Incerteza sobre eventual mudança em política de exportação de produto pela Venezuela preocupa nações do Caribe e América Latina.
Enquanto as vigílias pela recuperação do presidente venezuelano, Hugo
Chávez, se multiplicam em Caracas e no resto da Venezuela, olhares mais
discretos vindos de outras partes do continente acompanham de perto o
desenrolar da saúde do líder bolivariano.
Da Nicarágua à República Dominicana, da Bolívia ao Uruguai - e mais
evidentemente, de Cuba -, dezenas de governos que se beneficiam de
petróleo venezuelano comprado em condições especiais temem um eventual
futuro sem o arquiteto e impulsionador das iniciativas de "economia
solidária", como a Petrocaribe, a Aliança Bolivariana para as Américas
(Alba) e acordos bilaterais de energia e cooperação.
Os países mais vulneráveis a uma mudança de direção na Venezuela são
as 15 nações caribenhas e centro-americanas signatárias dos acordos da
Petrocaribe.
Criados em 2005, esses arranjos permitem aos países comprar petróleo
venezuelano pagando à vista apenas entre 5% e 50% da conta, financiando o
resto a longo prazo e, em muitos casos, pagando o saldo com bens e
serviços, em vez de dinheiro.
Segundo o Banco Mundial, os países do Caribe gastam 13% de seu
produto interno bruto com petróleo. Sem a ajuda venezuelana, estas
nações teriam de recorrer ao mercado de energia em um momento em que a
commodity bate recordes de preços.
Entretanto, pelos termos do acordos, a Nicarágua mandou para a
Venezuela em 2011 carne, açúcar, café, feijão, leite, e até mesmo mais
de 19 mil pares de calças compridas como amortização dos pagamentos da
sua conta petroleira.
A República Dominicana - país que naquele ano recebeu mais de um
quarto do petróleo enviado através do esquema - mandou açúcar líquido,
feijão e massas alimentícias. Já a Guiana pagou com arroz, e El
Salvador, com café.
Os dados estão no balanço mais recente disponibilizado pela petroleira PDVSA, divulgado no fim do ano passado.
Petróleo por calças compridas
Através dos contratos preferenciais, a Venezuela enviou 243 mil barris de petróleo por dia a 16 países da região em 2011.
Foi o equivalente a 8% da sua produção naquele ano (2,99 milhões de
barris diários) e 10% do que os analistas estimam que seja hoje a
produção da empresa (de 2,3 milhão a 2,4 milhão de barris diários).
Pela Petrocaribe, países como Jamaica, Nicarágua, República
Dominicana, Haiti, Granada e São Vicente e as Granadinas receberam,
juntos, o equivalente a 94,6 mil barris diários de combustível.
Bolívia, Uruguai e Paraguai receberam petróleo venezuelano em
condições especiais através dos Acordos de Cooperação Energética de
Caracas (no caso do Paraguai, até Chávez ordenar o fim dos envios, por
conta do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo).
Também são concedidas condições especiais aos países da Aliança
Bolivariana para as Américas (Alba), com cujos fundos o governo
venezuelano já presenteou a Bolívia com asfalto para a construção de
estradas e computadores e impressoras para escolas públicas.
Sem contar os acordos integrais de cooperação com a Argentina e Cuba,
mais complexos. O de Cuba permitiu o envio do equivalente a 96,3 mil
barris diários de petróleo venezuelano em 2011, em troca de médicos e
educadores para os programas sociais do governo de Chávez, além de
treinamento para dezenas de milhares de estudantes venezuelanos na ilha.
Não surpreende, portanto, que na semana passada os governantes dos
países da Alba e Petrocaribe tenham emitido uma declaração expressando a
sua "total e absoluta solidariedade" para com Chávez e apoiando a
decisão da Suprema Corte que manteve o status quo até a sua recuperação.
