com essas
doações?
Batista - Está se criando uma imagem de
que a doação de campanha existe por que há alguma contrapartida. Mas
não é assim, você não pode generalizar. Há setores e setores. Primeiro, a
JBS não tem negócios com o governo, não faz obra e não vende (para o
governo). Se vende é coisa insignificante para alguma prefeitura, talvez
merenda escolar. Não é uma empresa cuja atividade depende desse
relacionamento. Nem tem dinheiro a receber.
Por que doação de
campanha? Primeiro porque esse é o modelo brasileiro. As campanhas são
financiadas com doações privadas. E o que você espera? Espera que o
Brasil seja melhor. Para a JBS um país melhor tem um valor financeiro
gigantesco. Por que a JBS participa em doações de campanha? Porque
acredita que, participando, tem condições de apoiar partidos e pessoas
que, se ganham, podem contribuir para a gente ter um país melhor. E com
um pais melhor, automaticamente, a JBS tem um ganho de valor
extraordinário.
BBC Brasil - Mas a JBS doa tanto para o
governo quanto para a oposição. Qual a lógica disso? Vocês acham que
qualquer um que ganhe, o país melhora?
Batista - Não
é assim… A bolsa brasileira é de 50 mil pontos. Se fosse de 80 mil
pontos, a JBS valeria 50% a mais, ou 25 bilhões de reais (a mais). Então
você tem um negócio relevante. Aí você diz, "mas a JBS doou pra um e
para outro". É verdade. Tem um defeito no modelo brasileiro. São tantos
partidos que você não quer ficar rotulado como um cara que tem partido.
Não temos partido. Por exemplo, o finado Eduardo Campos era um político
no qual achávamos que valia investir. Era promissor …
BBC Brasil - Se você doa para políticos que concorrem entre si, não parece estar identificando os 'promissores'.
Batista - Idealmente,
você deveria escolher alguns. Mas ninguém quer ficar rotulado como
"aliado" ou "opositor". A gente sempre fala para qualquer político que
vem aqui: não somos políticos, somos empresários. Queremos contribuir
apoiando bons políticos, mas não temos lado. Não é uma questão de
escolha.
BBC Brasil - Se o objetivo é um Brasil melhor, o
investimento em político não é arriscado? Não seria melhor um instituto
de combate à pobreza ou algo do tipo?
Batista - Sem
dúvida é arriscado. Temos investimentos em outras áreas (sociais).
Dentro dessa sede da empresa, há uma escola com 600 alunos, porque
acreditamos que o maior gap que o Brasil tem não é infraestrutura, é
educação.
É um investimento arriscado, claro. Investimos alguns
milhões no Eduardo (Campos). Investimos em alguns partidos ou políticos
que depois olhamos e falamos: "Poxa, erramos. Era melhor o outro
candidato". Isso faz parte. Se eu soubesse e pudesse só acertar…
BBC
Brasil - Tivemos o escândalo do HSBC recentemente. O que leva alguns
grandes empresários a colocarem a reputação em risco para sonegar
imposto?
Batista - Acho que não há uma
ou duas ou três explicações. Cada caso é um caso. Às vezes fico vendo
empresas que pagaram para receber dinheiro (ao qual tinham direito) do
governo. É errado, claro. Não tem de pagar ninguém. Mas é difícil julgar
porque às vezes a pessoa precisa do recurso. Fica entre a cruz e a
espada e acaba indo para o caminho incorreto para salvar a empresa. É
preciso ver em que circunstâncias o sujeito fez isso. Não estou falando
do funcionário público ou político que recebeu propina, porque eles
estão ali para prestar um serviço público. Também tem empresários e
empresários. Mas é difícil julgar.
BBC Brasil - O senhor parece estar se referindo à Lava Jato. É isso?
Batista - De
novo, acho que tem casos e casos. Pode ter casos em que (o empresário)
fez errado, que corrompeu o corrompido, que foi iniciativa da empresa. É
horrível. Não que de outra forma não seja horrível. Mas generalizar não
é correto. Tem bons empresários e maus empresários. Boas empresas e más
empresas. E também é preciso ver as circunstâncias em que as coisas
aconteceram. Não dá para sair julgando. O Brasil precisa de um
amadurecimento, até da imprensa. Há uma imprensa cuidadosa, mas outra
que emite opinião sem fatos e dados suficientes.
