sábado, 1 de dezembro de 2012

Homicídio de negro no Brasil é 132% maior

Enquanto foram mortas 36 pessoas negras (por 100 mil habitantes) em 2010, 15 brancos morreram; Nordeste tem situação mais preocupante. O total de negros assassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos. Nos últimos oito anos, entre 2002 e 2010, enquanto o número de homicídios de brancos caiu, a morte de negros cresceu.  

Em 2010, foram assassinados no Brasil 36 negros para cada 100 mil habitantes da mesma cor. A taxa de homicídios de brancos foi de 15,5 por 100 mil. Na pesquisa, o grupo dos negros também inclui os pardos.
"A grande desproporção de negros assassinados em comparação aos brancos mostra que a discriminação no Brasil ainda é imensa", diz o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência 2012 - A cor dos homicídios, feito em parceria entre o Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos (Cebela) e a Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial.

Essa diferença chega a ser escandalosa em Estados nordestinos. Alagoas é onde mais morrem negros, proporcionalmente, no Brasil: são 80,5 casos por 100 mil habitantes. Já o total de homicídios de brancos no Estado é baixo: 4,4 casos por 100 mil habitantes, o que o coloca como o segundo menos violento para brancos no Brasil.

A situação é semelhante na Paraíba, Estado onde brancos têm menor chance de ser assassinados no Brasil: 3,1 casos por 100 mil. O assassinato de negros é 1.824% maior: 60,5 casos por 100 mil habitantes.
Paulistas. Em São Paulo, apesar de a situação ser menos dramática do que a do Nordeste, o total de negros assassinados é 32% maior do que o de brancos (12,2, contra 21,5). A situação piora em períodos de crise, como nos últimos seis meses, quando o crescimento dos assassinatos se acelerou. "Isso é reflexo de 500 anos de história, boa parte dela com escravidão e até hoje com negação de direitos. A morte de negros é tolerada e não choca", diz Douglas Belchior, da Uniafro - instituição educacional voltada para negros e pessoas de baixa renda - e do Comitê de Luta contra o Genocídio da Juventude Negra.

Mulheres negras são maioria entre jovens que não trabalham nem estudam. Mulheres pretas, pardas e indígenas são a maioria entre os 5,3 milhões de jovens de 18 a 25 anos que não trabalham nem estudam no País, a chamada “geração nem nem”. Cruzamento de dados inédito feito pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a pedido da Agência Brasil, revela que elas somam 2,2 milhões, ou seja, 41,5% desse grupo. Do total de jovens brasileiros nessa faixa etária (27,3 milhões), as negras e indígenas representam 8% - enquanto as brancas na mesma situação chegam a 5% (1,3 milhão). 

Para o coordenador do levantamento, Adalberto Cardoso, que fez a pesquisa com base nos dados do Censo 2010, do IBGE, várias razões explicam o abandono da educação formal e do mercado de trabalho por jovens. Entre elas, o casamento e a necessidade de começar a trabalhar cedo para sustentar a família. Cerca de 70% dos jovens “nem nem” estão entre os 40% mais pobres do País. A gravidez precoce é o principal motivo do abandono, uma vez que mais da metade das jovens nessa situação têm filhos.

É o caso de Elma Luiza Celestina, de 24 anos, moradora da Estrutural, na periferia de Brasília. A jovem deixou de estudar aos 16 anos, com o nascimento do primeiro filho. Ela continuou frequentando as aulas até terminar o 6.º ano do ensino fundamental, mas engravidou novamente meses depois. Com isso, precisou adiar a volta às salas de aula. Desde então, dedica-se quase exclusivamente aos filhos, conseguindo, raramente, alguns bicos como faxineira. Há sete meses, no entanto, quando o terceiro filho nasceu, não assume nenhum compromisso profissional e vive com dificuldade financeira.

“Como só tenho o 6.º ano, não conseguia coisa muito boa, que ganhasse um bom dinheiro. Era mais para fazer faxina mesmo. Mas, agora, não tenho como (trabalhar). Com três filhos é difícil sair para fazer qualquer coisa.”

Elma vive apenas com a ajuda da mãe, de 57 anos, para sustentar as três crianças. Os dois ex-maridos estão presos e não podem reforçar a renda da casa. “O problema é que agora ela (minha mãe) também não está podendo trabalhar, porque está com problema no joelho. E, sem a ajuda dos pais das crianças, está bem difícil”, conta a jovem que não consegue fazer planos para o futuro.

