Jovem foi atingida na barriga e bebê morreu quatro dias após nascer; cabo ainda matou avó da criança durante discussão
Uma das maiores dores da vida de Gabriela Rocha
Leite, de 18 anos, foi não ter tido a oportunidade de segurar no colo a
recém-nascida Cristiane Sofia enquanto ela estava viva. A bebê morreu
quatro dias após o nascimento prematuro, com apenas seis meses de
gestação.
“Só
segurei minha bebê quando ela já estava morta. Só a vi através da
incubadora, só cheguei a segurar a mão dela rapidamente. Ela tinha muita
dificuldade para respirar e eu não pude nem amamentar”, conta Gabriela
sobre o breve contato com a filha.
A oportunidade foi
tirada de Gabriela pelo cabo da Polícia Militar Gilson de Souza
Teixeira, de 31 anos que, após uma discussão entre vizinhos, atirou duas
vezes na jovem, que estava grávida de seis meses, e matou a sogra da
moça, Jurema Cristiane Bezerra da Silva, de 39 anos, bacharel em direito
e farmacêutica.
O crime aconteceu no dia 22 de março deste ano,
por volta das 18h, quando a família estava reunida na casa de Gercina
Maria da Silva, de 65 anos, mãe de Jurema, no bairro Jova Rural, na zona
norte de São Paulo.
Após uma discussão, o PM, que estava de
folga, sacou o revólver e atirou ao menos seis vezes contra a família.
Um dos tiros acertou a barriga e o outro, o rosto de Gabriela. Jurema
foi ferida três vezes no peito e morreu a caminho do hospital. Outro
projétil atingiu de raspão um dos cinco filhos da farmacêutica.
A
pequena Cristiane Sofia nasceu depois de os médicos do hospital São Luiz
Gonzaga, no Jaçanã, realizarem uma cesárea de emergência. A mãe estava
desacordada durante a cirurgia e disse que só conheceu a filha horas
após o parto. A menina nasceu por volta das 19h30 pesando 1.045 kg e com
37 cm.
“Ela era muito pequenininha. Eu só a via pelo vidro da
incubadora. Eu tinha esperança de que ela sobrevivesse. Rezava por ela,
conversava com ela. Os médicos falavam que o estado dela era muito
grave”, diz Gabriela, que incluiu o Cristiane no nome da filha em
homenagem à sogra.
Gabriela mostra a cicatriz no rosto . Foto: Ana Flavia Oliveira/iG (09.04.15)
Quatro
dias após o nascimento, a bebê teve três paradas cardíacas. Nas duas
primeiras, os médicos conseguiram reanimá-la, mas a terceira foi fatal.
“Eu tinha ido à Santa Casa fazer exames. Quando cheguei, não fui vê-la
porque estava suja e fui dormir. Às 2h, a enfermeira me acordou e disse
que a pediatra queria conversar comigo”. Foi quando soube da morte da
filha caçula – Gabriela também é mãe de um menino de 1 ano e dois meses.
Quase
três semanas depois do crime, Gabriela ainda não se conforma com a
perda da filha. A vontade de ser mãe novamente, no entanto, vai ter de
esperar ao menos três anos, até que o ferimento na barriga cicatrize por
completo. Ao todo, a jovem tomou 45 anos pontos na barriga e sete no
rosto. O próximo passo do tratamento é operar o maxilar, quebrado por
causa do tiro, nesta sexta-feira (10).
Tragédia anunciada
No
dia do crime, Jurema, que morava em um apartamento na Vila Clementino,
na zona sul de São Paulo, estava na casa da mãe, Gercina, e preparava
ovo de Páscoa para a nora, que estava com desejo de comer o doce. As
mulheres ouviram o PM discutir com o marido de Gabriela, o entregador
Danilo da Silva Agostinho, de 20 anos. O motivo da briga, segundo
Gercina, era o mesmo desde 2013: a disputa por uma casa do CDHU
(Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).
“Tenho uma
neta que tem um filho com paralisia cerebral. Ela foi contemplada pela
casa da CDHU. Só que a casa foi invadida pela irmã desse policial. Ela
já foi intimada várias vezes e nunca compareceu, foram várias ações de
despejo. Teve até reintegração de posse no final de 2013, mas ela não
saiu. A partir desse dia, começou nosso calvário”, explica Gercina.
