Quando a ambulância levou a mãe de Ali T., 12, em julho do ano passado, ele sabia que nunca mais a veria. "Ninguém que vai para o hospital com ebola volta vivo", contou Ali, olhando para o chão.
Os pais de Ali tinham ido ao enterro de um tio. Três dias depois, o pai
começou a vomitar e delirar de febre. A mãe cuidou dele, e pegou ebola.
"Nem sei se foram enterrados. Só mandaram um documento do hospital
dizendo que meu pai e minha mãe estavam mortos. Não consegui falar
'tchau'."
Ele agora mora com uma tia. "Não fico feliz mais. Sinto muita falta da
minha 'mama'. Sinto falta do arroz jolof (prato típico do oeste da
África) que ela fazia. Sinto falta de jogar bola com o meu pai."
Editoria de Arte/Folhapress |
De 338 alunos da escola pública de Foredugu, em Serra Leoa, 19 perderam
pai e mãe por causa do ebola, como Ali. Mais de 60 perderam um dos pais.
Quase todos tiveram um parente morto.
Musa Acamara, o diretor, tem uma lista com o nome e contatos dos órfãos.
Alguns vivem com tios, outros, com amigos dos pais e um foi "adotado"
por um professor.
O governo de Serra Leoa estima que 10 mil crianças tenham perdido mãe ou
pai (ou ambos) para o ebola. Proporcionalmente, é como se 330 mil
crianças no Brasil ficassem órfãs em uma epidemia.
A maioria dessas crianças teve de sair de casa com a roupa do corpo,
depois de ver os pais levados para o hospital e a casa incinerada para
evitar contaminação.
Segundo Mariatu Bangura, vice-chefe de serviços sociais do Ministério
dos Assuntos Sociais, a prioridade é achar parentes dessas crianças e,
na falta deles, famílias cuidadoras.
"Evitamos orfanatos, que tiveram muitos problemas de maus tratos com os
órfãos da guerra civil", diz Bangura. O conflito citado durou 11 anos.
Quando terminou, em 2002, havia deixado mais de 100 mil órfãos. Muitos
acabaram em orfanatos que "traficavam" crianças.
RETIRADA DA RUA
Mariama Y., 16, perdeu os pais no ano passado para o ebola e estava
morando com uma tia. A parente a proibiu de ir à escola, além de bater
nela. A menina fugiu para o vilarejo de seu pai, mas ninguém quis
recebê-la –diziam que podia levar o ebola ao povoado. Mariama acabou na
rua, pedindo esmola.
Ela foi acolhida por uma assistente social da ONG Plan International,
que a inscreveu num colégio interno e pagou um ano de mensalidade.
Hoje, divide o quarto com sete meninas. Ninguém sabe que Mariama é órfã
do ebola –muitos sofrem bullying por causa disso. "O banheiro é sujo e
não me deixam rezar", conta Mariama. Ela é muçulmana, e a escola é
cristã. "Mas é melhor que a rua."
No ano que vem, a garota não sabe o que fará. A ONG está tentando encontrar uma família para acolhê-la.
A maior preocupação é como manter essas crianças na escola. O governo
anunciou que pagaria durante dois anos as mensalidades nas escolas
públicas –que, no país, cobram pelo ensino. Apesar da promessa, poucas
escolas viram o dinheiro.
Uma escola interna como a de Mariama cobra US$ 120 (R$ 380) por
trimestre. Na escola normal, a mensalidade é de US$ 7. O salário mínimo
não chega a US$ 80 no país.
"Não basta darmos uma primeira resposta à epidemia, é necessário um
trabalho de longo prazo para reconstruir o país", diz Anette Trompeter,
diretora da Plan International Brasil.
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/05/1635959-orfaos-do-ebola-agravam-crise-em-serra-leoa.shtml
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