Depressão e estresse pós-traumático são as doenças mais comuns em vítimas de desastres naturais e conflitos armados
A
cicatriz no pescoço passaria despercebida, não fosse a preocupação do
refugiado em tentar escondê-la. Fugido de seu país de origem após
sobreviver a emboscada do Estado Islâmico, o homem apressou-se em
perguntar para a equipe que o recebeu no Caritas, Centro de Acolhida
para Refugiados, se a marca, quase imperceptível, o impediria de
conseguir emprego em São Paulo.
Mohammed Elias, de 45 anos, mostra foto do
filho de 14 anos que pode ter sido vítimas de tráfico humano em Ukhiya,
perto de Cox Bazar, Bangladesh (Arquivo)
O receio de alguém descobrir a lembrança pavorosa
que a marca representa em sua vida chamou a atenção da equipe médica
multidisciplinar da instituição para um problema que afeta cerca de 8
milhões de asilados no mundo: os distúrbios mentais provocados por
grandes traumas.
Entre 5 e 10% das cerca de 80 milhões
de vítimas de emergências humanitárias no mundo – incluindo as que
sobreviveram a desastres naturais e conflitos armados – desenvolvem
depressão, estresse pós-traumático e, em casos mais extremos, psicose e
deficiência intelectual, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
A
psiquiatra do Caritas e do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas Luciana de Andrade Carvalho afirma que o trauma psicológico
pode provocar também aumento da frequência cardíaca, insônia e
transtornos de diferentes tipos e proporções, como os motores.
"É
difícil caracterizar os sintomas. Às vezes um refugiado sobrevive a uma
guerra e leva uma vida normal, outros sobrevivem a um desastre natural e
não conseguem mais dormir. O trauma psicológico às vezes é mais difícil
de tratar do que o físico", afirma.
Tanto no Caritas quanto no
HC, a médica explica que a prevalência dos diagnósticos é para casos de
depressão. No Caritas, os refugiados adultos apresentam problemas
relacionados a insônia, geralmente por causa das lembranças traumáticas.
Já as crianças afetadas têm mudanças bruscas de humor e aumento da
agressividade.
"Grande parte das crianças com menos de dez anos
apresentavam comportamento agressivo. Para elas a adaptação é
complicada. A maioria dos albergues tem uma rotina pré-estabelecida e
poucas áreas de recreação", pondera.
Responsabilidade com os doentes
Na
maioria das vezes, o trauma pode ser superado com o tempo,
principalmente se a nação que recebe esses grupos oferece um ambiente
familiar e suporte comunitário. No entanto, esse acolhimento nem sempre é
comum.
No Chad, por exemplo, que recebe mais de 450 mil
refugiados vindos do Darfur, no oeste do Sudão, República
Centro-Africana e Nigéria, o sistema de saúde mental é muito deficiente:
a nação conta apenas com um psiquiatra e um grupo pequeno de psicólogos
para seus 11 milhões de habitantes e milhares de asilados.
Em
situações como essa, a instituição conta com a ajuda de parceiros para
garantir atendimento. "Neste momento, por exemplo, contamos com
psicólogos de Burkina Faso e da Argélia para ajudar no Chade. Mas
sabemos que não é suficiente", afirma Peter Ventevogel, oficial sênior
de saúde mental do Acnur (Agência da ONU para refugiados).
"O Acnur
trabalha, muitas vezes, com valor muito aquém do que solicita à
comunidade internacional e muitos refugiados permanecem sem apoio
simplesmente porque não há financiamento suficiente para esses
programas."
Refugiados no Brasil
Os
sírios são o maior grupo a buscar asilo no Brasil, segundo dados do
Acnur. Entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, 1.524 refugiados da
Síria chegaram ao País. De 2010 a 2013, o fluxo de pedidos de várias
partes do mundo aumentou mais de 930%, passando de 566 para 5.882, o que
faz do Brasil o País que mais recebe refugiados na América Latina e
Caribe.
Para facilitar a entrada dos grupos, a legislação
nacional de refúgio criou o Conare, Comitê Nacional para os Refugiados.
Por meio do órgão, foi criada lei que garante documentos básicos aos
refugiados, incluindo os de identificação e de trabalho. De acordo com a
instituição, até outubro de 2014, foram reconhecidos 7.289 refugiados
de 81 nacionalidades diferentes - 25% deles, mulheres. Além da Síria, há
um grande fluxo de asilados da Colômbia, 1.218, Angola, 1.067, e
República Democrática do Congo, 784.
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015-05-31/trauma-provoca-disturbios-mentais-em-cerca-de-8-milhoes-de-refugiados-no-mundo.html
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