Depressão e estresse pós-traumático são as doenças mais comuns em vítimas de desastres naturais e conflitos armados
A
cicatriz no pescoço passaria despercebida, não fosse a preocupação do
refugiado em tentar escondê-la. Fugido de seu país de origem após
sobreviver a emboscada do Estado Islâmico, o homem apressou-se em
perguntar para a equipe que o recebeu no Caritas, Centro de Acolhida
para Refugiados, se a marca, quase imperceptível, o impediria de
conseguir emprego em São Paulo.
O receio de alguém descobrir a lembrança pavorosa
que a marca representa em sua vida chamou a atenção da equipe médica
multidisciplinar da instituição para um problema que afeta cerca de 8
milhões de asilados no mundo: os distúrbios mentais provocados por
grandes traumas.
Entre 5 e 10% das cerca de 80 milhões
de vítimas de emergências humanitárias no mundo – incluindo as que
sobreviveram a desastres naturais e conflitos armados – desenvolvem
depressão, estresse pós-traumático e, em casos mais extremos, psicose e
deficiência intelectual, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
A
psiquiatra do Caritas e do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas Luciana de Andrade Carvalho afirma que o trauma psicológico
pode provocar também aumento da frequência cardíaca, insônia e
transtornos de diferentes tipos e proporções, como os motores.
"É
difícil caracterizar os sintomas. Às vezes um refugiado sobrevive a uma
guerra e leva uma vida normal, outros sobrevivem a um desastre natural e
não conseguem mais dormir. O trauma psicológico às vezes é mais difícil
de tratar do que o físico", afirma.
Tanto no Caritas quanto no
HC, a médica explica que a prevalência dos diagnósticos é para casos de
depressão. No Caritas, os refugiados adultos apresentam problemas
relacionados a insônia, geralmente por causa das lembranças traumáticas.
Já as crianças afetadas têm mudanças bruscas de humor e aumento da
agressividade.
"Grande parte das crianças com menos de dez anos
apresentavam comportamento agressivo. Para elas a adaptação é
complicada. A maioria dos albergues tem uma rotina pré-estabelecida e
poucas áreas de recreação", pondera.
Responsabilidade com os doentes
Na
maioria das vezes, o trauma pode ser superado com o tempo,
principalmente se a nação que recebe esses grupos oferece um ambiente
familiar e suporte comunitário. No entanto, esse acolhimento nem sempre é
comum.
No Chad, por exemplo, que recebe mais de 450 mil
refugiados vindos do Darfur, no oeste do Sudão, República
Centro-Africana e Nigéria, o sistema de saúde mental é muito deficiente:
a nação conta apenas com um psiquiatra e um grupo pequeno de psicólogos
para seus 11 milhões de habitantes e milhares de asilados.
Em
situações como essa, a instituição conta com a ajuda de parceiros para
garantir atendimento. "Neste momento, por exemplo, contamos com
psicólogos de Burkina Faso e da Argélia para ajudar no Chade. Mas
sabemos que não é suficiente", afirma Peter Ventevogel, oficial sênior
de saúde mental do Acnur (Agência da ONU para refugiados).
"O Acnur
trabalha, muitas vezes, com valor muito aquém do que solicita à
comunidade internacional e muitos refugiados permanecem sem apoio
simplesmente porque não há financiamento suficiente para esses
programas."
Refugiados no Brasil
Os
sírios são o maior grupo a buscar asilo no Brasil, segundo dados do
Acnur. Entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, 1.524 refugiados da
Síria chegaram ao País. De 2010 a 2013, o fluxo de pedidos de várias
partes do mundo aumentou mais de 930%, passando de 566 para 5.882, o que
faz do Brasil o País que mais recebe refugiados na América Latina e
Caribe.
Para facilitar a entrada dos grupos, a legislação
nacional de refúgio criou o Conare, Comitê Nacional para os Refugiados.
Por meio do órgão, foi criada lei que garante documentos básicos aos
refugiados, incluindo os de identificação e de trabalho. De acordo com a
instituição, até outubro de 2014, foram reconhecidos 7.289 refugiados
de 81 nacionalidades diferentes - 25% deles, mulheres. Além da Síria, há
um grande fluxo de asilados da Colômbia, 1.218, Angola, 1.067, e
República Democrática do Congo, 784.
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015-05-31/trauma-provoca-disturbios-mentais-em-cerca-de-8-milhoes-de-refugiados-no-mundo.html
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