BBC Brasil - Por exemplo?
Batista - Nós
tivemos dois casos nesse sentido, que mostram que não dá para sair
julgando. Fizemos um pagamento da compra de um frigorífico em Ponta Porã
e um centro de distribuição no Paraná em uma conta, porque a pessoa
mandou (fazer o depósito) contra ordem de terceiro. A conta estava no
meio da Lava Jato. Foi um barulho (sem propósito)…
BBC
Brasil - O outro (caso) diz respeito a anotação (encontrada em uma
planilha) de Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras e delator da
Lava Jato)?
Batista - Ele fez uma
anotação numa agenda, ou sei lá no que. "J&F (holding controladora
da JBS): tantos mil pra mim, tantos pro fulano". Na operação, a Policia
Federal pegou isso e saiu (na imprensa) algo que fazia parecer que a JBS
fez um negócio (ilícito).
Na prática, foi algo tão descabido: uma
pessoa que conhecia meu irmão ligou para ele um dia e disse que tinha
um amigo que queria vê-lo para oferecer uma empresa. Normal no mundo
empresarial. Meu irmão falou: "Tudo bem, traz seu amigo para falar com
um diretor meu". Essa pessoa era o Paulo Roberto Costa, que foi lá
oferecer a Astromarítima. Ele estava pensando em ganhar corretagem (com a
venda da empresa), o que também é normal, desde que ele declare essa
comissão. A proposta não interessou. Mas nesse meio tempo o cara deve
ter feito a continha: "Se eu vender, recebo tanto." Virou um negócio que
"meu Deus".
Também confundiram os nomes. Esse amigo do meu irmão
tinha o primeiro ou segundo nome igual ao de um executivo da OAS preso. A
imprensa deduziu que era a mesma pessoa. Isso tudo já está explicado.
Mas cria-se um negócio não concreto, um julgamento de valor. Opinar quem
fez e quem não fez na Lava Jato é para os procuradores, juízes e
investigadores.
BBC Brasil - Com a desaceleração da
economia, há o medo que o Brasil reverta os ganhos sociais dos últimos
anos. Há quem defenda que os ricos poderiam pagar mais impostos para
aliviar o impacto do ajuste sobre os pobres. Sua família está no topo da
pirâmide social brasileira. O que acha?
Batista - Pergunta
difícil. Essa você pegou pesado. Olha, isso não é uma novidade. Em
vários países, quem tem mais paga mais. Nós temos uma situação
específica do Brasil. Já temos uma das maiores cargas tributárias do
mundo… e aí é que eu acho que está o debate. Não é se se cobra mais de
quem tem mais e menos de quem tem menos. Já temos impostos demais e os
impostos aqui são muito complicados. Além do custo de pagar, o custo de
administrar, isso é monstruoso. Nossa companhia nos EUA é tão grande
quanto no Brasil, mas temos aqui dez vezes mais pessoas envolvidas com a
questão dos tributos. O foco deveria ser simplificar esse troço.
BBC
Brasil - Os processos trabalhistas são o tema de muitos comentários
negativos contra a JBS nas redes sociais. O que vocês estão fazendo para
diminuir isso?
Batista - Muita
coisa. Cada dia mais. Temos uma área de compliance trabalhista composta
por engenheiros de segurança do trabalho, ergonomistas, advogados, um
grupo multifuncional que vai de fábrica em fábrica. Lógico que não somos
perfeitos. Temos problemas, mas isso às vezes é superdimensionado. Dado
o universo que a JBS trabalha, a quantidade de fábricas, nossos
indicadores são bons. Temos 120 mil funcionários no Brasil. É claro que
não queríamos ter problema nenhum. Nenhum acidente. A gente trabalha
para isso. Mas, infelizmente, às vezes tem alguns casos.
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-07-31/politico-e-investimento-arriscado-diz-presidente-da-jbs.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário