quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Toque de recolher em São Paulo: a ordem vem do crime?

Onda de violência em São Paulo desencadeou uma série de denúncias de toques de recolher, afetando comércio, escolas e faculdades

Era uma quarta-feira de outubro, quando J., 40 anos, proprietária de um bar e lanchonete em São Miguel, na zona leste de São Paulo, recebeu um recado de um vizinho, também comerciante. A ordem, supostamente dada por criminosos, era clara: todos deveriam baixar as portas mais cedo. J., que costuma fechar o estabelecimento por volta das 23h, não questionou. A exemplo de outros comerciantes, obedeceu ao que determinava o aviso. Naquele dia, encerrou as atividades às 19h.
A história de J. está longe de ser caso isolado. Denúncias de “toque de recolher” voltaram a aparecer desde que o Estado de São Paulo passou a viver uma nova onda de violência, cujo pavio foi aceso no fim de maio, após ação da Rota que terminou com seis mortos na zona leste. Os relatos passaram a se multiplicar à medida que a criminalidade no Estado se agravava — sobretudo nos últimos dois meses.
 
Se por um lado o poder público nega, categórico, a existência desse tipo de coação, por outro, uma parcela da população não esconde que se sente ameaçada e, na dúvida, acaba se submetendo ao que entende ser uma “ordem do crime”.
 
O R7 ouviu histórias de moradores de diferentes regiões da capital e de cidades vizinhas e constatou que, resultado de rumor ou não, os casos de toque de recolher estão pulverizados e têm alterado a rotina de alguns bairros, especialmente na periferia.
A funcionária pública C., 25 anos, que o diga. Ela vive em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, e, desde outubro, não sai à noite porque tem medo de “pagar para ver”, como ela mesma enfatizou.
 
— Está geral. Os comerciantes estão até acatando, mas a polícia manda abrir, dizendo que não há toque de recolher, que não precisa fechar. Só que alguns estão fechando [o estabelecimento mais cedo]. Eu tenho um filho pequeno para criar. Pelo sim, pelo não, você acaba se privando de fazer as coisas. Não vou arriscar a minha vida. Eles [criminosos] não têm nada a perder.
 
C. conta que há dois meses ela e familiares vivem uma tensão cotidiana.
— Todas as pessoas que conheço, quando dá 20h, vão para dentro de casa. A minha mãe saia às 19h30 do serviço. Geralmente, chegava umas 21h, 21h30. Ela passou a sair mais cedo para chegar em casa às 20h. Minha prima trabalhava das 14h às 20h e chegava em Taboão por volta das 22h. Ela mudou de emprego. Arrumou outro por aqui, nas redondezas, e agora trabalha das 7h às 16h.
A funcionária pública se diz insegura e abalada emocionalmente em razão da onda de violência.
— Meu estado emocional está crítico. Saio para trabalhar às 5h. Ainda está escuro. Para mim, alguém vai entrar no ônibus e tacar fogo. Vai jogar aquele coquetel de garrafa [molotov]. É horrível. Isso não é vida.
 
 

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