sábado, 5 de janeiro de 2013

Estátua de Hitler em Varsóvia causa polêmica

 A obra só pode ser vista através de um buraco na porta de entrada de um prédio residencial abandonado / Janek Skarzynski/AFP
  A obra só pode ser vista através de um buraco na porta de entrada de um prédio residencial abandonado

Em novembro, uma estátua de cera representando Hitler ajoelhado e rezando foi instalada no antigo gueto de Varsóvia.

Uma estátua representando Adolf Hitler ajoelhado no local do antigo gueto judeu de Varsóvia indignou o grã-rabino da Polônia, Michael Schudrich. A obra é uma provocação do polêmico artista italiano Maurizio Cattelan.

"Quando se trata de mostrar o personagem de Hitler, temos a responsabilidade extraordinária de sermos sensíveis àqueles que sofreram por causa do que Hitler provocou", declarou nesta sexta-feira o rabino Schudrich.

Uma estátua de cera representando Adolf Hitler, com a estatura de uma criança, vestido com um uniforme cinza, ajoelhado e rezando, foi instalada no antigo gueto de Varsóvia em 16 de novembro.

 A estátua pode ser vista apenas de costas e somente as pessoas mais atentas conseguem descobrir a instalação que passa despercebida da maior parte dos passantes. É possível observá-la apenas através de um buraco na porta de entrada de um prédio residencial abandonado.

A obra, intitulada "Him" ("Ele") é apresentada como parte de uma exposição do artista, no Centro de Arte Contemporânea de Varsóvia.

"Colocá-la exatamente aqui, na rua Prozna, que fazia parte do antigo gueto, é prova de uma falta de sensibilidade, e mostra por que isso causa problemas", acrescentou o grã-rabino da Polônia.

Segundo Michael Schudrich, antes do início da exposição, os responsáveis pelo museu haviam dito a ele que esta obra não constituía uma reabilitação de Hitler, mas mostrava que o mal pode existir na forma de uma criança de ar ingênuo e inocente.

hitler-estatua3.jpg"Eu achava que a obra ia ficar no museu, mas talvez isso não tenha sido dito. Mas é certo que eles não disseram que a colocariam no antigo gueto", acrescentou Schudrich.
O Centro Simon-Wiesenthal de Jerusalém havia classificado a instalação da estátua no antigo gueto de Varsóvia "de deturpação da arte, que insulta as vítimas dos nazistas" e "de uma provocação sem sentido", em um comunicado de 27 de dezembro.

Um ano depois da invasão da Polônia no dia 1º de setembro de 1939, os alemães criaram o bairro do gueto judeu de apenas 3 km2 onde ficaram amontoados cerca de meio milhão de judeus.

Seus habitantes foram quase todos dizimados pela fome e por doenças, ou deportados para os campos da morte. O bairro foi destruído pelos nazistas em 1943 após a insurreição do gueto.

 Tida como uma representação da presença e da natureza do mal entre nós, homens, Him está agora em exposição no antigo gueto de Varsóvia, que se pensa ter levado à morte de cerca de 300 mil judeus, quer de fome e doenças quer por dali terem sido enviados para campos de concentração e extermínio.

Desde a instalação, há um mês, a peça tem atraído cada vez mais visitantes. Talvez por isso a polémica tenha vindo a crescer, com a comunidade judaica a começar a manifestar o seu desconforto. Nos últimos dias, os responsáveis pelo Simon Wiesenthal Center consideraram a presença da peça no gueto como “uma provocação sem qualquer sentido e um insulto à memória dos judeus vítimas do nazismo”.

“No que diz respeito aos judeus, a única ‘oração’ de Hitler foi terem sido varridos da face da terra”, disse citado pelo jornal britânico The Guardian o director israelita do centro, Efraim Zuroff, referindo-se a uma leitura comum da obra em que esta é vista como um ajoelhar penitente do Fürhrer, em oração.

Fabio Cavallucci, director do Centro de Arte Contemporânea da cidade, responsável pela instalação da obra já fez saber que “não houve qualquer intenção pela parte do artista ou do centro de insultar a memória judaica”: “É uma obra de arte que tenta falar sobre o mal que se esconde em todo o lado.”

O mais importante rabi polaco, Michael Schudrich veio também a público explicar que foi consultado sobre a exposição da obra e que não se opôs por considerar que veicula um questionamento moral com o qual considera importante que as pessoas se confrontem.

Na opinião de Michael Schudrich, a obra mostra como o mal se pode apresentar até no corpo de “uma doce criança a orar”: “Achei que tem um valor pedagógico”, disse também citado pelo Guardian.
Parte de uma série de esculturas em que Cattelan retrata personalidades contemporâneas. Em Varsóvia, Him está exposta num pequeno beco, de joelhos sobre a calçada. O público pode vê-la de frente através de um gradeamento, ou apenas ao fundo, de costas, entrando no beco.

Em 2006, quando apresentou pela primeira vez esta peça, o Museu de Arte Contemporânea de Chicago publicou um texto que mantém online: “Este trabalho justapõe a vulnerabilidade do corpo aparentemente inocente de um rapaz com a cara adulta de Adolf Hitler, que é considerado a mais maléfica pessoa do século XX pela sua responsabilidade na morte de seis milhões de judeus no Holocausto e pela morte de milhões de outras pessoas na II Guerra Mundial.”

O texto diz também que Catellan sempre quis que o público se aproximasse desta pequena escultura de feições hiper-realistas pelas costas, apercebendo-se apenas depois de quem retrata. “A escala da figura, em relação com a estatura do público, inverte as relações de poder, talvez levantando respostas conflituosas, mas não diminuindo por isso a potência da imagem de Hitler nem a magnitude dos seus crimes. Him talvez sirva de lembrança de que o rosto do mal nem sempre é facilmente reconhecível.”

Him faz parte da mesma série de esculturas que a imagem de João Paulo II que causou também polémica em 1997 ao ser apresentada na grande exposição Sensation, da colecção de Charles Saatchi na Royal Accademy de Londres – essa peça mostra o papa caído por terra, abalroado por um meteorito.

http://noticias.band.uol.com.br/mundo/noticia/?id=100000565255
http://www.publico.pt/cultura/noticia/o-pequeno-hitler-de-maurizio-cattelan-continua-a-ser-um-grande-provocador-1579103

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