O
cabo, segundo Gercina, passou a provocar todos os integrantes da
família Silva, principalmente Danilo, que teria sido agredido pelo PM
“duas vezes”. “Minha filha Jurema passou no batalhão onde ele
trabalhava, procurou a corregedoria, que mandou ela filmar para ter
prova da conduta dele”, relata Gercina.
No dia do crime, após ser
alertada por Gabriela de que o filho estaria discutindo novamente com o
policial, Jurema saiu com o celular em punho, seguindo a recomendação da
Corregedoria da PM.
“Ele disse que ela poderia filmar e a chamou
de biscate. Depois entrou no carro e a atropelou. Então, saiu e atirou.
Foram três tiros no peito dela”, relata Gercina
Apesar de
Gabriela estar com o filho de um ano e dois meses no colo quando a sogra
foi atingida, ela disse que nem pensou em entrar em casa. Foi quando
também foi atingida.
“Um tiro entrou atrás da orelha e saiu no
rosto. Não senti dor. Só senti o sangue escorrer na minha roupa.
Coloquei a mão e senti o buraco no meu rosto, fiquei tonta e caí com o
bebê no colo. A Gercina pegou o bebê e eu entrei no carro. Só então fui
perceber que tinha sido baleada na barriga também. Comecei a gritar
porque achei que meu filho também tivesse ficado ferido”, diz Gabriela.
Ela diz ainda que a tragédia poderia ter sido maior se não estivesse com
um celular no bolso do moletom. “Ele amorteceu a bala, senão eu também
teria morrido”.
Famílias eram amigas
Moradora
da mesma casa há 24 anos, Gercina diz que as duas famílias tinham boas
relações. “Quando, ele entrou na PM, a mãe dele, Leide, pediu para eu
dar informações sobre o filho e eu falei bem dele”. Ela ainda afirma que
os filhos dela e “Gilsinho”, como ainda se refere ao PM, iam para
baladas e festas juntos, e que e as famílias chegaram a alugar casas no
litoral juntas para passar feriados de final de ano.
As relações
mudaram, afirma, depois que ele se tornou policial, há cerca de nove
anos, e pioram em 2013, com a disputa pelo imóvel. “Depois que ele pôs a
farda, deu uma síndrome de poder. Ele humilhava meu neto. Mandava ele
olhar para o chão, que nem faz com bandido”. Gersina relata ainda que as
provocações eram constantes até mesmo com ela.
“Ele é um bandido
de farda e um ladrão de vidas. Tem policial que faz curso para trazer
criança ao mundo, ele impediu que um bebê viesse ao mundo de nove meses.
Não desejo o que estou passando para a mãe dele”, diz Gercina.
Mãe
de outros quatro filhos, Gercina diz que Jurema só dava orgulho. “Eu
agradeço a Deus por ter sido mãe dela. Ela era nossa sábia, sempre foi
muito estudiosa e era muito inteligente”. Formada em Direito, Jurema
nunca exerceu a profissão de advogada. Ela também fez faculdade de
Farmácia e tinha acabado de se formar em Odontologia. “Ela queria montar
uma ONG para ajudar as pessoas carentes”, diz a mãe. Além de Danilo,
Jurema era mãe Gabriel, 18 anos, Gabriele, 17 anos, Mateus, 12 anos, e
Júlia, 8 anos.
Da tragédia restaram muitas lembranças, um enxoval
que estava sendo preparado para receber a menina, duas cicatrizes e a
gana por Justiça.
“Espero que tenha Justiça e que a PM ouça mais a
população. A corregedoria tem que averiguar mais para que outras
famílias não passem pelo que estamos passando”, diz Gercina
O cabo
Gilson se entregou na delegacia no dia do crime e está detido no
presídio Romão Gomes. O advogado dele não foi encontrado pela
reportagem.
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2015-04-10/so-segurei-minha-bebe-quando-ela-ja-estava-morta-diz-jovem-baleada-por-pm.html
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