Em um editorial sobre o assunto, o jornal jamaicano "The Gleaner",
notou que os projetos "compensaram para muitas nações o perigo real de
um colapso durante a recessão" - mesmo que tenham posto a Venezuela no
caminho de se tornar o maior credor do Caribe até 2015.
Na República Dominicana, que já deve 23% de sua dívida (o equivalente
a mais de US$ 3 bilhões) ao vizinho bolivariano, uma missa celebrada no
último fim de semana em Santo Domingo atraiu "centenas de pessoas",
segundo correspondentes.
'Escambo' polêmico
Para o governo venezuelano, o aumento de 64% no volume destes
"escambos" entre 2010 e 2011 representa um "sucesso" no objetivo de
"resolver as assimetrias de acesso aos recursos energéticos, através de
um esquema de intercâmbio favorável, equitativo e justo entre os países
da região caribenha".
Entretanto, os críticos acusam o governo Chávez de usar os recursos
petroleiros para comprar e manter aliados políticos, em vez de promover
investimentos para diversificar uma economia extremamente dependente do
vaivém das exportações petroleiras.
Considerando que o barril venezuelano custava naquele ano pouco mais
de US$ 100, a renda que o país poderia obter com a venda do petróleo
enviado através dos acordos preferenciais chegaria a US$ 8,9 bilhões.
Eddie Ramírez, ex-diretor da PDVSA e coordenador da associação Gente
do Petróleo - que critica o atual gerenciamento da gigante petroleira -
diz que estes recursos seriam importantes para realizar manutenções que a
empresa hoje não faz "por problemas de fluxo de caixa".
Em agosto do ano passado, uma explosão na refinaria de Amuay, no
estado de Falcón, deixou quase 40 mortos e mais de 80 feridos. O
incidente evidenciou a falta de investimentos na segurança
principalmente no setor de refino.
"Estão fazendo a manutenção da PDVSA como eu e você fazemos a
manutenção dos nossos carros: deixando correr até dar um problema. Não
condiz com o que deve ser a prática em uma indústria de alto nível de
risco como esta", disse Ramírez à BBC Brasil.
"Antes, éramos uma empresa petroleira que praticava responsabilidade
social. Hoje, somos um empreendimento social que de passagem atua no
ramo petroleiro."
Futuro incerto
Apesar das queixas, a profundidade da dependência de países
vulneráveis aos acordos também serve de proteção para essas iniciativas.
Analistas creem que, em um governo "chavista sem Chávez", com o
sucessor Nicolás Maduro à sua frente, os acordos tenderiam a serem
estendidos, inclusive para perpetuar o legado internacional do líder
bolivariano.
Já um governo de oposição aprofundaria as incertezas sobre os
contratos. Durante a corrida eleitoral do ano passado, o candidato da
oposição, Henrique Capriles Radonski, prometeu frear a prática de
"presentear" outros países em nome de "alianças geopolíticas de
conveniência duvidosa para o país".
Entretanto, Capriles Radonski também procurou esclarecer que não iria
reverter os acordos pura e simplesmente, mas sim revisá-los de acordo
com os "interesses nacionais" e a "solidariedade internacional".
Dada a identificação venal do regime cubano com o governo chavista,
seria de se esperar que os acordos assinados por Caracas e Havanas
fossem os primeiros a serem revogados. Mas mesmo comentaristas
conservadores recomendam a cautela em relação a esses entendimentos.
"A coisa mais sábia que a oposição poderia fazer (no governo) seria
enviar uma mensagem para Cuba dizendo que o fornecimento de petróleo não
vai acabar", disse o analista Christopher Sabatini, durante um evento
de inclinação abertamente antichavista em Washington.
"Há milhares de médicos cubanos na Venezuela e essas iniciativas não
podem ser desfeitas da noite para o dia. Comprar uma briga com Cuba
nesse aspecto não seria uma boa ideia." BBC Brasil - Todos os direitos
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escrito da BBC.
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,paises-que-recebem-petroleo-barato-temem-ficar-orfaos-de-chavez,984921,0.htm
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