“Se eu quiser coisa melhor, tenho que voltar a estudar, mas não sei se vou conseguir, porque, com esses filhos todos, como vou fazer?”, disse. Ela acredita que engravidou cedo por falta de orientação familiar. “Minha mãe não sabe nem escrever, não tinha como me orientar. Eu acabei engravidando, não me cuidei e engravidei de novo.”

A gravidez na adolescência também levou Lucineide Apolinário a abandonar os estudos. Aos 25 anos, a moradora da Estrutural está grávida do quarto filho e, sem ter com quem deixar as crianças, desistiu de trabalhar. O atual marido, que é pai apenas do bebê que ainda vai nascer, é ajudante de obras e, mesmo sem ter emprego fixo, assume sozinho as despesas da casa. O primeiro marido morreu há cerca de dois anos. A jovem cursou até a 7.º ano do ensino fundamental e lamenta o casamento e a gravidez precoces.

“Parei de estudar por causa das crianças. Casei aos 15 anos, arrumei filho muito cedo e veio um atrás do outro. Estava apaixonada, era ilusão de adolescente. O problema é que sobra muito para a mulher. A gente tem de se dividir em mil para dar conta dos filhos e da casa e não consegue pensar na gente”, diz.
Enquanto se prepara para dar à luz a mais um menino nos próximos dias, Lucineide diz que sonha em retomar os estudos “algum dia”. Ela espera que os filhos tenham uma história diferente da sua.

“Ainda vai demorar um pouco, mas algum dia eu volto a estudar. Para conseguir um emprego melhor tem que estar pelo menos no 1.º ano (do ensino médio) e eu quero voltar a trabalhar para poder dar um futuro melhor para os meus filhos, uma história bem diferente da minha”, diz.

Moradora do Morro do Juramento, na zona norte do Rio, Jéssica Regina Martelo, de 22 anos, parou de estudar no 6.º ano, quando passou a achar a escola menos interessante do que a vida real. A jovem conta que “era chato” ir à escola e que preferia ficar com as amigas. Órfã de pai e mãe, ela foi criada pelas irmãs e teve a primeira filha aos 17 anos. Envolvido com o tráfico, o companheiro morreu assassinado logo depois do nascimento da menina. Como não pôde contar com o apoio do pai da criança, acabou tendo de trabalhar para se sustentar.

Aos 19 anos, Jéssica teve a segunda filha, da união com Jony Felipe Coli, de 24 anos, que também não estuda e já tinha dois filhos ao conhecê-la. Ele também não tem emprego formal tampouco estuda, embora cuide dos filhos do relacionamento anterior e que agora fazem parte da nova família. Para sustentar a casa, Jéssica faz bico. “Prefiro ser manicure por conta própria porque tenho mais tempo para cuidar das meninas e o dinheiro fica comigo e com elas, não com o salão.”

Além da gravidez, outro fator de peso para o abandono da escola, segundo o pesquisador da Uerj, é a falta de perspectiva de vida de jovens pretos, pardos e indígenas, maioria nas escolas públicas, em geral, de menor qualidade. Ele acredita que o estímulo à educação é fundamental para mudar a realidade desse grupo.

“Uma coisa perversa no sistema educacional do Brasil é o fato de pessoas deixarem a escola porque não têm a perspectiva de chegar ao ensino superior”, diz. “As ações afirmativas são importantes por isso. Têm o efeito de alimentar aspirações de pessoas que viam a universidade como uma barreira, mas que vão se sentir estimuladas a permanecer no ensino”, destaca.

Ao analisar os dados do levantamento, a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Rosângela Araújo diz que é preciso entender o que está por trás do comportamento das meninas. “Não é falta de informação. Tenho certeza de que a maioria conhece um preservativo. Mas tem uma questão da mudança de status, de menina para mulher. Elas podem não ver (o abandono escolar) como um passo atrás, mas no futuro, pode pesar.”

Segundo o levantamento, embora a taxa de jovens da “geração nem nem” no Brasil seja considerada alta (19,5% do total de pessoas de 18 a 25 anos), o índice não está distante do verificado em países com características demográficas semelhantes onde é comum que a mulher deixe de trabalhar e estudar para se casar. É o caso da Turquia e do México, segundo estudos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), citados pelo pesquisador da Uerj.

A pesquisa também identificou entre os “nem nem” jovens com deficiência física grave e os que saíram da faculdade, mas ainda não estão empregados. Os dados completos constam do estudo Juventude, Desigualdade e o Futuro do Rio de Janeiro, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e deve ter um capítulo publicado em 2013.

Fonte:http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,mulheres-negras-sao-maioria-entre-jovens-que-nao-trabalham-nem-estudam,962688,0.htm